Quando o Air Force One aterrissou em Manaus e o democrata Joe Biden desembarcou da aeronave presidencial, no último domingo, 17, ele se tornou o primeiro presidente em exercício dos Estados Unidos a pisar na Amazônia brasileira na história de 200 anos de relação entre as duas nações.
Biden, que abandonou a campanha de reeleição no meio do ano e viu sua sucessora, a vice-presidente Kamala Harris, derrotada nas urnas por Donald Trump, foi recebido por lideranças indígenas e visitou o Museu da Amazônia (MUSA), uma reserva nativa de floresta na capital amazonense. Na sequência, ele seguiu ao Rio, onde tem participado do encontro de líderes do G20 e se encontrou com o presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva.
Em termos práticos, porém, a viagem representou pouco para a floresta e para quem vive nela.
A visita amazônica serve como um desfecho simbólico para um enredo de desacertos na pauta ambiental e climática entre Lula e Biden.
Brasileiros e americanos, no entanto, concordam que a relação acabou salva pela atitude assertiva de Washington na defesa à democracia no Brasil durante e depois das eleições de 2022.
Quanto à Amazônia, o acúmulo de frustrações é evidente. O mandatário americano prometeu muito para o bioma – inclusive quando era ainda apenas candidato – entregou quase nada e, a dois meses de deixar a Casa Branca, já não tem muito mais a oferecer além de fotos e apertos de mãos.
Expectativa x realidade
Ainda em sua campanha para a presidência em 2020, Biden deixou claro que o combate às mudanças climáticas seria um tema central em sua gestão. E usou episódios de graves incêndios na Amazônia meses antes para alavancar sua imagem de líder ambiental internacional.
“Eu começaria imediatamente a organizar o hemisfério e o mundo para prover US$ 20 bilhões [R$ 116 bilhões] para a Amazônia, para o Brasil não queimar mais a Amazônia”, prometeu Biden durante um debate televisivo com Donald Trump. À ocasião, a manifestação gerou mal-estar no governo de Jair Bolsonaro, alinhado a Trump.

No poder, Biden destacou seu Enviado Climático, o ex-secretário de Estado John Kerry, para negociar com o governo brasileiro avanços na preservação ambiental no país em troca de recursos financeiros. A Kerry interessava mostrar resultados que a gestão Biden queria obter rapidamente, para mostrar que os EUA ainda tinham condições de liderar o mundo no assunto.
Já o governo Bolsonaro queria que os americanos se comprometessem a destinar US$ 1 bilhão (R$ 5,8 bilhões) por ano à Amazônia brasileira de saída, sem que o Brasil apresentasse resultados de redução de desmatamento de antemão. As negociações, do lado brasileiro, ficavam a cargo do então ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles.
Enquanto prometia empenho no trabalho de proteção ambiental aos americanos, o governo federal cortava o orçamento dos órgãos de fiscalização dos biomas.
Com o passar das semanas, entre os democratas criou-se a percepção de que Kerry estava “sendo passado para trás” pelos bolsonaristas, tanto assim que ele chegou a ser chamado a uma sessão no Congresso para se explicar aos próprios democratas sobre o avanço das negociações.
Mas, na prática, embora as conversas com Kerry tenham se seguido até o fim do governo Bolsonaro, nenhum dinheiro jamais foi liberado nesse período.
Lula se elegeu prometendo promover o oposto da agenda de Bolsonaro em relação ao meio ambiente e superou uma ruptura política histórica com Marina Silva para instalá-la em seu Ministério do Meio Ambiente. Marina goza de alta reputação no assunto com os americanos.
Então, quando a gestão Biden pressionou por uma visita ainda nos primeiros três meses de governo, em 2023, antes do embarque de Lula para a China, Brasília entendeu que Washington cumpriria suas promessas de verbas, especialmente para o Fundo Amazônia, recém reativado. Antes mesmo que Lula tomasse posse, ainda na Cúpula do Clima do Egito, à qual o presidente eleito compareceu, os americanos sinalizaram com a intenção de efetuar os repasses.
O encontro, no entanto, foi planejado às pressas para o começo de fevereiro daquele ano e quando os americanos revelaram suas intenções, eles tinham apenas US$50 milhões para aportar no Fundo Amazônia.
Diplomatas americanos disseram que este era apenas um “gesto inicial”, “unilateral”, “de boa vontade” e confiança no trabalho que a gestão Lula viria a desenvolver, mas que mais dinheiro viria na sequência. As autoridades do Brasil e dos EUA acordaram então, que o valor, tido pelos brasileiros como “simbólico”, sequer seria mencionado no comunicado conjunto dos dois países.

