Carta em defesa da democracia foi lida hoje (11) na USP (Foto: Tomzé Fonseca / Futura Press / Estadão Conteúdo)

Acadêmicos e representantes da sociedade civil marcaram hoje (11), forte posição democrática na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) ao participarem da leitura do manifesto “Em Defesa da Democracia e da Justiça”. A carta é uma reação aos seguidos ataques do presidente Jair Bolsonaro contra o processo eleitoral brasileiro.

O documento afirma que “a estabilidade democrática, o respeito ao Estado de Direito e o desenvolvimento são condições indispensáveis para o Brasil superar os seus principais desafios”.

“Esse ato só existe porque as liberdades estão ameaçadas, e isso é inaceitável. Um governo que atenta contra as liberdades todo dia precisa ter uma resposta à altura, dizer que nós jamais vamos abrir mão do que conquistamos com a redemocratização”, destaca o professor e candidato ao governo de São Paulo pelo PT, Fernando Haddad, em entrevista ao Terra.

Na mesa de abertura do ato solene estiveram Carlos Gilberto Carlotti Jr., reitor da USP; Celso Campilongo, diretor da Faculdade de Direito da USP; Ana Elisa Bechara. professora associada da Faculdade de Direito da USP; e Maria Arruda, diretora da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP. Armínio Fraga, ex-presidente do Banco Central, também participa do evento.

O diretor da Faculdade de Direito, Celso Campilongo, avalia que o ato desta quinta, que ele estima ter reunido 18 mil pessoas (três mil dentro da USP e 15 mil do lado de fora), serviu para que as pessoas pudessem soltar o gripo de “basta” que estava entalado.

“Precisamos desarmar a sociedade brasileira desse estilo odioso, repugnante, de achar que os brasileiros são inimigos ou que existem os do bem e os do mal. Não, numa democracia, todo mundo tem que conviver. Só não há espaço pra aqueles que não querem a democracia”, afirma.

Para o desembargador Alfredo Attié Jr., presidente da Academia Paulista de Direito e titular da Cadeira San Tiago Dantas, o regime que Bolsonaro representa é anticonstitucional desde o início, em 2018. O pesquisador e doutor em Filosofia pela USP cita a resistência do presidente em cumprir a Constituição, fazer as políticas públicas exigidas pela Carta Magna do país, além de cumprir deveres e respeitar os direitos.

“Ele ofende a população brasileira constantemente, sobetudo aqueles que são minorias – mulheres, LGBTs, negros, indígenas, as periferias. Isso já é uma ameaça grave ao nosso sistema democrático, sobretudo essa campanha aberta que ele tem feito, inclusive, com a convocação de embaixadores para dizer coisas que são mentirosas. É extremamente grave”, acrescentou.

O jurista se refere à reunião convocada pelo presidente com diplomatas de outros países para desqualificar, sem apresentar provas, o sistema eleitoral brasileiro. Na avaliação de Campilongo, esse movimento de Bolsonaro foi “vexatório”.

“Aquilo foi uma coisa de indignidade completa para com seu próprio país. É o chefe de Estado falando mal de seu país para embaixadores estrangeiros”, analisa.

Depois da reunião, intelectuais e membros da Justiça se reuniram para assinar uma carta em defesa do sistema eleitoral. O movimento, que começou com 3 mil assinaturas, já reúne quase 1 milhão de signatários.

Presidenciáveis e candidatos às eleições de outubro assinaram a carta, exceto o presidente Jair Bolsonaro. O chefe do Executivo, inclusive, já debochou da iniciativa quando foi convidado a se tornar signatário do documento.

“Essa recusa é muito séria, porque a carta não traz nada de político-partidário. A carta é um respeito ao que a Constituição diz, e o presidente, quando assume, promete cumprir a Constituição. Ele ter recusado é uma coisa muito grave. A gente espera que as eleições apontem um caminho novo para o Brasil, sobretudo que o povo acorde, no sentido de que a democracia não depende de quem está no poder; depende de serem cumpridas as leis”, reforça Attié Jr.

Manifesto de 107 entidades
Antes da leitura da carta pela democracia, foi lido no Salão Nobre da USP um manifesto subscrito por 107 entidades, no qual é pedido um processo eleitoral livre, tranquilo, sem fake news ou intimidações. O reitor da universidade, Carlos Carlotti Jr., lembrou o que a comunidade sofreu no passado, durante o Regime Militar.

“Nós da USP perdemos vidas preciosas durante o período de exceção. As cicatrizes ainda são visíveis, vidas que foram ceifadas pela repressão ao livre pensamento. Perdemos 47 pessoas que eram parte de nossa comunidade. Não esquecemos e não esqueceremos”, leu o professor.

O economista Armínio Fraga defendeu a preservação da democracia em prol da prosperidade econômica do país. O ex-presidente do Banco Central participa, nesta quinta-feira, do ato de leitura da carta pela democracia, assinada por cerca de 900 mil pessoas, após os ataques do presidente Jair Bolsonaro ao sistema eleitoral.

“Às vezes nos esquecemos, e falo como economista, que as sociedades mais prósperas do planeta, aquelas onde reina a liberdade, a solidariedade, a prosperidade, são todas democracias”, defendeu.

O manifesto recebeu o endosso de entidades como a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), ainda que apoiada apenas por 18 de seus mais de 100 filiados, a Ordem dos Advogados do Brasil de São Paulo, e a Anistia Internacional, entre outros.

“Este não é um manifesto partidário, mas é um momento solene, no qual as principais entidades da sociedade civil brasileira vêm celebrar o seu compromisso maior com a democracia e com o Estado de Direito, mas sobretudo, com a soberania popular, porque é esta que está sendo questionada de maneira vil neste momento”, disse o advogado Oscar Vilhena Vieira, membro da Comissão Arns.

*Com Reuters