Quando se fala em garimpo de ouro, o imaginário coletivo pinta uma imagem pouco favorável aos trabalhadores. O senso comum é imaginar trabalhadores mal remunerados, em más condições laborais, enfrentando dificuldades e se arriscando na venda de ouro ilegal. Porém, uma operação na Baixada Cuiabana, em Mato Grosso, tem feito o oposto disso, atuando com iniciativas sustentáveis e um incansável trabalho pela garantia de uma origem legal para o ouro.
Pequenos e médios garimpeiros da região se dedicam à cadeia de produção e de comercialização de ouro totalmente legal, fato inédito no Estado, que há séculos tem como uma das principais atividades extrativistas a mineração.
É debaixo de um sol escaldante do Mato Grosso, a mais de 40ºC na cidade de Poconé, a 100 km de Cuiabá, que minas de ouro trabalham sem descanso. O metal é retirado de dentro de pedras, que são processadas até virarem uma areia grossa.
Diferente do ouro aluvionar – aquele que é encontrado na superfície –, este ouro precisa passar por um processo para ser encontrado.
As minas em operação na Baixada Cuiabana atuam de forma sustentável e com zero emissão de carbono no meio ambiente, raridade no ramo e orgulho para o produtor, dono de uma propriedade fértil, que ainda aproveita sua fazenda para a produção de gado e soja. A mineração de ouro ocupa apenas 10% de toda a propriedade, que tem cerca de 600 hectares.
“Quando comprei essas terras, não tinha nada disso. Só tinha um buraco, e dentro dele tinha ouro, graças a Deus”, diz o garimpeiro, que não foi identificado por questões de segurança.
Minas de ouro de Poconé produzem o mineral de forma legal
Como é extraído o ouro?
As pedras são moídas em maquinários fabricados no Brasil, considerados os de melhor qualidade, e que consomem 70% menos água do que moinhos de outras variedades. Depois, a terra proveniente do processo é despejada em tanques, onde já é possível ver o brilho do ouro misturado a terra com aspecto de areia. Dali, o ouro vai para equipamentos fechados onde é adicionado o mercúrio, responsável por fazer a decantação.
Poluente, o mercúrio é até 98% reaproveitado neste processo, e os 2% restantes são reprocessados, para evitar que qualquer quantidade seja despejada no meio ambiente.
Segundo a Fênix DTVM, 99% do processo produtivo é apoiado em processos simplesmente físicos, que não envolvem a adição de nenhum elemento químico sequer, utilizando, principalmente, o princípio da gravidade na separação do ouro.
“Para exemplificar, saímos de uma massa de aproximadamente 3.000 toneladas de rochas extraídas no dia, das quais aproximadamente 30% (1.000 ton) são submetidas aos processos produtivos industriais, e chegando para o âmbito dos processos químicos, que envolve a adição de mercúrio, apenas 0,4ton de material concentrado em ouro”, explica o Diretor de Operações da Fênix DTVM, Pedro Eugênio Procópio.
O mercúrio tem a capacidade de formar uma liga metálica com o ouro, criando uma amálgama que é facilmente separada do ouro. Além disso, o mercúrio é relativamente barato e de fácil manipulação, e ainda pode ser recuperado em sua maior parte.
“O objetivo é fazer com que o elemento capture as partículas de ouro e se transforme em uma massa extremamente densa, chamada amálgama, que contém ouro e mercúrio. Diante da densidade de tal massa é possível resgatar a amálgama, separando-a do resto das 0,4ton de concentrado e essa, por sua vez, passará por um procedimento de queima, evaporando o mercúrio e separando-o do ouro. Essa evaporação é feita dentro de um equipamento específico, chamado retorta, que coloca todo procedimento de queima dentro de ambiente controlado, permitindo, inclusive, a recuperação do mercúrio em processo de precipitação de gases, possibilitando a sua reutilização.”
“Todo esse procedimento deve ser realizado dentro de ambientes específicos, com utilização de EPIs específicos e com máquinas eficientes suficientes para garantirem a eficácia do processo de recuperação (segundo estudos e testes, recupera-se, ainda dentro da mineradora, aproximadamente 98,4% do mercúrio). A destinação final do material (0,4ton) que sofreu contato com o mercúrio também é de extrema importância para o uso consciente do produto, têm-se, inclusive, empresas especializadas na destinação final desse produto que são devidamente autorizadas pelas secretarias de meio ambiente, as quais, inclusive, possuem diligências e diretrizes específicas para autorizar e fiscalizar os empreendimentos minerais que são autorizados a operar com esses métodos”, explica Procópio.
