Presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky - Foto: Reprodução / ONU

O embate com o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, fragilizou o líder ucraniano, Volodymyr Zelensky, e reconfigurou interesses dos países envolvendo o conflito na Ucrânia.

O bate-boca com Trump no Salão Oval deixou Zelensky em uma posição de vulnerabilidade internacional. O UOL conversou com pesquisadores e cientistas políticos internacionais que explicam que, após o embate, o líder ucraniano ficou “na corda bamba’ e se aproximou de nações europeias interessadas em firmar uma proposta de paz, mas, ao mesmo tempo, não pode abrir mão do apoio dos EUA.

“O cenário é de indefinição”, diz Marina Slhessarenko Barreto. A pesquisadora do Núcleo Direito e Democracia do Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento), que esteve duas vezes na Ucrânia no ano passado, relata que o apoio dos EUA envolve, inclusive, variáveis tecnológicas que afetam o dia a dia dos ucranianos. “Comentavam muito que o sistema norte-americano de interceptação de mísseis e material balístico que chega da Rússia para a Ucrânia é um dos mais seguros do mundo.”

Zelensky quer apoio americano, mas precisa demonstrar soberania. “Ele é um líder em tempos de guerra, precisa defender seu povo, mostrar coragem e sinalizar que não abre mão da liderança, nem de costurar apoio por seu país”, afirma Marina. Na avaliação de Fancelli, o líder ucraniano “sai grande” da discussão e com apoio de líderes da Otan — que rapidamente demonstraram apoio.

O que torna ainda mais difícil a posição de Zelensky é o estilo pouco diplomático de Trump e de seu vice, J.D. Vance. “Ele não pode ser um servo dos EUA, precisa ser ativo. Por um lado, as fronteiras da Europa estão ameaçadas, por outro, a Ucrânia depende da segurança oferecida pelos EUA”, diz a pesquisadora.

Países europeus e a pressa por negociações

Líderes europeus se apressam para chegar a um acordo de paz que será apresentado aos EUA. No domingo, o primeiro-ministro britânico Keir Starmer se reuniu com Zelensky e outros líderes. No encontro, ele disse que a Europa deveria se mover mais rapidamente do que tem feito para mostrar que pode se defender.

Europa discutiu caminhos para fortalecer a Ucrânia diante do conflito com a Rússia. A presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, afirmou que a Europa precisar se “rearmar urgentemente”, após reunião com líderes de países europeus e a Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte).

Pressa nas negociações revela preocupação com risco de ameaça por parte da Rússia. “É importante olhar para a resposta europeia, isso não é só uma questão de Ucrânia, mas de toda a Europa. Se os EUA não têm mostrado disposição para proteger a Ucrânia, também não estariam dispostos a proteger outros países europeus em casos de eventuais ataques da Rússia”, afirma Uriã Fancelli, mestre em relações internacionais pelas Universidades de Groningen (Países Baixos) e Estrasburgo (França).

Rússia sai como favorecida após discussão

Favorecida após a discussão, Rússia observa atenta o desenrolar do conflito. No último domingo (2), o ministro das Relações Exteriores da Rússia, Sergei Lavrov, elogiou Trump e o chamou de “pragmático”. Um dia antes, a porta-voz do ministério, Maria Zakharova, disse que a estadia do ucraniano nos EUA “foi um fracasso” e que Zelensky “está obcecado pela guerra” — fortalecendo a narrativa de que ele estaria pouco disposto a um acordo.

Vladimir Putin – Foto: Reuters

Investidas recentes da Rússia em ataques contra a Ucrânia mostram continuidade nas ações militares. “É como se não tivessem sido colocadas propostas de paz sobre a mesa”, diz Marina. Fancelli destaca que as últimas manifestações de Trump a Zelensky favorecem a Rússia de Putin. “Está fácil para a Rússia porque os EUA estão fazendo tudo por eles, Trump chamou Zelensky de ditador”, diz o cientista político. “A Rússia está ganhando tempo para avançar e consolidar presença nesses territórios.”

Aproximação entre Trump e Putin

Para Trump, é importante aparecer ao lado de figuras de grande representatividade. “Se ele parecer ao lado dessas figuras será projetado com ainda mais força e visibilidade”, diz Fancelli. Para o cientista político, ambos tem uma visão de mundo expansionista e nacionalista. “São países que olham mais para dentro do que para fora e que querem o enfraquecimento de organizações internacionais.”

Nas redes sociais, memes mostraram Trump como um “cachorro” de Putin após o embate. Para Marina, as ilustrações são superficiais uma vez que desconsideram os interesses econômicos e políticos de Trump em se distanciar da Ucrânia. “Ele foi eleito com a promessa de tirar o dinheiro que os EUA colocam nas guerras ao redor do mundo para fazer esse valor voltar aos americanos”.

Trump não tem interesse em seguir com política externa diplomática dos EUA praticada até o fim do governo Biden. “A importância de aparecer ao lado de Putin é muito mais do que simbólica, ambos têm um alinhamento de interesses materiais e afinidades ideológicas”, diz Marina. “Muito da legitimidade de Putin vem desse discurso da guerra contra países, de dominação e imperialismo. Da mesma forma, vemos Trump começar guerras domésticas, partindo da legitimidade que teve na campanha sobre inimigos internos e externos.”

O que pesa para os EUA seguir no conflito

Não há definição até o momento de como os EUA seguirão no conflito, já que as possibilidade de avançar em um acordo ficaram ainda mais distantes. “Só essas próximas semanas vão dizer”, pondera Marina. Segundo o professor de Direito Internacional da UFMG Lucas Lima, um acordo não deve ocorrer no momento, mas ainda assim “há pressões para que a situação se estabilize”.

Discussão no Salão Oval servirá como “margem de manobra” para negociações entre EUA, Ucrânia e países europeus. “Após um período de negociação mais intenso, deve-se chegar a algum meio-termo”, diz ele.

EUA têm interesse em assinar acordo que possibilita acesso aos minérios em território ucraniano. Segundo Marina, o controle sobre o material tem como objetivo se contrapor à riqueza da China. “Se os EUA não assinar esse acordo vão continuar submetidos ao mercado chinês. Ou seja, jogar tudo pro alto também não é interessante para o governo Trump.

*Com informações de Uol