Corolla Cross foi o híbrido mais vendido no ano passado no Brasil (Foto: Divulgação)

Pesquisa da KPMG revelou que 89,7% dos brasileiros querem carros elétricos como opção de compra. Mas o sonho de consumo se torna distante pelo preço elevado, pela falta de infraestrutura e pelo desinteresse das principais montadoras.

Com exceção das empresas chinesas, as principais montadoras não apostam em carros 100% elétricos. Marcas estabelecidas miram híbridos e etanol como alternativa para diminuir a emissão de gás carbono.

O Brasil não está sozinho neste recuo. Outros dois grandes mercados para carros elétricos também pisaram no freio: Índia e Japão. A informação faz parte do estudo “A Jornada para o Futuro Já Começou na Indústria Automotiva”, divulgado no ano passado pela KPMG.

Outra consultoria reduziu a participação de elétricos no mercado nacional para o final da década. A Jato Dynamics trabalha agora com uma previsão de cerca de 12% dessa área para 2030, enquanto a expectativa inicial era de 17,5%.

Preço joga contra

O primeiro problema é o preço. A faixa mais vendida no país está entre R$ 85 mil e R$ 110 mil. O valor de quase todos os veículos elétricos está acima deste intervalo, ressalta o diretor de Desenvolvimento de Negócios da Jato no Brasil, Milad Kalume Neto. O único carro compatível é o Kwid E-Tech, que sai por R$ 99.990.

Outros fatores complicam. O especialista ressalta que, além do preço, fatores como rede de concessionárias, acesso a peças, reputação do veículo e depreciação são avaliados pelos clientes na hora da compra.

Ele acrescenta ainda que há uma falta de infraestrutura para a recarga. Cidades com menos de 1,5 milhão de habitantes não possuem locais para carregar as baterias. Existem 4.000 pontos de recarga no Brasil e metade fica no estado de São Paulo. “Essa é a grande falha que o mercado brasileiro tem”, diz Milad Kalume Neto, diretor da Jato Dynamics.

Outro problema é que a nova legislação fiscal tem tendência de privilegiar o etanol em detrimento dos 100% elétricos. Chamado de IPI Verde, o imposto sobre carros flex híbridos seria menor do que nos carros elétricos. A regulamentação deve ser publicada nesta semana e o conteúdo foi antecipado pela Folha S.Paulo.

A situação beneficia a Toyota, única a ter esta tecnologia. Outras montadoras aguardam a divulgação do IPI Verde para definir investimentos no Brasil.

Montadoras tradicionais escanteiam elétricos

Com tantos entraves, montadoras tradicionais no mercado nacional apostam em outras soluções. A opção para a transição energética passa por híbrido flex e álcool.

A exceção são as fábricas chinesas. A BYD vai investir R$ 3 bilhões numa planta na Bahia. A expectativa é estar no top 3 de vendas ao final da década, disse Alexandre Baldy, conselheiro especial da montadora no Brasil.

Antes de gastar bilhões para produzir carros 100% elétricos no país, os concorrentes dos chineses vão monitorar o mercado. Enquanto isto, focarão em tecnologias intermediárias que combinam propulsão a bateria e motor a combustão. “Para este momento, a tecnologia que entendemos mais adequada é o carro híbrido flex”, Roberto Braun, diretor de Comunicação da Toyota.

Números de carros elétricos no Brasil em 2023

1,04% de participação no mercado para carros 100% elétricos;

4,4% de híbridos, ou seja, veículos movidos a bateria e motor a combustão;

93.927 unidades vendidas de carros eletrificados (abrange elétricos e híbridos);

2.308.140 emplacamentos registrados

Prioridade a híbridos e etanol

A General Motors não se comprometeu a fabricar um carro elétrico no Brasil. Apesar disso, anunciou, no mês passado, R$ 7 bilhões de investimentos no país. O presidente da GM América do Sul, Santiago Chamorro, disse que não “falaria nem sim, nem não” sobre um carro elétrico produzido no país. Ele reconheceu a curiosidade do consumidor brasileiro e a existência de matérias-primas, mas não foi taxativo sobre o tema.

A Toyota vai apostar em híbridos flex. O diretor de Comunicação, Roberto Braun, ainda faz uma defesa do etanol. Ele diz que o combustível tem emissão zero, porque a cana que vira combustível retirou CO2 da atmosfera durante seu cultivo. Braun ressalta a pesquisa feita em parceria com a USP que busca produzir hidrogênio a partir do etanol. O estudo tem verba de R$ 50 bilhões e é considerado um experimento.

“Nesse momento, o estudo da USP é um teste. Hoje o Brasil não tem infraestrutura para hidrogênio”, explica Roberto Braun, diretor de Comunicações da Toyota.

A Stellantis não tem projeção de quando o preço dos carros híbridos vai caber no orçamento dos clientes. Líder de mercado, ela é responsável pelas marcas Fiat, Jeep e Citroën.

Diante da indefinição, a empresa se preparou para dois cenários. Existe uma programação para um eventual aumento de vendas e outra para estagnação. Mas o momento é de espera. “Estamos preparados para o cenário mais conservador e o mais otimista. Tem projeto para híbrido e elétrico. O etanol faz parte do mix”, avalia João Irineu, executivo da Stellantis.

As montadoras pisam no freio em meio ao surgimento de questionamentos referentes aos carros elétricos. Presente em 145 países, a locadora Hertz anunciou no mês passado a venda de um terço de sua frota de elétricos.

Os 20 mil veículos serão substituídos por modelos com motor a combustão. Os gastos com manutenção foram um dos motivos para a decisão. “Os reparos de colisões e danos em um EV (elétrico) podem muitas vezes custar cerca de duas vezes mais do que os associados a um veículo com motor de combustão”, revela Stephen Scherr, CEO da Hertz.

Chineses têm fé nos elétricos

O carro elétrico é tendência mundial. Esta é a mentalidade de Alexandre Baldy, conselheiro especial da montadora no Brasil. O executivo ressalta que 48% das vendas na China são de modelos elétricos. Nos Estados Unidos, há subsídio para veículos elétricos. Na avaliação de Baldy, as concorrentes não investiram em tecnologia e ficaram para trás. Ele projeta a BYD entre as três montadoras que mais vendem carro no Brasil daqui a cinco anos.

O lançamento de um carro elétrico mais barato é a aposta para alavancar os negócios. O modelo será posicionado dentro da faixa de preço entre R$ 85 mil e R$ 110 mil, onde estão a maioria das compras.

O conselheiro da BYD diz que pontos de recarga terão melhorias em até 36 meses. Ele declarou que os grandes centros perceberão as primeiras mudanças e depois o movimento se espalhará para o interior. Baldy acrescenta que a rede de concessionárias está em expansão nas capitais. O movimento seguinte é estar presente no interior. Mas o executivo reconhece que será preciso uma mudança de cultura do motorista. A ida ao posto será substituída pela recarga elétrica. O conselheiro da BYD usa o exemplo de abastecer carros a álcool para afirmar que comportamentos mudam.

“No Brasil, o carro elétrico já pegou”, avalia Alexandre Baldy, conselheiro especial da BYD.

Com informações do Uol