Alessandro de Assis é motorista de aplicativos há três anos: "Quanto menos eu falar de política, melhor" (Foto: Arquivo Pessoal)

O motorista de aplicativo Alessandro de Assis, 27, sabe que oferecer água e bala para passageiros é coisa do passado. Para conquistar a aprovação do cliente, ele mantém o carro alugado sempre limpo, recebe todos os usuários com um “bom dia” e se oferece para abrir a porta a idosos. Mas, além de ser educado com quem entra e sai do veículo, Assis entende também o que não fazer: falar de política.

A pouco mais de um mês das eleições, o motorista evita entrar no embate de quem será o próximo presidente do Brasil para manter sua avaliação de cinco estrelas no Uber, que exibe com orgulho.

No Uber, a avaliação do motorista leva em consideração a média das 500 últimas viagens realizadas. Já a 99 considera as notas dadas nas 100 corridas mais recentes. Em ambas, o passageiro decide quantas estrelas o serviço prestado merece, e também é avaliado pelo motorista.

O UOL perguntou às empresas quantos dos seus motoristas têm a nota máxima e se eles recebem algum tipo de bonificação, mas elas não responderam.

‘Política mexe com emoção das pessoas’

“Quando alguém diz que é Lula ou Bolsonaro, eu procuro entender a ideia da pessoa. Não critico, mas não dou minha opinião 100%. Esse assunto mexe com a emoção das pessoas. Quanto menos eu falar de política, melhor”, diz Assis.

O Uber recomenda, em um documento chamado Código da Comunidade, que motoristas e usuários não exponham opiniões políticas. A 99, por sua vez, criou um guia com dez comportamentos a serem seguidos e em um deles diz ser inaceitável a intolerância política.

Com mais de 9.000 corridas feitas desde 2019, Assis trabalha de nove a 11 horas diárias durante a semana, aos sábados estica para a madrugada e folga religiosamente às terças-feiras, dia de rodízio. Ele já perdeu o celular em um assalto e foi vítima de acidente de trânsito.

“Tento tratar todo mundo da melhor forma, mas sempre tem um passageiro que bate a porta com força, não responde a um bom dia ou suja o carro enquanto come. Aí não tenho como dar cinco estrelas para ele”, diz.

Assédios e sem papo sobre religião

Além de cortar os papos sobre política, a motorista Lilian Cristina Gomes, 43, diz que é forçada a ser séria com os passageiros, porque acumula histórias de assédio sexual nos quatro anos em que dirige para a Uber.

Segundo ela, os episódios acontecem principalmente quando dois ou três homens compartilham uma viagem. “Já fui agarrada por usuário que tentou me beijar à força. Tem outros que perguntam se eu quero tomar vinho ou dizem para eu desligar o aplicativo porque vão cumprir minha meta diária”, diz.

Ela declara que denunciou os casos para a Uber e que a empresa teria bloqueado o assediador apenas do perfil dela, podendo seguir utilizando os serviços com os demais motoristas.

Questionada sobre a decisão, o Uber não respondeu à reportagem.

Mesmo com esses problemas, Lilian diz que não deixa de ser simpática com seus clientes, para manter um diálogo amigável sobre o dia a dia. Ela também é cautelosa com outro tema que costuma mexer com o humor das pessoas: religião.
“Só falo [sobre esses assuntos] se me sentir tranquila com o passageiro.”

Planos de voltar a dar aula de matemática

Cléo Tally, 40, diz que nem sempre consegue se esquivar de conversas sobre política ou religião, mas tem outras estratégias para buscar as cinco estrelas.

Cléo quer trabalhar por mais um ano como motorista de aplicativo e depois atuar trabalhar exclusivamente como professora de matemática — sua ocupação antes de entrar no Uber, há três anos.

Atualmente, ela trabalha cerca de 16 horas por dia para juntar dinheiro suficiente para pagar dívidas que chegam a R$ 30 mil.

“Eu já cheguei em um ponto que não dá mais. Antes eu trabalhava de oito a 10 horas, agora tenho que ficar 16 horas. Qual vai ser o futuro? Trabalhar 24 horas por dia? Passar três dias fora de casa e voltar só para dar um beijo no filho? Vejo um futuro muito ruim se a profissão não for regulamentada”, diz, em referência a direitos trabalhistas, como vínculo empregatício com os aplicativos, carga horária abaixo de dez horas por dia e salário mais alto.

Recentemente, Cléo foi avaliada com uma estrela e sua nota, que era máxima, caiu para 4,98. Ela diz não saber por que desagradou o passageiro.

Passageiros têm critérios subjetivos, diz especialista

O modelo de avaliação adotado pelos aplicativos, que terceirizam a distribuição de notas para os passageiros, deixa os motoristas sujeitos a critérios subjetivos, diz Felipe Moda, doutorando em Ciências Sociais pela Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) e pesquisador sobre a uberização do trabalho.

“Alguém pode dar nota baixa porque estava com pressa, pediu para ir mais rápido e o motorista não atendeu ou simplesmente porque estava mal-humorado. Questões do dia a dia influenciam o trabalho desses motoristas”, declara.

Ele também afirma que machismo e racismo dos passageiros influem na nota que darão aos motoristas.

Com informações do Uol