Apesar da prática, a Fênix admite a necessidade da substituição do método, uma vez que o mercúrio é um produto nocivo, e que não tolera um mau manuseio. Por isso, a empresa investe em novas tecnologias que ofereçam a possibilidade de substituir o método químico, como o uso da folha do pau-de-balsa.
Toda a água utilizada no processo é de reuso. Só depois o ouro é forjado em barras e aí sim, vendido. Tudo isso acontece em uma pequena instalação dentro da fazenda, controlada eletronicamente e comandada pelo garimpeiro. No local, cerca de 40 trabalhadores revezam em turnos para operar caminhões e escavadeiras, com direito a ar condicionado na cabine.
Apesar de a atividade ser inevitavelmente extrativista, a degradação do solo é extremamente pontual, garante o garimpeiro. Em uma única mina, a expectativa é de exploração pelos próximos 40 anos, sem necessidade de abrir outra cava na mesma fazenda.
Todas as cavas possuem planos de fechamento de mina, uma obrigatoriedade prevista por lei no Brasil. Para compensar o dano causado no meio ambiente, há o caminho dos processos produtivos sustentáveis, com reutilização de água.
No processo, há neutralização de 100% do carbono que é emitido, e toda a energia parte de fontes renováveis. As alternativas foram encontradas para reduzir ao máximo o impacto gerado pela atividade no planeta.
“Acho que a primeira consciência que tem que partir é uma consciência nossa de nos colocarmos como parte do problema. Agora, é uma consciência nossa também de nos colocarmos como parte da solução. Isso aqui é um auto-reconhecimento de que o problema tem a ver comigo e não apenas com o Estado, não apenas com os mineradores e não apenas com o consumidor final. Eu faço parte do problema e de alguma forma eu tenho que fazer parte da solução”, diz Pedro Eugênio Procópio.
Carbono zero
As mineradoras de ouro da Baixada Cuiabana zeraram a emissão de carbono, segundo a Fênix DTVM, uma das práticas consideradas sustentáveis na cadeia de produção do minério. O objetivo é ajudar o setor a enfrentar os desafios das mudanças climáticas, onde passa a contribuir para o atendimento da ODS 07(Energia acessível e limpa) e a ODS 13 (Ação contra a Mudança Global do Clima).
A empresa realizou uma transição energética para fontes limpas de energia, e uma economia de baixo carbono, conhecendo todas as suas fontes de emissões de gases de efeito estufa. Assim, ela faz a gestão para diminuição dessas emissões e posterior compensação através do plantio de árvores nativas em áreas degradadas, apoiada por uma empresa certificada, garantindo o selo Carbon Free.
A medida segue as regulações que são relacionadas a critérios ESG, como a Resolução CMN 4945/2021, do Banco Central do Brasil (BCB), que consiste no conjunto de princípios e diretrizes de natureza social, de natureza ambiental e de natureza climática na condução dos seus negócios e atividades.
“Embora a mineração de ouro seja uma atividade intensiva em energia e emissora de carbono, as mineradoras podem desempenhar um papel importante na redução de seu impacto ambiental por meio da adoção de práticas responsáveis e da busca de inovações sustentáveis. Isso não apenas ajuda na neutralização das emissões de carbono, mas também promove uma indústria mais verde e ética”, diz a empresa.
A passos lentos, a empresa alega que já colhe os frutos do trabalho. “Estamos já colhendo frutos, não na velocidade que gostaríamos, mas já visualizamos mineradoras e fornecedores que estão tomando consciência que adotar as práticas de ESG contribuem para a preservação do meio ambiente, agregam valor ao produto e atrai compradores mais conscientes”.
Ouro legal
Um dos pilares da mineração sustentável, além das práticas que compensam o meio ambiente, é o trabalho com o ouro legal, exclusivamente. Com a mineração responsável, o ouro pode ser rastreado e tem certificação de origem, garantias de que é possível saber de onde veio e como foi extraído o mineral. Um grupo de empresários de Cuiabá decidiu fazer negócio com os produtores locais para certificar que a região venda ouro legal e com qualidade e origem rastreáveis.