Em abril de 2023, Biden pareceu cumprir sua promessa: anunciou que os americanos pretendiam remeter US$ 500 milhões (R$ 2,9 bilhões) ao Fundo Amazônia, divididos em cinco anos. Mas, na verdade, o envio dos recursos dependia de aprovação do Congresso.
Com a Câmara dos Representantes tendo maioria republicana, sempre foi remota a possibilidade de que o dinheiro realmente desembarcasse na Amazônia.
Em 2023, durante as discussões do Orçamento do Executivo americano, a BBC News Brasil procurou o Representante Mario Díaz-Balart, relator dos gastos com política externa, para consultar sobre a possibilidade de que o Fundo Amazônia fosse incluído na peça.
“Sinceramente, nem sei de que fundo você está falando”, respondeu Díaz-Balart. O orçamento aprovado não previu um centavo para o Fundo Amazônia.
“Agora com a vitória de Trump, sabemos que as questões de meio ambiente estão fora do jogo. É remoto que vejamos qualquer dinheiro para o Fundo Amazônia”, afirmou à BBC News Brasil um embaixador brasileiro com conhecimento direto das negociações.
Recentemente, uma equipe de diplomatas do país interpelou o senador republicano Lindsey Graham sobre o Fundo Amazônia. Ouviu dele que votaria a favor porque Graham é caçador por hobby e precisa de animais vivos para poder caçar. Foi uma das respostas mais positivas obtidas na base trumpista sobre o assunto.
A expectativa dos brasileiros é que a proteção do meio ambiente acabe sendo um efeito colateral positivo de políticas que devem interessar à administração Trump.
Foi durante o primeiro mandato do republicano que os dois países lançaram o US Brazil Energy Forum, que deve se manter em funcionamento agora.
“Eles estão interessados em coisas com viabilidade econômica alta e no domínio das tecnologias de energia renovável, até para disputar com a China. Então há interesses nessas áreas de hidrogênio verde, energia solar, baterias de lítio, etc”, disse o mesmo embaixador.

Os democratas nutriam a expectativa de “refundar” a relação ambiental com o Brasil em um possível governo Kamala Harris e especulavam que ela usaria a viagem para a COP-30, em Belém, no ano que vem, para anunciar grandes e concretas parcerias binacionais. Trump atropelou os planos com sua acachapante vitória eleitoral. Enão há no governo brasileiro qualquer expectativa de que Trump compareça à COP do Brasil.
Legado pessoal de Biden
Oficialmente, o Departamento de Estado defendeu que o plano de Biden ir à Amazônia já estava traçado antes da derrota democrata nas urnas e que a manutenção da agenda apenas reforça o compromisso que ele sempre teve com o tema.
No plano original, Lula levaria o americano a um tour semelhante ao do líder francês Emmanuel Macron, o que não se concretizou porque Lula reduziu as viagens depois de um acidente doméstico.
Mas ao menos quatro diplomatas brasileiros e democratas ouvidos reservadamente pela BBC News Brasil, concordaram que a vinda de Biden à Amazônia no apagar das luzes de seu mandato é o que os americanos costumam chamar de “too little, too late”, “muito pouco, muito tarde”, na tradução literal.
Para estas fontes americanas, a fotografia na floresta e a marca de ser o único presidente em exercício dos EUA a ter estado ali são adições importantes para o legado pessoal de Biden e para a construção de sua imagem em contraponto à de seu antecessor, e agora também sucessor, Donald Trump, um negacionista das mudanças climáticas cujo mote de campanha foi “Drill, baby, drill”, algo como “perfure, baby, perfure”, sobre aumentar a exploração de petróleo do país.
Algo que o Conselheiro de Segurança Nacional de Biden, Jake Sullivan, também indicou em uma breve manifestação nesta quarta, 13, ao comentar a viagem.
“O presidente viajará para o Brasil e começará com uma parada histórica na Amazônia para reforçar o seu compromisso pessoal e o compromisso contínuo dos EUA em todos os níveis de governo e em todo o nosso setor privado e sociedade civil para combater as mudanças climáticas no país e no exterior. E esta tem sido, obviamente, uma das causas definidoras da presidência do Presidente Biden”, disse Sullivan antes de Biden vir a Manaus.
Domesticamente, Biden tem avanços a mostrar no tema por ter aprovado o maior pacote da história americana para impulsionar investimentos em transição energética e meio ambiente (US$ 145,4 bilhões, aproximadamente R$ 843,32 bilhões), o Inflation Reduction Act (IRA), e por ter criado a inédita figura de Enviado Climático da gestão, que coube a Kerry.
Agora, sua gestão corre para empenhar o montante do IRA ainda não usado antes que Trump ocupe o salão oval, em 20 de janeiro de 2025. O republicano já disse que pretende cancelar o que for possível de tais gastos.
