Até as menores partículas de poluição no ar podem causar desequilíbrio à Amazônia, mostra uma pesquisa da Universidade de São Paulo (USP) divulgada na revista especializada Science Advances. O estudo, realizado em Manaus, revela que os minúsculos e tóxicos materiais produzidos por atividades humanas como a queima de combustíveis fósseis crescem rapidamente ao se movimentar pela atmosfera e influenciam a formação de nuvens, alterando o regime de chuvas na região.
“Entender os mecanismos de formação de nuvens e chuvas na Amazônia é um grande desafio devido à complexidade dos processos físicos e químicos não lineares que ocorrem na atmosfera”, explica Paulo Artaxo, professor do Instituto de Física (IF) da USP e um dos autores do artigo, em um comunicado emitido pela Agência Fapesp. Para dar conta dessa tarefa, os pesquisadores usaram dados coletados por uma aeronave que sobrevoou a pluma de poluição de Manaus por cerca de 100 quilômetros, durante os anos de 2014 e 2015.
Os voos se deram durante a campanha científica Green Ocean Amazon (GOAmazon). “A região de Manaus é única no mundo no sentido de ser um laboratório a céu aberto, uma megacidade cercada de floresta, a grande distância de outras cidades”, enfatiza Luiz Augusto Machado, também autor do estudo e pesquisador do IF. Os equipamentos especializados rastrearam partículas microscópicas sólidas ou líquidas que ficaram suspensas na atmosfera, chamadas aerossóis.
Há aqueles produzidos naturalmente pelas florestas — os primários — e também os gerados por atividades humanas. A equipe da USP avaliou aerossóis com menos de 10 nanômetros (nm) emitidos por escapamentos de veículos, fábricas e usinas na região de Manaus. Tais partículas geralmente não são avaliadas em estudos científicos, diz Machado. “Elas costumavam ser negligenciadas em cálculos e modelos atmosféricos. O foco sempre esteve em partículas maiores que 100nm porque elas atuam como núcleos de condensação de nuvens, nos quais o vapor de água se condensa para formar gotículas, alterando, assim, o regime de chuvas”, detalha.
Com o enfoque pouco usual, os brasileiros constataram que, enquanto se movimentam por meio de ventos em direção ao noroeste, os aerossóis minúsculos crescem em até 400 vezes. Isso ocorre devido a um processo chamado oxidação, quando as pequenas partículas perdem elétrons e têm a carga aumentada. Dessa forma, mostra a análise, a 10 quilômetros de Manaus, os aerossóis já tinham um tamanho maior que o original. A 30 quilômetros, poderiam estar suficientemente grandes para se tornarem núcleos de condensação, afetando a formação de gotas de chuva.
Ventos
A equipe também percebeu que o efeito dos aerossóis na condensação das gotas de chuva nem sempre é o mesmo, podendo intensificar ou reduzir a precipitação dependendo das condições atmosféricas e, principalmente, da formação de nuvens. De acordo com Machado, uma grande quantidade de partículas cria uma espécie de competição pelo vapor d’água presente nas nuvens e, como resultado, o tamanho das gotículas diminui. “Para que a chuva caía, as gotículas precisam ter um determinado tamanho”, diz. Também é necessário, segundo o pesquisador, uma velocidade de ar ascendente. “Sem isso, a nuvem ficará cheia de gotículas minúsculas, e não haverá chuva.”
A ação do vento também está ligada ao fenômeno oposto. Se ele for muito forte, pode levar a grande massa de gotículas a uma altitude mais alta, onde se formam partículas de gelo, gerando, assim, uma tempestade. “Em resumo, os aerossóis reduzem a precipitação. No entanto, se a nuvem se acumular e se tornar uma massa densa, alta e vertical, por exemplo, os aerossóis aumentam a precipitação”, afirma Machado.
Na próxima etapa da pesquisa, a equipe brasileira contará com o auxílio de uma aeronave alemã para uma análise mais alta, a 15 mil metros. No estudo atual, a trajetória foi a 4 mil metros. “A outra aeronave é um dos laboratórios de voo mais sofisticados existentes. Com isso, poderemos conduzir um experimento capaz de nos auxiliar na compreensão das principais questões físicas e químicas envolvidas na produção de aerossóis, nuvens e chuva”, adianta Artaxo.
Janeiro mais quente
O primeiro mês deste ano foi o mais quente na Amazônia colombiana na última década, mostra um relatório do Ministério do Meio Ambiente do país. Ainda de acordo com o texto, obtido pela agência France-Presse de notícias (AFP), isso se deu devido à escassez de chuvas na região, ligada às atividades humanas, “sendo as mais significativas aquelas associadas às frentes
de desmatamento”. Ao menos 80% dos focos de calor são incêndios florestais. A porcentagem restante inclui aquecimentos a óleo, chaminés e fornos industriais. A Amazônia é a região mais desmatada da Colômbia — 63,7% da destruição florestal está concentrada nessa parte do sensível ecossistema sul-americano compartilhado por nove países.
*Com Correio Braziliense