Parque eólico da AES em Lajes, no Rio Grande do Norte, onde toda a manutenção é feita, somente, por mulheres - Foto: Alexandre Lago / Folhapress

Foi durante a pandemia, em 2020, que o censo interno da companhia de energia AES chamou atenção da liderança da companhia. À época, quase todos os funcionários que trabalhavam na operação da empresa eram homens.

Antes de o resultado chegar, a realidade já era aparente ao percorrer os corredores das usinas, segundo o diretor de Recursos Humanos da empresa, Rodrigo Porto. “Mas esse censo estampou na nossa cara um número que me dói até hoje. Na nossa operação, a gente tinha 98% de homens e 2% de mulheres”, diz.

Na tentativa de diversificar um ambiente predominantemente masculino, a AES decidiu que dois novos parques eólicos no Nordeste seriam operados somente por mulheres. O projeto saiu do papel nos últimos anos e hoje emprega 20 funcionárias em Tucano (BA) e Lajes (RN).

A tarefa não foi fácil, segundo Porto. Ele afirma que, em um primeiro momento, houve dificuldades de aceitação.

“Nesses parques, a gente fecha uma joint venture com um grande cliente. Um deles ficou abismado: ‘Mas como assim operar só com mulheres? Isso é preconceito’, dizia. Bom, esse mesmo parceiro esteve com a gente no dia da inauguração do parque fazendo um megadiscurso no qual o protagonista foi o fato de a usina estar sendo operada 100% por mulheres”, conta.

A AES opera por meio do chamado PPA (Power Purchase Agreement), também conhecido como contrato de compra de energia. Os clientes nos dois parques incluem nomes como Microsoft, BRF, Unipar e a mineradora Anglo American.

Houve outros obstáculos, como a dificuldade para encontrar equipamentos de proteção do tamanho das trabalhadoras. “Até então quase não existia uma bota número 36, por exemplo. A gente teve que fazer uma movimentação muito grande também na cadeia de valores”, diz Porto.

Para fazer as contratações, a AES fechou parceria com o Senai, que ofereceu capacitação para atuar em usinas eólicas a mulheres que já estavam passando por formação de nível técnico em cursos como eletrotécnica. Atualmente, 11 funcionárias estão efetivadas na operação da usina da empresa em Tucano.

Já no complexo eólico Cajuína, em Lajes, que começou a operar no segundo semestre do ano passado, são nove trabalhadoras. Parte do parque ainda está em construção, e a AES projeta a contratação de mais funcionárias até o fim de 2025.

As trabalhadoras são responsáveis pela manutenção e operação dos geradores e outros equipamentos do parque. Os únicos homens presentes na usina, de acordo com a empresa, são de serviços terceirizados, como portaria e segurança.

Para a paulista Juliana Oliveira, 35, que hoje mora na Bahia e é coordenadora na usina da AES em Tucano, o perfil feminino no trabalho contrasta com suas experiências anteriores no mercado.

A engenheira de produção também afirma que, na graduação, dos 30 alunos da sua turma que concluíram o curso, em 2013, apenas 5 eram mulheres.

“O mercado [no geral] é muito masculinizado, mas a área de engenharia é muito mais. Hoje eu vejo com mais tranquilidade lidar com mulheres, porque elas não se enxergam com rivalidade. Lidar com homens já seria um pouco mais complicado, ainda tem machismo”, diz.

Apesar dos esforços, o equilíbrio de gênero no quadro de operadores da AES ainda parece uma meta distante. Segundo a companhia, no fim do ano passado cerca de 86% dos contratados para operar nas usinas eram homens —fatia menor do que os 98% observados em 2020, mas ainda em patamar elevado.

Parque eólico Cajuína, no Rio Grande do Norte, que é operado só por mulheres – Foto: Alexandre Lago / Folhapress

“É um passo inicial. Estamos aqui correndo para que a gente recupere o tempo perdido e amanhã tenha uma empresa muito mais equilibrada no aspecto de gênero”, afirma Porto.

Entre especialistas que atuam no mercado de energia, há um consenso: o segmento ainda é marcado por uma forte presença masculina.

Segundo Fabíola Correia, pesquisadora do Senai-RN, esse cenário faz parte de um contexto histórico no qual as ciências e a engenharia de petróleo, particularmente, são dominadas por homens.

Correia foi uma das profissionais que ministraram o microcurso “Power-2-You: mulheres no mercado de hidrogênio verde”, promovido pela Câmara de Comércio e Indústria Brasil-Alemanha no ano passado.

A iniciativa era voltada ao público feminino e abordava temas como as tecnologias para a produção de hidrogênio e exemplos do mercado.

No projeto H2Brasil, da GIZ (agência alemã de cooperação internacional) e do MME (Ministério de Minas e Energia), uma fatia de 25% das vagas foi ocupada por mulheres na capacitação dos chamados multiplicadores —a meta inicial era de 20%. O projeto difunde conteúdos sobre hidrogênio verde entre professores e pesquisadores de instituições de educação federais e da rede do Senai.

“A capacitação começou em 2022 e objetivo era finalizar no ano passado. Conseguimos fazer o treinamento de 1.200 pessoas [homens e mulheres]. Você está falando de 25% nesse universo. Se a meta é de equidade, a gente queria chegar em 50%, mas, hoje, chegar a 25% já é uma vitória e é um passo a mais nesse caminho. A área de energia é muito difícil mesmo”, diz Marcelo Ramos, da GIZ.

A engenheira de energia Icoana Martins, 32, também vem tentando atrair mulheres para o setor de hidrogênio verde. Junto com colegas, ela criou o projeto H2Todos, um curso que pode ser feito por qualquer pessoa interessada em ingressar ou conhecer mais o segmento, mas há incentivo para participantes mulheres.

Segundo Martins, neste ano, bolsas serão sorteadas entre as interessadas. Hoje o curso, que é online, custa R$ 900. A liderança da iniciativa afirma que estuda, agora, incentivos para o público LGBTQIA+.

*Com informações de Folha de São Paulo