Tatu-bola-da-caatinga (Tolypeutes tricinctus) - Foto: Samuel Portela

A floresta se perde de vista do alto de um dos mirantes da Reserva Natural Serra das Almas, situada em Crateús, a 400 quilômetros de Fortaleza, no Ceará. É abril, final do período chuvoso, e as árvores seguem com suas folhas verdes e floridas no sertão.

Essa área protegida de 6.285 hectares abriga, a um só tempo, grande parte das espécies da Caatinga e resguarda nascentes que contribuem para a segurança hídrica das comunidades do entorno.
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Desde que virou Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN), em setembro de 2000, a paisagem da Serra das Almas transformou-se de roças e pastagens para uma vegetação exuberante, uma recomposição acelerada pela restauração florestal. A fauna logo retomou seu espaço e sua dinâmica natural.

Há registro de 485 de plantas, 45 espécies de mamíferos, 45 de répteis, 230 de aves e 33 de anfíbios. Lá habitam o arapaçu-do-nordeste, a jacucaca e o vira-folha-cearense, espécies que integram o Plano de Ação Nacional para Conservação das Aves da Caatinga, e quatro das seis espécies de felinos do bioma – onça-parda, jaguatirica, gato-do-mato-pequeno e gato-mourisco.

Na região houve ainda o reaparecimento do guariba-da-caatinga (Alouatta ululata), primata ameaçado de extinção.

Lajeiro, afloramento rochoso típico do semiárido brasileiro, cuja vegetação é marcada por macambira e xique-xique. Reserva Natural Serra das Almas, Crateús, Ceará – Kevin Damasio – Kevin Damasio

A grande surpresa da biodiversidade da Serra das Almas aconteceu em 12 de julho de 2022.

O biólogo Samuel Portela retornava para a reserva quando avistou, na estrada de terra, um tatu-bola-da-caatinga (Tolypeutes tricinctus) – uma espécie-símbolo do semiárido brasileiro, mas cujo último registro no estado acontecera em 2008.

Portela parou e desligou o carro, tirou as botas, desceu do veículo descalço e começou a filmar com o celular. Por estar contra o vento, conseguiu se aproximar do animal sem ser notado.

“Deu para perceber ele caminhando, farejando, comendo alguns insetos na estrada e no campinho. Ele cavou algumas tocas lá dentro, muito provavelmente para buscar alimento dentro da terra”, recorda. Portela sabia da importância daquele raro encontro.

Coordenador técnico da Associação Caatinga, instituição proprietária e administradora da Reserva Natural Serra das Almas, ele organizou duas expedições para o Cânion do Rio Poti, na divisa do Ceará com o Piauí, para investigar a área de ocorrência do tatu-bola-da-caatinga, em 2016 e 2017.

Na ocasião, os pesquisadores encontraram indivíduos no leste piauiense, porém, no oeste cearense, nem os relatos de moradores locais davam conta da presença da espécie nos últimos anos.

Os esforços de conservação da Serra das Almas e seu entorno contribuíram para o reaparecimento dessa espécie de tatu no estado, avalia o biólogo Hugo Fernandes, coordenador do Livro Vermelho de Espécies Ameaçadas da Fauna do Ceará, da Secretaria Estadual de Meio Ambiente e Sustentabilidade.

O tatu-bola-da-caatinga, considerado “em perigo” pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), encontra-se em uma situação ainda mais delicada no Ceará, sob o status de “criticamente ameaçado”.

O desaparecimento do tatu-bola-da-caatinga no território cearense é provavelmente um processo secular, mas passou a ser documentado com dados na década de 1980, sobretudo em virtude da caça e perda de habitat – os sedimentos arenosos – para atividades como a mineração, observa Fernandes, que soube do relato de Portela no final de abril.

“Considerando que não houve eventos de soltura nesta divisa com o Piauí, essa filmagem de um animal nativo dali representa o registro mais recente dentro do território cearense, e a possibilidade de ter a RPPN Serra das Almas como um local-chave para a preservação do tatu-bola no estado.” disse o biólogo Hugo Fernandes.

*Com informações de Uol