Existem formas de uma atividade essencialmente extrativista ser sustentável e reduzir ao mínimo o impacto ambiental? Para a Fênix DTVM, a resposta é sim. A operadora financeira com sede em Cuiabá, no Mato Grosso, cujo principal ativo é o ouro, atua apenas com produtores, ou seja, mineradoras, que funcionam com práticas legais e sustentáveis. Uma grande lista de requisitos é necessária para que um produtor de ouro se encaixe nos moldes e possa, de fato, vender o ouro para a DTVM.
Isso porque, de acordo com o Diretor de Operações, Pedro Eugênio Procópio, um dos ideais da empresa é combater o ouro ilegal e o ouro legalizado, que é “esquentado” no mercado, mas também tem origem ilícita. Para ele, todo o trabalho em certificar que o ouro tenha uma origem legal é compensador, já que o cliente está cada vez mais exigente.
“Antes de tudo, é uma questão de sobrevivência. A gente fala de uma atividade, a mineração em si, que é naturalmente degradadora. É um fato inegável. E a gente precisa buscar técnicas para que a gente consiga tratar essa atividade de uma forma sustentável. Ao longo do tempo, o mercado foi tomando consciência dessa atitude degradadora da atividade e começou a aumentar o seu nível de exigência quanto à sustentabilidade aplicada aos processos”, explica o COO da empresa.
A exigência do mercado parte, principalmente, após a tragédia envolvendo os yanomami, no Norte do País, o que aumentou os olhares sobre as condições do garimpo ilegal e os impactos da falta de regulação do setor. Por um lado, está um mercado exigente, mas por outro, estão uma legislação frágil e uma cadeia produtiva que ultrapassa as exigências legais. Foi aí que a empresa viu uma brecha para atuar implementando regras para garantir o ouro responsável.
“Aos poucos a gente vem entendendo que todo esse estímulo à mineração responsável, essa transparência, no que se diz respeito à rastreabilidade, esse dever nosso de conhecer as nossas partes relacionadas, no que diz respeito à certificação de origem e até a mineração responsável, projetos de incentivo financeiro mesmo, a gente vê que é um caminho para ser um diferencial”.
“A gente se preocupa em mostrar que, sim, existe, é viável economicamente a comercialização de ouro responsável, é viável economicamente a extração de minério responsável, existe espaço no Brasil principalmente para se criar um grande berço de mineração de pequena e média escala de ouro responsável e que convive bem de forma sustentável com a sociedade, com o meio ambiente”.
Com as práticas sustentáveis na mineração, o pequeno e médio produtor ganha a possibilidade de garantir um futuro para as próximas gerações, que também poderão ter uma chance de trabalhar naquele ramo, além do incentivo financeiro que é recebido por meio de entidades.
Para onde vai o ouro?
Quem pensa que ouro só serve para a confecção de joias, está enganado. Apesar de o mercado joalheiro ser o principal destino do mineral, ele também é usado na fabricação de peças eletrônicas para aparelhos que vão desde celulares até a equipamentos médicos e muito mais.
Depois que as barras de ouro são vendidas, o ouro é vendido aos pontos de compra de ouro (PCO) conveniados, negociado pelas DTVMs como ativo financeiro e vendido como material para a indústria. Na Fênix, os principais compradores estão na Índia, Dubai e Suíça, atualmente.
“Nossa missão é mostrar para um lado do mercado que isso custa, isso reflete na precificação, que existe um ouro rastreado e certificado com uma originação, e de alguma forma tem um valor agregado a mais nisso. E assim como para a originação, a gente precisa mostrar que existe forma de se precificar melhor um ouro responsável e convencer de que esse investimento vale a pena. Vale a pena, principalmente quando a gente olha para a perpetuidade, ou seja, aumento da vida útil de uma atividade.”
O que dizem ambientalistas
A professora do Instituto de Geociências da Unicamp, geóloga e ambientalista Maria José Mesquita desenvolve um projeto sobre sustentabilidade na mineração de pequena escala com cooperativas de garimpeiros no Norte do Mato Grosso e fundo internacional. Ela comenta que, na Baixada Cuiabana, a extração de ouro que ocorre em Poconé possui algumas das melhores atuações de cooperativas.
Ela explica que o ouro, por ser um metal raro, precisa movimentar uma grande quantidade de material para que uma pequena quantidade seja extraída. “Qualquer projeto de mineração para ser aprovado precisa de um plano de fechamento e um plano de recuperação ambiental para ser aprovado nos órgãos específicos. Se cada lado cumprir suas responsabilidades, diminuiremos os danos ambientais. Sem esquecer que os danos sociais mais imediatos de distribuição da renda da mineração também é um problema a ser considerado”.
