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De dez anos para cá, a Apple tenta desenvolver o seu próprio automóvel. Quando foi anunciado, o modelo prometia revolucionar a indústria para enfrentar a Tesla. Era a chance de chegar no mesmo patamar – ou ultrapassá-lo – enquanto a futura rival estava no início de sua jornada. No entanto, uma década se passou e, segundo o jornal The New York Times, o projeto acabou por ser cancelado. Mas por que a companhia da maçã não conseguiu fazer o seu próprio veículo?

É difícil condensar o sucesso da Tesla em uma lista curta de fatores. A compra de uma fábrica da Toyota em Freemont, Califórnia, ajudou a massificar a produção, e o lucrativo lançamento de ações ao público na NASDAQ, considerada mais voltada ao setor de tecnologia do que a tradicional Bolsa de Nova York. Outros fundos de investimentos e investidores já haviam capitalizado suficientemente a empresa para permitir o lançamento de um veículo totalmente próprio, o sedã grande Model S.

O rápido sucesso de mercado levou ao lançamento de outros modelos, tais como o SUV Model X e o sedã médio Model 3, todos bem aceitos e tidos como o pináculo da era elétrica que ali estava apenas se iniciando – ou reiniciando, diriam os historiadores automotivos. O sucesso se espalhou pelo mundo e ajudou Elon Musk a se tornar o homem mais rico do mundo – por longos períodos.

Esse panorama já influenciava a Apple, uma vez que ela viu crescer uma rival do segmento que está mais para tecnológico do que para automotivo. Por que não tentar?

Longe de ter o objetivo de criar um carro inicialmente mais simples, mas que gerasse uma fundação para construir modelos mais sofisticados, a Apple investiu na proposta de criar um automóvel com uma série imensa de inovações. A propulsão, como não poderia deixar de ser, seria elétrica.

O nível de automação chegaria ao 5, um grau em que não seriam necessários volante ou pedais. O parabrisa era um enorme head-up display e, por sua vez, o teto absorveria o calor do sol para diminuir a temperatura interna. Em suma, uma iniciativa que teria deixado orgulhoso Steve Jobs, que faleceu em 2011, antes, portanto, do anúncio do Apple Car ou iCar, como foi chamado por alguns.

E essa pretensão pode ter sido um dos principais motivos para a demora e subsequente desistência do projeto automotivo, somado também a necessidade de evolução técnica extrema, posto que a empresa sempre saiu na dianteira (ou tentou) em produtos como computadores Macintosh, iPod, iPhone, iPad, Watch e posteriores.

O posicionamento de mercado que a companhia tem nos demais segmentos tecnológicos era uma exigência custosa. “A Apple se posicionou em marca de grife e luxo, isso não combina com volumes altíssimos, uma característica do mercado automotivo”, explica Ricardo Bacellar, Conselheiro Consultivo para a indústria da mobilidade.

iPhone 15 Pro e 15 Pro Max durante o lançamento da Apple em Cupertino, Califórnia (EUA) – Foto: Bruna Souza Cruz / UOL

A situação foi complicada também pelo período difícil do segmento no qual ela quer entrar, o de carros elétricos. “Uma empresa que deseja montar um carro do zero já sabe que o novo ambiente do mercado está nocivo, a guerra de preços está cada vez maior, as margens de lucro, reduzidas. Porque a última coisa que ela quer é colocar um produto no mercado”, diz Ricardo Bacellar.

Alguns dos problemas citados não afetaram a Xiaomi, empresa também focada em eletrônicos que já lançou o seu primeiro automóvel, o sedã SU7. O mercado de elétricos na China é o maior do mundo, da mesma maneira que a cadeia de suprimento, o que gera uma economia de escala desproporcional, e também concentra os maiores fabricantes de baterias.

São vantagens que se somam ao ritmo de trabalho maior, algo que seria impossível sob as regras da maior parte dos países ocidentais. Não é por acaso que a Apple produz boa parte dos seus produtos na nação.

A situação dos elétricos ao redor do mundo mostra queda de demandas e aumentos de custos, gerando reduções de investimentos. Tem sido assim com a Ford, General Motors, entre outras, diferentemente do visto no país asiático. Não é por acaso que os Estados Unidos quadruplicaram os impostos para entrada de automóveis chineses, que foi de 25% para 100%.

Olhando para os eletrônicos, a Apple investe na evolução anual. Produtos consagrados foram lançados em suas gerações originais com menos recursos e, até mesmo, uma polêmica obsolescência programada. Outros são lançados de forma embrionária e, aparentemente, ainda não pronta, como é o exemplo do pesado e pouco prático Apple Vision Pro, óculos de realidade virtual que ainda necessitará de um salto geracional.

No mercado automotivo, gerações duram anos e grandes atualizações são espaçadas. A saída seria apelar para várias evoluções pontuais, tal como faz a Tesla, marca que tem produtos que não mudaram de geração desde os seus lançamentos. O Model S é de 2012, o Model X de 2015 e o Tesla 3 foi introduzido em 2017.

Novas “encarnações” devem ser apresentadas no ano que vem, se tudo for cumprido. Montar uma linha de produtos ajuda a ter um “carro para cada pessoa”, algo que a fabricante de eletrônicos também teria que investir pesado. Cabe ressaltar que são períodos de tempo diferentes. Hoje em dia, talvez nem a Tesla teria conseguido triunfar.

“A Tesla conseguiu porque ela foi a primeira a fazer isso, hoje ela está desafiada por outras montadoras, a BYD está no calcanhar dela. Eu não duvido que dentre alguns anos, se a Tesla não der um salto dramático para frente, ela pode ser alcançada também”, projeta Cassio Pagliarini, sócio da Bright Consulting.

Nada disso quer dizer que os cerca de US$ 10 bilhões investidos no projeto veicular (aproximados R$ 50 bilhões) serão jogados fora, pelo contrário. Se parte das cerca de duas mil pessoas que trabalharam no projeto estão sendo redirecionadas – claro que cortes ainda virão -, as criações tecnológicas também servirão à outras partes da empresa.

Foto: Ed Uthman

“Imagine as montadoras investindo bilhões para desenvolver veículos em que o interior experimentado será um da Apple. A marca deve colocar todas as suas baterias em uma nova geração do Apple CarPlay. A influência da marca é tamanha que muitos fabricantes estão anunciando que desenvolverão plataformas próprias, uma forma de terem uma alternativa”, disse Bacelar.

“Além disso, o lucro do software é muito maior do que o de outros produtos. Se fosse eu, seguraria o carro agora e voltaria minhas baterias para isso”, completa o consultor, que acredita que um projeto de um automóvel próprio até pode voltar, mas em outro momento, digamos, mais propício.

*Com informações de Uol