Vista de Manama, no Bahrein; a ideia é aumentar território com ilhas artificiais (Foto: Eugene Sergeev / Getty Images / iStockphoto)

Já virou tradição no Golfo Pérsico. Construir ilhas artificiais ou modificar a costa por meio de aterramentos é cada vez mais recorrente. Os Emirados Árabes Unidos são o caso mais famoso, com Palm Jumeirah, o arquipélago extravagante em forma de palmeira cujas primeiras casas foram entregues no longínquo 2006.

No mesmo ano, Doha, no Qatar, inaugurou seu aeroporto internacional sobre um aterro. Eleito o melhor aeroporto do mundo no ano passado, o Hamad ocupa um enorme espaço que equivale a cerca de 65% de toda a área da própria Doha.

Atualmente, o Irã estaria preparando uma ilha artificial. A Arábia Saudita anunciou a modernosa Oxagon, parte do polêmico, ousado, surreal e megalomaníaco projeto Neom, que já foi assunto aqui no Terra à Vista.

O Bahrein é um dos pioneiros no assunto. O reino árabe é um arquipélago no Golfo de Bahrein, tão pequeno que faz o vizinho Qatar, outro nanico, parecer enorme – a área do Qatar é mais ou menos o dobro da do Distrito Federal. Já a do país equivale à área urbana de Brasília. É 15 vezes menor que a qatari.

Em 1963, a então dependência britânica começou a modificar sua costa. Desde então, ganhou 113 quilômetros quadrados nessas manobras, o que, num país tão pequeno, significa uns bons 18% de ganho.

É como se o Brasil adicionasse um novo Pará ao seu território (haja boiada para passar).

Em 1950, segundo o atlas “Hammond’s”, o Bahrein tinha 647 quilômetros quadrados e 120 mil habitantes. Hoje, são 1,7 milhão de pessoas ocupando uma área de 760 quilômetros quadrados.

Al Muharraq, a segunda maior cidade do Bahrein e antiga capital, ocupa uma ilha que quadruplicou de tamanho em 60 anos. Agora, ecoando os planos ambiciosos de seus vizinhos, o país pretende erguer cinco novas cidades insulares que poderão aumentar a área do reino em absurdos 60%.

Trata-se de um plano ambicioso de US$ 30 bilhões para diversificar a economia. O Bahrein foi o primeiro país da região a descobrir petróleo, cujas reservas podem se esgotar ainda neste século. O país já vinha investindo em outras áreas, como finanças e nas indústrias química e naval.

A fim de se recuperar da pandemia, o reino quer acelerar essa diversificação econômica, de olho também no turismo. Entre os projetos de desenvolvimento estão a primeira linha de metrô e uma ponte de 24 km até a Arábia Saudita.

O governo afirma que todas as novas cidades serão sustentáveis e terão aeroporto, resorts e bairros de luxo (como sempre). No powerpoint, tudo lindo. “Gera valor”.

Acontece que não dá para criar esses novos terrenos do nada. Você precisa tirar terra de algum lugar e, em geral, o Bahrein draga águas costeiras rasas, que têm leitos de ervas marinhas importantes para a diversidade, pois fornecem abrigo e alimento para peixes e outros animais.

Duas das cinco novas ilhas-cidades ficarão sobre os maiores recifes de coral do Bahrein, que servem de casa para centenas de espécies, entre elas arraias e peixes-palhaços.

O país é considerado um destino alternativo, em ascensão, para mergulhadores. Com isso, então, o Bahrein pode estar ameaçando não só a própria biodiversidade, como um de seus atrativos turísticos.

A região de Al Muharraq já perdeu mais de 180 mil metros quadrados de recifes. O leito do mar foi bastante modificado para a dragagem, e a remoção de sedimentos deixou os corais desprotegidos. O lodo os cobriu, sufocando os pólipos.

Segundo um estudo divulgado este ano, as dragagens para aterramentos dos últimos 53 anos contribuíram um bocado para o extermínio dos mangues da baía de Tubli, ao sul da capital, Manama.

Entre 1967 e 2020, a região perdeu 95% dos manguezais. Em seu lugar, ganhou casas luxuosas de frente para o mar, de acordo com a “National Geographic”.

Não é nenhuma surpresa, portanto, a queda de diversidade de peixes. Das mais de 400 espécies, sobram menos de 50.

Isso afeta, é óbvio, a pesca, que, até o século 20, foi o motor da economia desse arquipélago. Há 4 mil anos, o Bahrein era um centro comercial que alimentava a rota Índia-Mesopotâmia.

Até os anos 1930, quando os japoneses apertaram a concorrência, o país era referência no cultivo de pérolas. Hoje, construções ligadas a essa prática ancestral, fazendas de pérolas e o forte Bu Maher, em Muharraq, constituem um patrimônio cultural da humanidade, de acordo com a Unesco.

Antes do petróleo, todos os homens do Bahrein trabalhavam ligados à pesca. Para aqueles que ainda tiram seu sustento dessa forma, ilhas artificiais e aterramentos estão longe de ser a boa notícia que os divulgadores do progresso amam compartilhar goela abaixo.

Hoje, pescadores precisam se arriscar cada vez mais longe da costa. Na última década, mais de 600 foram detidos nas águas do Qatar. Em 2014, um deles foi morto pela guarda costeira do país vizinho. É o preço que esse país paga: ao desejar e conquistar mais terra, acaba matando a própria água.

Com informações do Terra à vista / Uol