Margot Robbie como Barbie no filme (Foto: Warner Bros.)

Já estamos na segunda metade de maio, momento no qual Hollywood desfila os seus grandes lançamentos de verão (no hemisfério norte). Ou ao menos era para estar ocorrendo isso. Em 2024, o mercado cinematográfico voltou a patinar e devemos ter mais um ano de queda nas bilheterias mundiais. Pior: com menos filmes de destaque, em termos comerciais.

De acordo com a consultoria Gower Street Analytics, em dados divulgados durante a Cinemacon, a expectativa é que o cinema mundial movimente US$ 32,3 bilhões (R$ 165,7 bilhões) em 2024, uma queda de US$ 1 bilhão (R$ 5,15 bilhões) em relação a 2023. Uma diminuição de 3% parece pouco, mas é um golpe doloroso para uma indústria que tenta ainda retornar aos níveis pré-pandêmicos. Para comparação, esse mercado movimentou US$ 42,5 bilhões (R$ 218 bilhões, no câmbio atual) em 2019, segundo a Comscore.

O primeiro motivo para isso é a greve. Juntando as duas disputas trabalhistas (envolvendo atores e roteiristas), Hollywood parou entre maio e novembro. Ainda que o imbróglio já esteja resolvido, isso fez com que diversas produções tivessem suas estreias adiadas (já que os protagonistas não poderiam fazer a promoção dos projetos), enquanto filmagens foram postergadas.

Um exemplo claro é a Marvel Studios. Desde o “Homem de Ferro”, em 2008, a Casa das Ideias abre a temporada de blockbusters com um grande lançamento. Desta vez o plano era ter “Capitão América: Admirável Mundo Novo”, mas o longa foi transferido para 2025. Depois, tentaram contar com “Deadpool & Wolverine”, que acabou adiado para julho.

É por isso que a distinção de abrir o verão dos norte-americanos caiu no colo de “O Dublê”, originalmente previsto para março. Ainda que seja dirigido por David Leitch (de “Trem-Bala” e, veja só, “Deadpool 2”) e estrelado por Ryan Gosling (em alta pelo sucesso de “Barbie”), o título teve uma arrecadação mais baixa do que a originalmente prevista e bem inferior ao que os longas da Marvel faziam no passado.

Mesmo produções menores, mas com potencial para boas bilheterias, estão sofrendo. “Rivais”, estrelado por Zendaya e com ótima aceitação da crítica, foi lançado em abril (após adiamentos por conta da greve) e angariou US$ 69 milhões (R$ 355,3 milhões) até aqui, de acordo com o Box Office Mojo. É muito pouco para um investimento de US$ 55 milhões (R$ 282,2 milhões). “Guerra Civil”, da queridinha A24 e com Wagner Moura como um dos protagonistas, fez até agora US$ 108 milhões (R$ 556,2 milhões) para um orçamento de US$ 50 milhões (R$ 257,5 milhões). Não é um resultado ruim, foi a melhor estreia na história do estúdio, mas ficou aquém das projeções iniciais. No geral, apenas três arrasa-quarteirões fizeram o seu trabalho em 2024: “Duna: Parte 2” (a maior arrecadação até aqui), “Godzilla e Kong: O Novo Império” (melhor bilheteria na história em um filme estrelado pelo monstro japonês) e “Kung Fu Panda 4”.

Nem tudo está perdido. Há esperanças para os executivos preocupados com o dinheiro e donos de salas de cinemas tentando sobreviver. “Planeta dos Macacos: O Reinado”, que estreou no último fim de semana e teve um bom resultado. Em parte, graças ao fato de conseguir destaque nas chamadas salas “premium” (mais caras) e por ser integrante de uma franquia já estabelecida.

Mais para frente ainda temos “Furiosa”, derivado da saga “Mad Max” que conquistou boas reações da crítica; “Bad Boys: Até o Fim”, “Divertida Mente 2”, “Meu Malvado Favorito 4” e, já em julho, “Deadpool & Wolverine” e a continuação de “Twister”. Algumas novidades correm por fora, como “Como Vender a Lua”, que leva o selo da Apple e tem Scarlett Johansson no elenco. Ainda assim, parece pouco para um ano que veio logo em seguida do fenômeno “Barbenheimer” e de “Super Mario Bros. O Filme”.

O público e os cinemas

A discussão vai além da qualidade e do volume da oferta. Tem relação também com o público.

De entretenimento barato e acessível em sua Era de Ouro, o cinema se transformou em um programa caro e elitista. Em grandes centros, como São Paulo, ingressos custam mais de R$ 30 na inteira, em exibições comuns. Em alguns casos, chegam a R$ 99 nos espaços VIP ou IMAX. Há também a questão da capilaridade, com muitas salas em bairros nobres, mas distantes de quem mora na periferia ou em cidades do interior.

A elitização atinge os custos relacionados ao passeio. Para uma família, envolve também o estacionamento, o transporte, a pipoca e até aquele combo com um copo especial – esses dois últimos inflacionados pela necessidade dos exibidores em aumentar a arrecadação. Tem pais e mães que vetam o entretenimento simplesmente porque não poderão atender a todos os desejos do filho, e é melhor ficar em casa do que fazê-lo passar vontade ou pela frustração de dizer “não” em público.

Além disso, a pandemia acelerou a adoção do entretenimento em casa, fortalecido pelas plataformas de streaming – que, até pouco tempo atrás, cobravam valores mensais menores que o tíquete de um único filme.

Dilema Tostines

Somando todos os pontos, cria-se um cenário no qual os espectadores apostam menos em histórias novas e inéditas (como o já mencionado “O Dublê”), preferindo gastar tempo em dinheiro em franquias já estabelecidas. Ao mesmo tempo, os grandes grupos de mídia sofrem com o novo momento do consumo de entretenimento, e acabam apostando mais em títulos reconhecidos. A profusão excessiva dos mesmos conteúdos dá a impressão de ausência de inovação, levando o público a frequentar menos os cinemas, mesmo quando há opções diferentes em exibição.

É quase como um “Efeito Tostines” reverso: vende menos porque não é fresquinho, não é fresquinho porque vende menos.

Isso atrapalha na “eventização” dos filmes. Afinal, para justificar tamanho investimento, o espectador tem que sentir que aquele longa-metragem preenche os requisitos de um entretenimento único. Para colocar o último prego no caixão, fica difícil criar grandes fenômenos culturais em tempos de internet e atenção pulverizada.

Uma coisa é certa: se a repercussão conjunta de “Barbie” e “Oppenheimer” era uma oportunidade única de restabelecer o fascínio das pessoas com a projeção e tela grande, isso automaticamente foi jogado fora pelos efeitos da greve, ainda que a paralisação tenha sido justa. E 2024 não parece ter, em seu calendário, uma fagulha que possa reacender essa chama.

Com informações da Splash / Uol