Uma pesquisa inédita do UOL aponta que o futebol feminino caiu de vez no gosto do público brasileiro, mesmo com a Copa do Mundo masculina começando no mês que vem, no Qatar.
De acordo com o levantamento do UOL, 58% dos consultados que pertencem à geração Z (de 10 a 25 anos) afirmam que acompanhariam mais os jogos da seleção feminina se houvesse maior cobertura da mídia em torno dela.
A pesquisa ressalta também o esforço das jogadoras. Para 41% do público da geração Z, a seleção brasileira feminina desperta mais orgulho que a masculina. No universo geral dos entrevistados, esse número cai um pouco, para 35% do total.
No geral, há consenso que a modalidade merece uma cobertura mais ampla. Do total dos entrevistados, 52% concordam que acompanhariam mais os jogos delas neste contexto mais amplo —entre os “boomers” (nascidos entre 1946 e 1964), que cresceram em meio ao amadorismo do futebol feminino, o total de pessoas que manifestaram interesse crescente na modalidade é de 51%.
O levantamento do UOL foi online, com 1.800 pessoas das classes A, B e C de todas as regiões do país, separando também a influência das gerações (Z, “millenials” ou “boomers”) nas escolhas.
Os números completos estão abaixo.
Um 2022 histórico
É impossível isolar a temporada 2022 na linha do tempo da evolução do futebol feminino no Brasil e no mundo. Por aqui, a decolagem acompanha o que se vê desde 2019, ano da disputa da última Copa do Mundo da categoria.
Exemplo do que estaria por vir, os jogos da seleção brasileira na ocasião foram transmitidos ao vivo por dois canais da TV aberta, Bandeirantes e Globo. A Globo chegou a escalar até mesmo Galvão Bueno, seu principal locutor, para narrar a campanha brasileira.
O Brasil foi eliminado nas oitavas de final, perdendo por 2 a 1 para a França na prorrogação. O confronto gerou grande audiência para a Globo, que marcou 32 pontos de audiência em São Paulo —recorde absoluto da modalidade.
‘E o álbum da Copa de meninas?’
Ao conhecer o resultado da pesquisa do UOL, Bruno Maia, especialista em inovação e novas tecnologias de esporte e entretenimento, analisou: “A inserção das meninas se dá em muitos níveis. Hoje, nas maiores lojas esportivas fora do país, já há destaque às jogadoras. Isso forma uma nova geração de consumidoras”, disse ele, que é autor do livro “Inovação é o Novo Marketing”.
Maia usa uma situação familiar para explicar a decolagem do futebol feminino: “Tenho uma filha de 7 anos. Quando anunciei o álbum da Copa do Mundo, ela me perguntou: ‘E o álbum da Copa de meninas?’.
Tive que explicar que a Copa feminina será só no ano que vem e, mesmo sem saber se haverá um álbum, prometi que vamos dar um jeito de fazer um”.
“Ela exigiu isso para se envolver com o atual. É espontâneo nas novas gerações”, finalizou o especialista, destacando a facilidade da meninada em acessar entretenimentos diversos e reverter preferências que levaram décadas para se consolidar.
“Não é modinha não, a sente que trabalha com isso percebe o crescimento da modalidade entre os jovens e de uma maneira geral”, opina Arthur Elias, técnico do Corinthians. “Os clubes melhoraram suas estruturas e as competições estão em um nível bem acima do que já tivemos no passado.
As TVs, claro, percebem o filão e se mexem para seguir esta tendência.
A final do Campeonato Brasileiro feminino, no mês passado, entre Corinthians x Internacional, foi mostrada ao vivo pela Bandeirantes, na TV aberta, e pelo Sportv, na TV fechada. A Eleven Sports foi a responsável pela exibição na internet.
O campeonato mudará de casa em 2023, sendo mostrado com exclusividade pela Globo na TV aberta. No começo deste ano, a emissora anunciou acordo com a CBF, incluindo a compra dos direitos de transmissão do Brasileirão Feminino e da Supercopa Feminina. O novo contrato vai até o fim de 2024.
O futebol feminino também está em alta dentro da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), que pagou R$ 1 milhão de premiação para o campeão Corinthians e metade disso para o Inter. O valor é cinco vezes maior em relação ao ano passado, mas ainda bem abaixo do torneio masculino (R$ 33 milhões).
