Em maio de 2023, Liégy Resende deixou Minas Gerais para trás para desbravar o litoral brasileiro na companhia de seus dois cães, Drago e Menina, em uma kombi ano 2001. O sonho, no entanto, começou dois anos antes, quando ela decidiu que a viagem era a forma com que gostaria de celebrar a chegada de seu 30º aniversário.
Natural de Araguari, no norte do Triângulo Mineiro, Liégy comandava, antes de cair na estrada, a sua própria escola de ioga, onde também era professora, que deixou sob os cuidados de uma amiga.
A viajante percorreu a região litorânea do Rio de Janeiro, Espirito Santo e Bahia, perdendo a conta das praias em que passou: “Parei praticamente em todas as cidades praianas, ficando alguns dias, tentando viver a energia de cada lugar”, relembra.
O encontro com a kombi ‘Brisa’
O primeiro passo de Liégy nesta jornada foi repaginar Brisa, como ela chama o automóvel transformado em uma casa para atender todas as necessidades da mineira na missão.
O carro foi comprado de um casal que já a havia adaptado em uma ‘kombi-home’ antes. Brisa, porém, estava em condições bastante precárias. “Tinha muita coisa para arrumar, fazia muito barulho quando andava, aí reformei ela inteira, a parte interna e externa, devo ter gastado com a compra e a remodelação uns R$ 80 mil”.
O veículo foi adaptado para ter o básico que uma residência comum possui: conta com um mini-fogão de duas bocas, armários de madeira para guardar mantimentos e utensílios, cama espaçosa, climatizador, um pequeno botijão de gás e até um vaso sanitário portátil, o porta-pote, com sistema de funcionamento idêntico aos de motorhomes, mas de capacidade inferior.
No teto, duas placas solares garantem a energia e, nas laterais do automóvel, canos de PVC armazenam juntos quase 90 litros de água utilizada para banho (de caneca), lavar roupa e louça. Para beber e cozinhar, ela só usa água mineral.
Perrengue mecânico e ataque de uma mula
Para cobrir os gastos de sua vida simples durante a viagem, dormindo e cozinhando na kombi, ela deu aulas de ioga online, vendeu pacotes com mentoria e também comercializava uma linha de roupas de malha, a gestão virtual do negócio tinha o apoio de algumas amigas.
Mesmo com o aporte financeiro, situações inesperadas na estrada, como problemas mecânicos ou de saúde, colocaram seus planos em risco.
“Em Ilhéus, tive uma inflamação grave na glândula de Bartholin e precisei fazer uma cirurgia de urgência, não tinha grana guardada, nem plano de saúde”. Mas a história teve um final feliz já que, com o apoio dos seguidores de suas redes, ela conseguiu o dinheiro para o procedimento em um só dia.
Este não foi o único perrengue que Liégy passou. Antes mesmo de partir, o motor de Brisa se fundiu e ela considerou adiar o sonho diante de uma conta de R$ 7 mil para o conserto.
“Eu não tinha essa grana, porque todo dinheiro que tinha já havia gastado na reforma dela”. A solução veio através de seu pai, que lembrou do motor velho de um fusca dele esquecido há anos na garagem. O destino estava a seu favor e a peça funcionou perfeitamente — Brisa é de 2001, mas seu motor é 1989, costuma brincar a mineira.
Na Península de Maraú, na Bahia, uma nova surpresa: um embuchamento da suspensão, que teve que ser trocado antes de seguir viagem. Mas o maior susto aconteceu em Caraíva, comunidade ribeirinha nos arredores de Porto Seguro, em que o trio foi atacado por uma mula e um coice atingiu de raspão o focinho de um dos cachorros.
Com bicicleta e malas no chão, além de pedidos de socorro sem destino, já que não havia ninguém por perto, ela se desesperou.
“Foi muito tenso, chorei, gritei muito, me deixou tremendo, demorou para aparecer alguém para tirar a mula dali”, relembrou. Seu cão, conta Liégy, ficou traumatizado com equinos após o episódio.
Solidão com a praia como quintal de casa
Ao longo do trajeto, novas amizades amenizaram a saudade da família. Em momentos em que a solidão batia, Liégy encarava isso como parte de seu processo de autoconhecimento.
A companhia constante dos cães e a visita do namorado mineiro também ofereceram um respiro, assim como seu Instagram, em que ela compartilhou a rotina da viagem —e também usa como forma de estabelecer contato com quem ficou para trás.
Nos dias ensolarados, quando não estava dirigindo, ela e os cachorros curtiam as praias, faziam os tours locais e novos amigos. “É abdicar do conforto, mas com uma possibilidade infinita de aventura, de experiências únicas, porque construí tantas memórias positivas ao longo da viagem morando em um cubículo, algo que jamais teria vivido em outras condições”, acredita.
Com informações do Uol