Três mulheres que trabalham como profissionais do sexo tiveram suas carteiras assinadas e sua atividade reconhecida como tal pelo empregador em Itapira (SP). É a primeira vez que uma fiscalização consegue efetivar o vínculo empregatício de pessoas que atuam com prostituição, segundo o Ministério do Trabalho e Emprego.
Apurando uma denúncia de condições análogas às de escravo encaminhada através do Disque 100, o grupo especial de fiscalização móvel verificou duas boates no município em junho. A equipe contou com a Inspeção do Trabalho do MTE, o Ministério Público do Trabalho, a Polícia Federal e a Defensoria Pública da União.
Os estabelecimentos fiscalizados ofereciam os serviços de mulheres cissexuais migrantes de outras regiões do Brasil. As condições não se configuraram escravidão contemporânea, mas de informalidade.
Não havia indício de aliciamento, nem de tráfico de seres humanos e as condições de alojamento, alimentação e remuneração estavam adequados, apesar de algumas irregularidades. Também não havia indícios de servidão por dívida e de degradação.
Como o grupo móvel constatou que eram de fato empregadas, sem contar com direitos e proteções sociais previstos em lei, exigiram sua contratação formal através de um termo de ajustamento de conduta firmado com o MPT e a DPU. A atividade de “profissional do sexo” está listada na Classificação Brasileira de Ocupação (CBO).
O coordenador da operação, o auditor fiscal do trabalho Magno Riga, ressaltou a importância de reconhecer que ali havia trabalhadoras e que os direitos delas como tais não estavam sendo respeitados.
“A atuação da fiscalização levando à formalização por parte do empregador pode inaugurar um período de redução da precarização dessas profissionais, o que reduz a marginalização e previne quanto ao trabalho escravo”, avalia.
Há decisões judiciais que reconhecem o vínculo entre bordéis e profissionais do sexo e outras que não por entenderem que a prostituição é uma atividade lícita, mas a exploração dela, não. Riga, contundo, aponta que a questão não pode ignorar a existência de direitos pelo grupo móvel.
Ele afirma que a fiscalização conhece o debate que existe na sociedade sobre a prostituição. Mas o objetivo com a exigência de reconhecimento do vínculo é a que a situação não acabe evoluindo para a escravidão.
“Há segmentos que são contrários à regulamentação de profissionais de sexo e outros que a defendem. Respeitamos essa discussão. Mas a fiscalização acredita que cabe às trabalhadoras o reconhecimento de direitos onde eles existem de fato e atuar pela erradicação do trabalho escravo”, afirmou.
As três trabalhadoras do primeiro estabelecimento tiveram sua situação regularizada nesta semana, com o registro em carteira. A fiscalização aguarda o mesmo ocorrer com mais dez mulheres do segundo estabelecimento.
Não raro, empregadores ou trabalhadores pedem para não terem o vínculo registrado como a função real (profissionais do sexo) por medo de preconceito. A coluna optou por omitir o nome dos envolvidos.
Trabalho doméstico e do sexo não é visto como trabalho
Há casos conhecidos sobre profissionais do sexo flagradas em situação de trabalho escravo, como o das trabalhadoras de uma boate em 2010, em Mato Grosso. A primeira operação de trabalho escravo em que houve pagamento de seguro-desemprego para as resgatadas foi a Operação Cinderela, ocorrida em 2019, em São Paulo.
Contudo, até agora não havia nenhum registro de fiscalização de trabalhadoras classificadas como “profissionais do sexo” que culminou em registro em carteira.
Como dito acima, em alguns casos, as próprias vítimas não desejam ser identificadas como profissionais do sexo. Em outros, as autoridades utilizam outras ocupações para que o vínculo trabalhista possa ser estabelecido e as indenizações e direitos venham a ser pagos, pois ainda é frequente o entendido de que a prostituição não é uma atividade laboral com acesso a direitos trabalhistas.
Um levantamento de 2020 da Repórter Brasil aponta que há uma subnotificação de mulheres exploradas em atividades sexuais. Não raro, acabam sendo categorizadas como “dançarinas” ou “garçonetes”.
Trabalho escravo hoje no Brasil
A Lei Áurea aboliu a escravidão formal em maio de 1888, o que significou que o Estado brasileiro não mais reconhece que alguém seja dono de outra pessoa. Persistiram, contudo, situações que transformam pessoas em instrumentos descartáveis, negando a elas sua liberdade e dignidade.
Desde a década de 1940, o Código Penal Brasileiro prevê a punição a esse crime. A essas formas dá-se o nome de trabalho escravo contemporâneo, escravidão contemporânea, condições análogas às de escravo.
De acordo com o artigo 149 do Código Penal, quatro elementos podem definir escravidão contemporânea por aqui: trabalho forçado (que envolve cerceamento do direito de ir e vir), servidão por dívida (um cativeiro atrelado a dívidas, muitas vezes fraudulentas), condições degradantes (trabalho que nega a dignidade humana, colocando em risco a saúde e a vida) ou jornada exaustiva (levar ao trabalhador ao completo esgotamento dado à intensidade da exploração, também colocando em risco sua saúde e vida).
Desde a criação dos grupos especiais de fiscalização móvel, base do sistema de combate à escravidão no país, em maio de 1995, mais de 61,7 mil trabalhadores foram resgatados.
Denúncias de trabalho escravo podem ser feitas de forma sigilosa no Sistema Ipê, lançado em 2020 pela Secretaria de Inspeção do Trabalho (SIT) em parceria com a Organização Internacional do Trabalho (OIT) ou pelo Disque 100. Dados oficiais sobre o combate ao trabalho escravo estão disponíveis no Radar do Trabalho Escravo da SIT
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