Adriana Lima, presidente do Movimento das Mulheres das Ilhas de Belém (Foto: Lucas Escocio / Divulgação Natura &Co)

Obter produção constante, com práticas de preservação da mata e em escala, é o grande desafio das empresas que querem trabalhar com matéria-prima amazônica

A sede do Movimento das Mulheres das Ilhas de Belém (MMIB) na Ilha de Cotijuba, no município de Belém (PA), é referência para muitos dos moradores do local. E não apenas porque é o único ponto que tem Wi-Fi (a R$ 5) e computadores na região, onde as pessoas vão para se credenciar em programas governamentais, resolver pendências e até fazer faculdade remotamente.

Também é onde cerca de 50 associadas hoje se reúnem para fazer aulas de ginástica, artesanato e, principalmente, aprender a ganhar dinheiro. A agricultura sustentável é o carro-chefe, conta Adriana Lima, sócia-fundadora e atual presidente do MMIB.

“Com a venda de ucuuba e de outras sementes e raízes, nós conseguimos construir um espaço para cursos e a cozinha. Queremos começar a produzir farinhas de tukumã, coco, pupunha e cará para vender”.

A associação nasceu há 21 anos para ajudar mulheres agricultoras a ganharem seu próprio sustento. Hoje, sua principal renda vem da comercialização de insumos originais da floresta, sendo a companhia de beleza Natura & Co sua principal, mas não única, parceira. “Desconfiamos quando vieram com a proposta de pagar nossa diária para plantarmos e mais ainda quando prometeram a compra da priprioca no fim do ano”, diz. “Já estávamos cansadas de promessas e projetos que chegavam prontos e não davam certo; a relação de comunidades com empresas costuma ser desbalanceada”.

De lá para cá, foram produzidos e vendidos à Natura mais de 10 mil quilos da raiz. São 19 anos de relacionamento, mas sem exclusividade, o que permite que a organização diversifique sua receita. Na casa também há uma loja com itens de artesanato, papelaria e joias feitas com insumos da mata e que são vendidos a locais e visitantes.

Mauro Costa, gerente de suprimentos da Natura, afirma que são necessárias entre 70 e 100 toneladas de priprioca para a produção da sua linha Ekos. Como cada local tem limitações, inclusive físicas, pelas próprias exigências das práticas de bioagricultura, a empresa precisou fazer, ao longo de duas décadas, um grande esforço para encontrar comunidades que comprassem a ideia.

E não foi só com a priprioca que a empresa fez algo similar para garantir suprimentos. São 42 bioingredientes vindos da Amazônia, como andiroba, murumuru, patauá, tukumã, açaí e, o mais recente, ingá, que já é usado com o açaí e cacau em um sérum antioxidante.

Mas, garantir produção constante, com práticas de preservação da mata e em escala é o grande desafio das indústrias que querem trabalhar com matéria-prima amazônica. Ainda mais considerando que cada bioinsumo tem seu ritmo de maturação e, muitos deles têm rendimento final baixo.

No caso da priprioca, por exemplo, seu crescimento é até rápido — 12 a 18 meses para a primeira colheita e sua safra é anual —, porém, uma tonelada de seus rizomas rende só um quilo de óleo concentrado da essência na extração.

“Planejamos hoje o que vamos coletar daqui a um a dois anos e que vai ser oferecido pelas revendedoras e lojas daqui dois a três anos”, diz Costa.

Para o buriti, por exemplo, há um estoque de segurança de três anos. A empresa precisa ainda garantir que está seguindo os padrões da certificação internacional de Biocomércio Ético UEBT, segundo Ana Mazzilli, gerente de Marketing da companhia.

O selo atesta o uso de ingredientes naturais vindos de práticas que respeitam o ambiente, o comércio justo e o desenvolvimento social. Ao todo, são 20 pessoas só na Gerência de Abastecimento e Relacionamento da Sociobiodiversidade (GRAS), cuidando de todos esses processos na Amazônia.

Até 2030, a expectativa da Natura &Co é chegar a 55 bioingredientes, adquiridos de 45 comunidades agroextrativistas. E aumentar em quatro vezes a compra de insumos amazônicos nesses próximos anos. Em 2020, eram 34 comunidades que vendiam 39 bioativos.

Carol Domênico, gerente de Pesquisa e Desenvolvimento da Natura, conta que o desenvolvimento de uma cadeia envolve diversas etapas e pode levar de dois a cinco anos entre prospecção, projeto-piloto pequeno em uma comunidade, testes em laboratório e validações para ser considerado como insumo da empresa e chegar às gôndolas.

Para escalar, é necessário combinar com antecedência com produtores e cooperativas as colheitas e coletas. Não é raro o suporte até financeiro para que produtores e cooperativas se preparem.

