Em meio à expansão do crime organizado na busca pelo controle de territórios e recursos naturais, cerca de 3 de cada 10 cidades (33,7%) da Amazônia Legal têm presença de ao menos uma facção criminosa. Dos 772 municípios na região, 260 convivem com a ação desses grupos.
Em números, o Comando Vermelho, surgido no Rio de Janeiro, está sozinho em 129 cidades. Já a facção paulista PCC (Primeiro Comando da Capital) tem 28 cidades sob seu domínio. Outras 85 cidades têm presença de duas ou mais facções, segundo o mapeamento feito entre janeiro e setembro deste ano.
Os dados são da terceira edição das Cartografias da Violência na Amazônia, produzido pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública e pelo Instituto Mãe Crioula. Segundo o estudo, a separação entre os grupos de tráfico de drogas e crimes ambientais tem sido borrada nos últimos anos.
Um exemplo é a entrada do PCC, segundo a publicação, no garimpo ilegal de ouro da Terra Indígena Yanomami, que se estende por Roraima e Amazonas. A exploração de minérios como cassiterita e ouro pode ter atraído integrantes da facção como seguranças.
Mas relatos de pessoas envolvidas no garimpo remontam a chegada da facção, assim como os concorrentes do CV, ao período entre 2013 e 2015, diz o estudo. Hoje, segundo relatos colhidos no documento, pode haver inclusive uma divisão de classes. Garimpeiros que fazem o trabalho direto nos rios são apontados como “velhos” e “trabalhadores”, e os “bandidos” ficam responsáveis pelas negociações de ouro, drogas e armas.
Os dados são colhidos, segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, em visitas a algumas cidades, entrevistas de campo e com autoridades de Polícia Federal, Polícia Militar e Ministério Público, informações de órgãos públicos, notícias e redes sociais. As informações, então, são cruzadas ao longo da elaboração do estudo.
Uma hipótese da publicação para o crescimento das facções em solo amazônico é o modelo da alianças e adesões entre grupos dentro das prisões, que amplia as fileiras do crime organizado. Essa medida também acaba por enfraquecer grupos locais por meio de fusões ou incorporações, como ocorreu, segundo o texto, com o Bonde dos 13, do Acre, a Família Terror do Amapá e a União Criminosa do Amapá.
No caso do Bonde dos 13, o grupo é apoiado pelo PCC na tentativa de fazer frente ao domínio do CV em quase todo o território acreano.
Por outro lado, outros grupos locais mantêm uma presença relevante, como o Bonde dos 40, que está sozinho em dez cidades maranhenses. Em outras seis, divide o espaço com o CV, e em Porto Franco, Alto Alegre do Maranhão e Santa Inês, com a facção do Rio de Janeiro e também o PCC.
A presença maior do CV no interior, na comparação com o PCC, pode ser parcialmente explicada pelo racha entre os dois grupos em 2016, ano marcado pela morte de Jorge Rafaat Toumani, numa batalha militar de quatro horas em Ponta Porã (MS).
“Naquela época, PCC e o Comando Vermelho ainda compartilhavam algumas rotas no Paraguai. Havia um certo pacto de convivência em que atuavam às vezes num mesmo país, trazendo drogas de um mesmo país, sem grandes conflitos”, diz Samira Bueno, diretora-executiva do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
Com a cisão e mortes violentas dentro de prisões, o PCC teria mantido o controle das rotas no Paraguai, e coube ao CV intensificar a busca por novos territórios na Amazônia, com um ímpeto que levou até à extinção da Família do Norte, facção do Amazonas, afirma a especialista.
Tanto em cidades próximas quanto nas distantes de capitais, o domínio do crime organizado muda drasticamente o cotidiano das pessoas, diz Aiala Colares Couto, diretor-presidente do Instituto Mãe Crioula. “No comércio há a cobrança de taxas, há também os avisos proibindo roubos na comunidade. É a forma de resolver conflitos comunitários a partir da intervenção do crime.”
Para o especialista, essa vida sob a influência de facções pode ser uma estratégia de sobrevivência, já que em muitos destes locais não há uma presença efetiva do Estado. “É como ocorre em Mucajuba [PA], e também comunidades ribeirinhas e quilombolas em Abaetetuba [PA].” Ambas têm a presença solitária do CV, e Mocajuba é a terceira mais violenta da região, com 110,4 mortes violentas intencionais a cada 1.000 habitantes.
A outra hipótese para a expansão do crime organizado na Amazônia é o fato de a região ser uma rota obrigatória para redes de mercado de drogas. Nessa logística do tráfico, portos como o de Manaus, de Vila do Conde, em Barcarena, e o de Santarém, oferecem uma entrada direta no trânsito global da droga rumo aos países consumidores.
Parte do termômetro para a presença das facções nos territórios é a apreensão de drogas, que tiveram alta entre 2019 e 2023. Foram 70 toneladas de cocaína apreendidas na região em 2023, mais que o triplo do que as 21,6 toneladas apreendidas em 2019.
O pico recente foi em 2022, com 93 toneladas recolhidas por forças de segurança estaduais e federais, incluindo as Forças Armadas. Já as apreensões de maconha cresceram continuamente ao longo desse período, chegando a 166,9 toneladas em 2023, mais que o dobro do que as 75,5 toneladas registradas em 2022.
Embora o estudo considere a possibilidade de uma estabilização na violência após o estabelecimento de uma facção, dissidências podem elevar os níveis de mortes violentas intencionais, indicador usado pela publicação que considera vítimas de homicídios dolosos, latrocínios, lesões corporais seguidas de morte e mortes causadas por agentes policiais.
Nova Santa Helena, em MT, é a sétima cidade mais violenta da Amazônia Legal, com 102,3 óbitos por 1.000 habitantes. Lá foi registrada a presença da Tropa do Castelar, uma dissidência do Comando Vermelho com perfil mais jovem e mais violento.
A também mato-grossense São José do Rio Claro, oitava mais violenta da região, com 100,1 casos a cada 1.000 habitantes, tem seus 14.911 habitantes convivendo com CV e PCC.
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