Metade do eleitorado acredita que o Brasil pode tornar-se um país comunista, uma das principais bandeiras do bolsonarismo quando quer atacar o governo Lula (PT). Mas a maior parte das pessoas não vê legado positivo da ditadura militar de 1964, uma constante do discurso da direita no país.
Os dados, que ajudam a qualificar a guerra cultural entre os principais grupos políticos brasileiros, foram aferidos em uma nova pesquisa do Datafolha. Realizada de 12 a 14 de junho, ela ouviu 2.010 pessoas com mais de 16 anos em 112 municípios, e tem uma margem de erro de dois pontos para mais ou menos.
Segundo o instituto, 52% dos entrevistados concordam com a afirmação acerca do risco de o Brasil adotar um regime comunista, algo que não encontra base na realidade. Desses, 33% concordam totalmente, e 19%, parcialmente.
Não sem surpresa, a crença sobe a 73% entre aqueles que votaram em Jair Bolsonaro (PL) no segundo turno de 2022, quando o então presidente perdeu a eleição para Lula por 50,9% a 49,1% dos votos válidos, a mais curta distância desde a redemocratização de 1985.
O ex-presidente sempre usava tal espantalho, falando disso até em seu discurso de posse em 2019. O apoio do PT, um partido que se dizia socialista na origem, e de Lula a ditaduras de esquerda na América Latina ajuda a manter o fantasma acordado.
No geral, 42% rejeitam a noção (30% totalmente, 12% em parte), e 6% ou não sabem, ou não quiseram responder. Também de forma previsível, eleitores de Lula são os que mais descartam a hipótese, 61%, mas nada menos que 32% deles a acham crível. Acreditam no cenário comunista 42% das pessoas com curso superior, teoricamente com mais acesso à informação de qualidade.
Na linha contrária, contudo, não se vê uma apologia firme do legado da ditadura. Para 47%, não houve benefícios ao país com o regime militar que durou 21 anos, e 35% desses acreditam nisso de forma convicta (13%, nem tanto) —a diferença numérica no total diz respeito a arredondamento estatístico.
Já 36% concordam que a ditadura trouxe coisas boas ao país, 15% desses totalmente (21%, parcialmente). Entre eleitores de Bolsonaro, um apologista convicto do regime militar que nunca perdeu oportunidade de fazer gestos públicos nesse sentido, o índice sobe a 44%.
A pesquisa traz um dado contraintuitivo acerca da polarização do país, em que 29% se dizem petistas raiz e 25%, bolsonaristas de carteirinha, segundo o mesmo Datafolha. Quando questionados acerca de legados dos governos do PT (2003-2016) e de Bolsonaro (2019-2022), 33% dos ouvidos afirmam ver coisas boas nos dois períodos.
A maioria nesse grupo votou em Bolsonaro (58%), enquanto os que apoiaram Lula são 33%. Entre eles, aprovam o presidente 29%, o veem como regular 41% e o reprovam, 27%.
Ao destrinchar a questão do apoio, 66% acreditam que o PT, representado nos dois governos Lula, na gestão Dilma Rousseff (2011-2014) e em Dilma-2 (2015-2016, encerrada por impeachment), deixou benefícios para o Brasil.
Esse apoio é dividido entre 36% que concordam totalmente com a afirmação e 31%, que acham isso em parte. Já 29% rejeitam a ideia do legado positivo petista.
A estratificação dos dados mostra uma satisfação maior em grupos usualmente eleitores do partido de Lula: nordestinos (75%) e mais pobres (71%, no maior grupo populacional da pesquisa, 48% dos ouvidos), e menor entre os refratários (59% entre os mais ricos). Curiosamente, dividem-se as opiniões entre quem escolheu Bolsonaro em 2022: 49% acham que o PT foi ruim, e 47%, que foi bom, mostrando comunalidade de grupos que apoiaram os políticos em cada ocasião.
Quando é Bolsonaro o avaliado, 57% veem um legado positivo (31% de forma convicta, 26%, parcial). Assim como ocorre com o petismo, os índices sobem na sua base de apoio: 66% entre evangélicos, 64% entre moradores do Centro-Oeste e 88% entre o minoritário segmento dos empresários (2% da amostra). Rejeitam os feitos bolsonaristas 39% (29% totalmente).
O Datafolha também questionou os entrevistados acerca de uma pecha bolsonarista ao PT, de que é um partido que não respeita a “família cristã”. Para 51%, isso não é verdade, enquanto 39% concordam com a assertiva —o restante não sabe ou não quis responder.
Na base de apoio do ex-presidente, 53% dos evangélicos, 29% da amostra, concordam com a acusação. Já nos majoritários, mas mais desorganizados politicamente católicos (47% dos ouvidos), 57% discordam.
Por fim, a pesquisa mostra que a política segue impregnada por fatores religiosos. Confrontados com a questão “Política e valores religiosos devem sempre andar juntos para o Brasil possa prosperar”, 65% dos ouvidos concordam, enquanto 32% discordam. Os índices são semelhantes entre apoiadores de Lula e Bolsonaro, e a rejeição à afirmação sobe entre grupos mais escolarizados (51% para quem tem curso superior).
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