“Quando a Natura nos perguntou se conseguíamos produzir 350 toneladas de tukumã em 2021, pedimos um prazo, nos reunimos e percebemos que nosso potencial era de 400 toneladas. Fizemos uma contraproposta e hoje chegamos a vender até mais, 430 toneladas”, afirma Brito de Abreu, presidente da Cofruta.

A cooperativa se estruturou, a partir de 2021, para ampliar a produção. Com um novo equipamento de secagem, adquirido com ajuda da Natura, a capacidade de secagem de andiroba, por exemplo, passou de 200 quilos para 10 toneladas e o que era feito, artesanalmente em 20 dias hoje leva até 36 horas, com mais eficiência e lucro.

Cada matéria-prima tem um tempo de colheita/coleta, o que exige um cronograma fixo de entregas aos centros de beneficiamento e, posteriormente, envio às fábricas do grupo.

A de sabonetes, em Benevides, a 40 quilômetros de Belém, é responsável por 92% de toda a produção do item, incluindo Natura, Avon e The Bodyshop. Parte dos insumos viaja ainda até a fábrica de cosméticos de Minas Gerais e às duas em São Paulo.

Vert e Oakberry também atuam na região

A Natura não é a única que trabalha há anos para desenvolver cadeias de insumos com práticas sustentáveis na Amazônia. O grupo francês Veja, conhecido como Vert entre os brasileiros, tem aqui sua principal fonte de matéria-prima desde sua fundação, em 2004.

Só em 2022 adquiriu cerca de 560 mil toneladas de GEB (Granulado Escuro Brasileiro), composto de borracha, de famílias seringueiras de cinco Estados amazônicos. O material é usado para fabricar tênis vendidos no mundo todo.

Desde seu início, o grupo afirma aplicar princípios de comércio justo para ter produtos não só ambientalmente mais sustentáveis, como também socialmente responsáveis. O conceito envolve desde o pagamento de salários acima da média do mercado, até respeito aos direitos de produtores, consumidores e cuidado com o meio ambiente.

Saltar de 15 produtores para os mais de 2 mil hoje mantendo os padrões e qualidade foi um trabalho hercúleo da companhia, que não tem investidores e nem ambição de crescer rápido.

“Não temos medo de pequena escala, de fechar contrato com fornecedor para comprar 5 mil toneladas. É assim que conseguimos crescer, aos poucos”, afirma François-Ghislain Morillion, cofundador da companhia, em um português fluente de quem morou alguns anos no Brasil.

“Como não temos investidores, a gente cresce no ritmo que dá. Não temos obrigação de aumentar a produção para abrir ‘X’ lojas”, aponta. Hoje os fornecedores se juntam em cooperativas como a Amopreab, Coopacre e Cooperativa Educacional Assis Brasil, que são acompanhadas de perto pela equipe da Veja na Amazônia.

A produtora de açaí Oakberry é uma das novatas na região e se vale dos aprendizados de empresas desbravadoras para fazer um trabalho sustentável para obter matérias-primas. A empresa vem há três anos investindo na verticalização de sua produção, para garantir o crescimento, controlar a qualidade da matéria-prima que, depois de processada, é vendida em mais de 600 lojas em 40 países.

“A produção de açaí é complexa, requer muita atenção e cuidados. Queremos garantir um produto de melhor qualidade, contribuir para a melhoria de vida e renda, e para a preservação ambiental, com o empoderamento das comunidades ribeirinhas”, diz Alexandre Trita, sócio e líder de Indústria e Supply Chain da Oakberry.

Em 2021, a empresa captou R$ 80 milhões em equity via dois fundos de investimentos, e, ano passado, mais R$ 50 milhões em dívida corporativa com rótulo ESG — via Certificado de Recebíveis do Agronegócio (CRA) verde —, com a gestora JGP como âncora da operação. O montante está sendo investido no desenvolvimento da cadeia e em ampliação fabril.

Processo seletivo

Este será o primeiro ano em que a empresa terá 100% da safra comprada diretamente das cooperativas — antes contava com intermediários, o que dificultava a rastreabilidade do produto. São cerca de 200 produtores, e a expectativa é chegar em 300 no médio prazo, todos no Pará.

Para ser um cooperado da companhia, é preciso passar por um processo seletivo em que são exigidos quesitos como produção orgânica, comprometimento em não desmatar e não empregar mão de obra infantil, assim como o uso de equipamentos de segurança.

Depois de cadastradas, as cooperativas recebem visitas técnicas para verificar e ensinar práticas de manejo sustentáveis do açaí e de outras culturas. Além disso, trimestralmente são feitas auditorias para mapear a produção, segundo a companhia.

Com informações do Globo Rural