A decisão do Brasileiro feminino contou ainda com dois públicos expressivos. O Beira-Rio teve 36.330 pessoas, enquanto 41.070 pagantes estiveram na Neo Química Arena para comemorar o título do Corinthians.
Libertadores é exemplo
Depois do Brasileirão, encerrado no mês passado, o calendário feminino agora abre espaço para a Libertadores da América, disputada no Equador.
São três os representantes brasileiros: Palmeiras, Ferroviária e Corinthians, que enfrenta o Boca Juniors em um clássico sul-americano pelas quartas de final neste sábado (22), às 16h30 (de Brasília).
A transmissão é feita pela plataforma de streaming Pluto TV e pelo Sportv. Caso Corinthians e Palmeiras avancem às semifinais, a Globo estuda exibir as partidas na TV aberta.
O interesse pela modalidade se vê também na transmissão de outras competições continentais.
A ESPN e o Star+, por exemplo, mostraram a final da Eurocopa Feminina, com o título da Inglaterra em cima da Alemanha, com mais de 87.000 pessoas no mítico estádio de Wembley.
Os canais de esporte da Disney exibem os jogos da modalidade da Concacaf, a Copa da Rainha, a FA Cup, a Coppa Itália Feminina e os campeonatos nacionais da Inglaterra e Itália, além de levar ao ar um programa de análises na ESPN, o “Mina de Passe”, todas as sextas, às 21h (de Brasília).
Para a narradora Luciana Mariano, precursora nas transmissões do futebol feminino, ainda em 1997, o crescimento permite sonhar com um cenário que soava a utopia anos atrás: “Só vou me dar por satisfeita quando o torcedor souber escalar a seleção feminina brasileira de cabeça”.
A Copa delas
A Copa do Mundo masculina está logo aí, começando no mês que vem, no Qatar. A Copa do Mundo feminina também está no radar. Tanto foi assim que o sorteio dos grupos da competição das mulheres foi transmitido ao vivo pela TV Globo na madrugada de hoje (22).
A Copa feminina será disputada de 20 de julho a 20 de agosto do ano que vem, na Austrália e na Nova Zelândia. E a Globo, que detém os direitos com exclusividade, arma uma cobertura de fôlego, como provou a transmissão do sorteio. Contribui para isso o fuso horário, com os jogos ocorrendo na madrugada brasileira, sem a concorrência de outras atrações.
Será a primeira vez que a Copa do Mundo feminina terá 32 participantes, no mesmo formato da competição masculina.
“A pesquisa confirma a evolução do futebol feminino no país”, analisa Ricardo Perrone, colunista do UOL. “O desejo por uma maior cobertura coincide com o que a modalidade precisa para crescer de forma sustentável.”
“O próximo passo é fazer com que os jogos do Brasileirão e dos Estaduais femininos não tenham destaque na mídia só nas finais. Essa consolidação passa por mais respeito à modalidade, que precisa de horários decentes e conforto para os torcedores.”
Proibido por lei
Parece algo de outro mundo, não de outro tempo, mas o futebol feminino no Brasil, acredite se quiser, era proibido por uma lei nacional entre 1941 e 1979.
Mesmo liberado há mais de 40 anos, foi só em 2018 que a CBF instituiu, em regulamentos, que os clubes que jogam Libertadores, Sul-Americana e Série A do Campeonato Brasileiro tinham a obrigação de manter uma equipe feminina principal e de base.
Se o crescimento do futebol feminino desponta desde 2019, é inevitável encarar que tal explosão vem na sequência do investimento da CBF e das demais entidades que regem o futebol mundial, como a Fifa e a Conmebol.
“O futebol feminino pede passagem. Com o pouco que finalmente começou a receber, já fez muito”, analisa Milly Lacombe, colunista do UOL.
“Antes de mais nada, o Brasil revelou para o mundo a maior jogadora de todos os tempos. Depois, lutou sozinho contra preconceitos, discriminações e intolerâncias. Briga pela igualdade de valor de premiação, briga por mais respeito, briga por visibilidade. Mas para quem foi proibido de ser praticado por quase 40 anos, vamos aos poucos conquistando autonomia.”
Com informações do Uol