Crianças normalmente vão trabalhar no campo junto de familiares, diz ministério (Foto: Divulgação / Ministério do Trabalho e Emprego)

Dados obtidos com exclusividade pelo UOL junto ao Ministério do Trabalho e Emprego apontam que foram resgatados no país 980 crianças e adolescentes em condições de trabalho degradantes desde 2004 — ano em que os números começaram a ser tabulados pela pasta. Destes, 377 tinham menos de 16 anos e 603 entre 16 e 18 anos durante a operação do resgate.

Meninas e meninos trabalham com familiares

Crianças e adolescentes começam a trabalhar em condições degradantes normalmente pela necessidade de acompanhar os pais, segundo o governo federal. “Em período de férias escolares, é muito comum crianças acompanharem os pais nesses trabalhos”, afirma Maurício Krespy, chefe da Divisão de Fiscalização para Erradicação do Trabalho Escravo do MTE.

Nos alojamentos, mulheres são destinadas às funções de limpeza e trabalhos relacionados à cozinha, enquanto os homens, acompanhados das crianças e adolescentes, vão para os campos. “Filhos só ficam com as mães quando são muito pequenos.”

O trabalho infantil pode levar ao trabalho análogo à escravidão. “A criança que não está na escola é uma vítima potencial para o trabalho escravo na adolescência e na fase adulta”, afirma Krespy.

Café e pecuária empregam mais crianças

O cultivo do café e a criação de bovinos são as atividades que mais empregam crianças e adolescentes até os 18 anos. “Para aumentar a produtividade, emprega-se todo o núcleo familiar. É comum observar que onde existem fazendas de pequeno e médio porte de café, há também mão de obra infantil e escravizada”, afirma Rodrigo Carvalho, auditor fiscal do trabalho.

Ao menos 88 crianças foram resgatadas em trabalho análogo à escravidão no cultivo do café entre 2004 e 2022. A operação mais recente do MTE, em 26 de abril, foi em uma fazenda cafeeira no Espírito Santo —entre os 13 resgatados, dois eram adolescentes.

Na pecuária, as crianças trabalham em atividades consideradas secundárias, como preparação de terra e construção de cercas. Além do cultivo e da criação de gado, a mão de obra infantil é utilizada para outras atividades como extração de minerais, confecção de roupas, comércio, restaurantes, preparação de terrenos e construção de prédios e rodovias.

“Pais vaqueiros treinam filhos desde cedo. Flagrei situações em que uma criança de 8 anos estava aprendendo a conduzir uma boiada. Essa cultura ainda é bem difundida nas áreas de pecuária extensiva, como na Amazônia e no Pantanal”, relata Rodrigo Carvalho, auditor fiscal do trabalho.

‘Tinha medo de falar que estava com as mãos machucadas’

O UOL conversou com uma menina de 15 anos que foi resgatada em 26 de abril após quase um mês trabalhando no cultivo de café. Ela, o namorado, de 17 anos, e um grupo de trabalhadores foram flagrados em condições de exploração em uma fazenda no município de Sooretama, a cerca de 157 quilômetros da capital Vitória.

A jovem relata que recebeu a proposta de trabalhar na colheita de café por R$ 3 mil. Com o objetivo de aumentar a renda e ajudar a mãe a reformar a casa, decidiu interromper os estudos e aceitar a atividade temporária.

Ela relatou que trabalhava 12 horas por dia e não tinha acesso a água tratada nem condições adequadas de higiene. Os auditores verificaram ainda que não havia chuveiro com água quente, local para fazer refeições, tampouco lugar adequado para recolhimento do lixo.

Os fiscais relatam que adultos e adolescentes dividiam o mesmo alojamento, que tinha um quarto. “Havia apenas um banheiro e o local não oferecia segurança. Para se ter ideia, a menina ia trabalhar apenas de chinelo no meio do cafezal”, diz o auditor Carvalho, que coordenou a ação.

O veículo que transportou o grupo deixou o município de Itabuna, no sul da Bahia, em 7 de abril, com destino à cidade capixaba. Segundo o MTE, os salários e as condições de trabalho só foram informados aos empregados na chegada ao Espírito Santo.

Os adolescentes receberam adiantamento de R$ 400 para comprar alimentação. Contudo, o valor se transformou em uma dívida que os manteve em trabalho análogo à escravidão.

A menina de 15 anos e o namorado, de 17, trabalharam juntos na colheita do café. O casal recebeu R$ 170 pela primeira semana de atividade. Depois, o valor foi reduzido para R$ 70.

“Acordava às 3h e começava a trabalhar às 4h30. Aí, eu ia até as 17h. Era um trabalho muito pesado, muito ruim. Eu ficava com medo de falar que estava com as mãos machucadas porque tinha que trabalhar de qualquer jeito”, lembra menina resgatada de condição análoga à escravidão.

Punições a empregadores

Crianças e adolescentes resgatados em condições análogas à escravidão recebem o seguro-desemprego, assim como no caso dos adultos submetidos à exploração. Os valores são pagos pelo Ministério do Trabalho e Emprego.

Em situações de trabalho proibido ou de piores formas de trabalho infantil, o empregador é autuado pelos auditores fiscais do trabalho. Nesses casos, a infração pode ser convertida em multa.

Caso seja constatado também trabalho análogo à escravidão, o empregador é autuado e pode ser multado. O nome da empresa poderá constar na Lista Suja do Trabalho Escravo — sistema do governo federal para cadastrar infrações.

O MTE lembra que há certificações que indicam empresas não utilizam mão de obra infantil. “O problema é que nem sempre isso é respeitado. Existe uma carência de mão de obra em função do êxodo rural. No período da colheita, os proprietários das fazendas utilizam qualquer tipo de mão de obra.”

“Já encontrei crianças que estavam tão imersas no trabalho análogo à escravidão no campo que nunca tinham ouvido a música ‘Parabéns pra Você’. O que mais indigna é ver um adulto supervisionando o trabalho escravo de uma criança”, lamenta Maurício Krespy, chefe da Divisão de Fiscalização para Erradicação do Trabalho Escravo do TEM.

Com informações do Uol