Guerras, revoluções e outros movimentos políticos e econômicos alteraram significativamente a geografia nos últimos 30 anos.
Mas como se o fato de nações inteiras desaparecerem dos mapas e outras ressurgirem ou nascerem não fosse suficiente, uma expedição agora ameaça tornar obsoletos os livros escolares em todo o mundo, pois tenta provar que o Amazonas é o rio mais longo do planeta.
Em abril de 2024, um grupo liderado pelo documentarista e explorador brasileiro Yuri Sanada partirá para os recantos mais remotos dos Andes peruanos com o propósito de mapear e medir todo o curso do rio, a fim de comprovar que é este, e não o Nilo, como afirmam a maioria dos textos, o mais extenso do globo.
De acordo com a Enciclopédia Britânica, o Serviço Geológico dos Estados Unidos e o Livro dos Recordes do Guinness, o Nilo tem uma extensão de 6.650 quilômetros, enquanto o Amazonas se aproxima com 6.400.
No entanto, uma série de pesquisas e estudos realizados nos últimos quinze anos por instituições como o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), assim como por alguns exploradores norte-americanos, têm colocado em dúvida esses dados.
Uma tarefa que poucos aceitaram
“Vamos a provar que o Amazonas nasce no rio Mantaro, no Peru”, declarou à BBC Mundo Sanada, líder da expedição batizada de “Amazonas, do gelo ao mar”.
Tradicionalmente, os rios Apurímac e Marañón, também no Peru, têm sido considerados os afluentes mais distantes do Amazonas. No entanto, uma pesquisa publicada em 2014 pelo explorador norte-americano James Contos confirmou que o Mantaro também é um tributário.
Localizado no centro do país andino, a cerca de 4.000 metros acima do nível do mar, o Mantaro poderia acrescentar ao gigante sul-americano dezenas de quilômetros em comprimento, chegando a 6.800 quilômetros, o que tiraria o primeiro lugar no ranking de seu rival africano.
“Embora já tenha sido comprovado que o Mantaro está conectado ao Amazonas, até agora ninguém fez uma medição completa em campo desde os Andes até o oceano deste rio”, afirmou Sanada, que esteve em muitas partes do Amazonas, mas nunca o percorreu integralmente.
“A cúpula do monte Everest foi alcançada por cerca de 4.500 pessoas, e 1.500 cruzaram o Atlântico a remo, mas apenas cerca de dez pessoas fizeram a jornada desde a nascente do rio até a sua foz”, acrescentou para justificar a expedição, que estima ter uma duração de cerca de seis meses.
Muitos dos estudos mais recentes sobre o comprimento do Amazonas têm se baseado em imagens de satélite e em percursos parciais de seu curso.
O problema de encontrar o ponto 0
Sanada explicou que a missão começará nas montanhas peruanas, onde um grupo liderado por ele percorrerá o rio Mantaro em canoas, enquanto outro grupo percorrerá o rio Apurímac a cavalo. Ambas as equipes se encontrarão mais tarde no rio Ene, também no Peru, e dali seguirão de barco até o Amazonas.
Especialistas consultados pela BBC Mundo admitiram que nos últimos anos têm surgido dúvidas mais do que razoáveis sobre qual é o rio mais longo do planeta.
“A polêmica sobre qual é o primeiro afluente do Amazonas nos Andes peruanos e qual é o primeiro afluente do Nilo na África existe há algum tempo, e acredito que esse debate sempre persistirá”, afirmou Antonio De Lisio, geógrafo da Universidade Central da Venezuela (UCV) e professor do Centro de Estudos do Desenvolvimento dessa instituição acadêmica.
Por sua vez, o geógrafo britânico Jeremy Anbleyth-Evans declarou que “o consenso internacional entre os especialistas e a literatura científica é que o Nilo é o mais longo, embora haja certamente dúvidas e um debate sobre isso”.
“O problema está em localizar a nascente”, explicou De Lisio.
O critério para definir a origem de um rio não é uniforme.
“A principal discussão sobre qual dos dois rios é mais longo se baseia no debate sobre se o curso de um rio deve ser medido ao longo dos afluentes mais volumosos ou daqueles que são efetivamente mais extensos”, explicou David Haro Monteagudo, professor de Hidrologia e Gestão de Recursos Hídricos da Universidade de Aberdeen, na Escócia.
“Há alguma discussão sobre se afluentes com represas são válidos ou não, embora eu ache que isso não faça muito sentido, já que o Nilo tem a represa de Assuã bem no meio”, acrescentou o professor.
Por sua vez, De Lisio assegurou que o fato de um afluente não contribuir com água permanentemente não impede que seja considerado uma das nascentes.
“O fato de um rio ser sazonal não implica que não seja afluente”, acrescentou.
No entanto, Haro também enfatizou que a origem não é a única questão controversa.
“No caso do Amazonas, por exemplo, sua foz é tão ampla e repleta de ilhas que também é difícil determinar onde ela termina antes de se transformar no oceano Atlântico”, observou.
Mais do que provar uma teoria
No entanto, a expedição não apenas buscará medir o Amazonas, com o propósito de determinar seu comprimento real, mas também perseguirá outros objetivos.
“Essa disputa entre o Nilo e o Amazonas é interessante, mas o mais importante é o legado que vamos deixar para a população da Amazônia, não apenas do Brasil, mas também da Colômbia e do Peru”, disse Sanada.
“Iremos documentar com câmeras profissionais a biodiversidade da área e os danos que vêm sofrendo por causa do homem, devido a mineiros ilegais, traficantes de drogas e crime organizado que se instalaram lá… A ideia é fazer um documentário IMAX”, afirmou Sanada.
Uma missão que o explorador admitiu ser arriscada e, por isso, eles estão em conversações com líderes indígenas para garantir proteção durante sua jornada.
“Não me preocupam as serpentes ou os jaguares, mas sim os seres humanos que estão lá”, destacou.
Organizações criminosas transformaram a Amazônia em uma área muito mais perigosa do que naturalmente já era. Entre 2016 e 2021, 58 líderes e moradores indígenas foram assassinados na região selvática compartilhada pelo Brasil, Colômbia, Equador e Peru, conforme revelado por uma investigação realizada por 11 organizações ambientalistas.
Até o momento de 2023, quatro defensores dos povos indígenas foram assassinados somente no Brasil, de acordo com um relatório da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH).
Além disso, não podemos esquecer que no ano passado o mundo ficou chocado com as notícias dos assassinatos do trabalhador da Fundação Nacional do Índio (Funai), Bruno Pereira, e do jornalista britânico Dom Phillips, que estavam produzindo um documentário sobre as ameaças que as comunidades amazônicas brasileiras enfrentam de fazendeiros e organizações criminosas.
Um terceiro objetivo da expedição será testar barcos elétricos totalmente desenvolvidos no Brasil, que não só têm um custo muito mais baixo do que os fabricados na Alemanha, mas também são mais resistentes e fáceis de reparar do que os chineses.
“Um motor elétrico custa cerca de US$ 5.000, mas nosso motor custará 500 dólares”, afirmou o explorador brasileiro.
Durante a expedição, serão utilizados três protótipos cuja construção está sendo finalizada pela Faculdade de Tecnologia de São Paulo.
Uma controvérsia que está longe de ser resolvida
Embora no Brasil se considere comprovado que o Amazonas é o rio mais longo, e mesmo sendo essa informação ensinada às crianças nas escolas, se a expedição confirmar essa afirmação, isso não necessariamente encerrará o debate em âmbito internacional. Isso foi ressaltado pelos especialistas consultados pela BBC Mundo.