Filhotes de tartarugas no Vale do Guaporé (RO), têm tempo de incubação reduzido pelo calor, o que resultou em animais menores (Foto: Antonio Lucas)

Em meio aos impactos sociais e ambientais, as tartarugas também foram vítimas da seca histórica que assolou a Amazônia no ano que termina hoje. No final de dezembro, técnicos do Ibama do Programa Quelônios da Amazônia observaram uma drástica redução no número de nascimentos de espécies como tartaruga-da-amazônia e tracajás no Vale do Guaporé (RO), um dos maiores berçários de quelônios do mundo. Enquanto no ano passado a temporada de desova resultou em 1,43 milhão de filhotes, dessa vez, foram apenas 349 mil, uma queda de 75%.

Segundo os especialistas, a explicação é um efeito da seca extrema e das queimadas intensas de 2024. Atordoadas pelo calor e pela fumaça, as tartarugas demoraram mais para chegar às praias do Berçário de Guaporé, região que esteve coberta pelos resíduos de fogo especialmente entre agosto e outubro. Não só as condições de deslocamento se tornaram mais difíceis como a distância até a água aumentou com o nível baixo dos rios e bancos de areia maiores.

Em 2024, a chamada “temporada de eclosão” aconteceu de 20 a 30 dias mais tarde do que em 2023. Muitos filhotes nasceram quando as chuvas voltaram e o nível dos rios aumentou. O resultado foi uma alta mortalidade por afogamento nos ninhos.

Força-tarefa

Técnicos do Ibama e do Grupo Energisa, além de quilombolas e ribeirinhos da Associação Quilombola e Ecológica do Vale do Guaporé (Ecovale), estiveram reunidos em uma força-tarefa no Vale do Guaporé para evitar os afogamentos. Juntos, resgataram dos ninhos o maior número possível de filhotes de tartarugas-da-amazônia, para em seguida organizar uma soltura segura.

“Nós buscamos identificar os ninhos o mais rápido possível e cavamos para retirar quantos filhotes conseguirmos. Com a elevação da água de maneira muito rápida, ela começa a matar as tartarugas por baixo, inundando os ninhos não apenas por cima, mas também por baixo. É uma corrida contra o tempo para que os recém-nascidos consigam chegar até as águas do rio Guaporé, onde enfrentarão novos desafios”, explica Deyvid Muller, biólogo da Ecovale.

Antes disso, as tartarugas ficaram mais expostas aos predadores naturais, como urubus, jacarés e aves, pois precisavam andar mais tempo pelos bancos de areia.

“A fumaça desorientou as tartarugas, pela falta de visibilidade ou pela dificuldade em avistar predadores naturais. Elas demoraram a chegar nas praias para desovar, gerando um atraso que provocou um efeito cascata no ciclo de reprodução”, explica José Carratte, biólogo que acompanha o projeto e é supervisor de Meio Ambiente do Grupo Energisa, que apoia o Projeto Quelônios do Guaporé.

Os biólogos já esperavam uma quantidade menor de nascimentos. Mas os 349 mil filhotes foram um resultado pior do que o previsto no período de desova, que durou cerca de 15 dias. Com o calor, o tempo de incubação também foi reduzido, o que resultou em animais menores.

Além dos predadores naturais e das dificuldades climáticas, as tartarugas enfrentam outras ameaças. O primeiro é o próprio homem. As tartarugas nessa região costumam ser alvo de caça para consumo em um mercado em que o animal é vendido por valores entre R$ 300 e R$ 800. E nos últimos anos, os pirarucus — espécie que não é nativa do Rio Guaporé — passaram a frequentar o rio e seus afluentes, em outro sinal de desequilíbrio ambiental, se transformando em mais um predador.

As tartarugas do Guaporé habitam e transitam pela bacia, mas não existem dados de monitoramento precisos. O próximo passo do programa é justamente tentar agora monitorar algumas fêmeas adultas, para entender melhor seus percursos na fase adulta, além de acompanhar questões meteorológicas.

Maior berçário do país

Com um raio de 30 quilômetros, o Vale do Rio Guaporé, na fronteira com a Bolívia, é o maior berçário de quelônios do Brasil. O nascedouro é formado por sete praias, cinco no lado brasileiro e duas no lado boliviano. Nas praias brasileiras, em apenas uma houve registro de nascimento de tartarugas neste ano, segundo o Ibama.

Criado em 1979, o Projeto Quelônios da Amazônia (PQA) manejou cerca de 100 milhões de filhotes de quelônios. O Brasil é o único país da América do Sul a possuir estoques significativos de quelônios passíveis de recuperação e viáveis para programas de uso sustentável.

O problema não foi exclusividade do berçário de Rondônia. Em outras áreas que fazem parte do Programa Quelônios da Amazônia, como no Pará, Tocantins, Mato Grosso e Goiânia, houve perdas semelhantes. O Ibama informou que faz ações de manejo e monitoramento contínuos para mitigar os impactos das mudanças climáticas.

Com informações de Um Só Planeta / Globo.com