A ONU traçou 17 objetivos para o desenvolvimento sustentável, que devem ser observados também para avaliar o empreendimento da mineração, segundo Maria José. “Nestes objetivos leva-se em consideração erradicar pobreza, fome, agricultura sustentável, igualdade de gênero, educação de qualidade, redução da desigualdade, entre outros. Atingir o conjunto de todos eles é rumar para sustentabilidade. No caso específico da Baixada Cuiabana, são cooperativas de garimpeiros da Mineração artesanal e de pequena escala (Mape) e são exemplos para outras cooperativas brasileiras. Outro exemplo é a Coogavepe (Cooperativa de garimpeiros do Vale do Rio Peixoto), que tem feito, ao longo de muitos anos, esforços importantes na fiscalização e educação dos seus associados”, diz.
Para a especialista, devem ser implementados subsídios para a certificação do ouro sustentável, o que envolve avaliações anuais e evolução das práticas. Para isso, há empresas que certificam a mineração responsável entendendo a realidade da América Latina. A professora cita a Alliance foi Responsible Mining (ARM) como uma delas.
O ambientalista Vitor Camacho é também geógrafo e mestre em Ciências Ambientais, além de atuar com geoprocessamento. Ele explica a importância da responsabilização dos produtores de ouro pelos impactos que a atividade causa no meio ambiente.
“A grande questão entre a mineração ilegal e legal de ouro, está no compromisso e responsabilização pelos eventuais danos ambientais. Na extração ilegal não há responsabilização pelos danos, que por sua vez, ocorrem desenfreadamente, sem qualquer comprometimento. A partir da certificação de origem e rastreabilidade do ouro é possível tornar o processo rastreável e legal, pois para implementação e operação de projetos de extração legal de ouro, são necessárias licenças ambientais, para as quais são necessários estudos de medidas de mitigação e impactos”.
Camacho explica que a atividade, inevitavelmente, gera grandes impactos, e a principal saída para minimizá-los está em otimizar os processos para conseguirem degradar menos, com menos uso de recursos e com responsabilidade de recuperação, restauração e compensação das áreas afetadas.
O especialista ainda reitera que, além da sustentabilidade na cadeia produtiva do ouro, também é importante discutir novos métodos e novos processos.
“Precisamos pensar em novos debates, como a aplicação do ouro em nossos componentes tecnológicos, sua possível substituição por materiais que possam ser de origem sustentável e até mesmo a reciclagem de equipamentos que levem ouro em sua composição como o caso de computadores obsoletos. Para isso, o investimento em novas pesquisas de tecnologia de materiais é fundamental, precisamos pautar a importância das instituições de pesquisa e universidades nesse tema”, completa.
Uma mina que usa mercúrio pode ser considerada sustentável?
O ambientalista Vitor Camacho acredita que, dificilmente, uma mina de ouro que utiliza mercúrio no processo estará isenta da possibilidade de causar danos ambientais e à saúde humana. “Por se tratar de um metal-líquido e por estar em uma etapa do processo de extração que envolve ações mecânicas, apresenta um grande risco de absorção de vapor desse metal, que via de regra ocorre por via pulmonar, causando intoxicações graves”.
“No meio ambiente o mercúrio ocasiona a contaminação de peixes e o risco de envenenamento de quem deles se alimenta, pois apresenta a característica de bioacumulação, ou seja, a substância passa a se concentrar em tecidos e órgãos, inclusive seres humanos. A intoxicação por mercúrio pode provocar na saúde humana danos ao sistema neurológico”, explica.
A professora Maria José coordena um projeto que testa um bioextrator como substituto do mercúrio no garimpo de ouro. “É o pau-de-balsa, planta nativa do Norte do País e que já é usado pela etnia Terena da Colômbia para este fim. O projeto envolve a Embrapa, Unicamp e a cooperativa Coogavepe”, explica. A especialista também coordena um projeto da Unicamp com a Universidade de Cardiff, Embrapa, UFMT e ARM com o fundo internacional Global Challenges Research FUND (GCRF), do Reino Unido, para desenvolver pesquisa sobre fitorremediação, substituição do mercúrio e certificação de ouro responsável.
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