Cá estou preocupado, ansioso, medroso, vaidoso, amarrado pelo padrão social, trancado em casa e gastando energias de tanto trabalhar somente para obter alimentos. Lá está ele, calado, soberbo, livre, passeando, comendo e dormindo, uma felicidade. O Océlio é um ser que não tem as minhas preocupações, os meus desejos, muito menos os meus deuses e algozes. Não está nem aí para o cenário fratricida da política, e ainda parece querer ensinar a todos a maneira divertida e feliz de ser. É o único que faz a minha mãe gargalhar!
Claro que o ser homem sempre foi movido pela busca de conquistas, de status, de aprisionar o outro, impondo-lhe regras e penalidades, padrões econômicos e de hierarquias, ensinar ao universo aquilo que ele não acredita. A morte sempre foi um desespero. A busca pela eternidade sempre esteve presente. O ser humano teve e tem uma capacidade enorme de lutar a vida inteira por aquilo que não levará quando falecer: “do pó ao pó”.
O Océlio é bem diferente. Com seu jeitão simples mostra-se indiferente às nossas lamentações, só pensa no seu conforto e odeia hierarquia. Enquanto, toda a humanidade está em pânico por causa do coronavírus, ele está calmo. Distante dos nossos valores, nunca teve interesse em acumular comida e nem escravizar o seu semelhante. Tão pouco tem preocupação com a morte, com a finitude.
Enquanto eu adoro paparicar passarinhos com bananas e mamões caros, o Océlio leva terror aos pássaros e, também, às borboletas e aos cachorros dos vizinhos. Não trabalha, mas gosta de atrapalhar quem trabalha. E ainda quer atenção total na hora da comida.
Mas possui algumas qualidades que reconheço. Anda sempre bonito, lava-se o tempo todo, gosta de receber e de dar carinhos. Chora quando quer amar e não gosta de ser mandado. É capaz de subir em árvore somente para se exercitar e é sempre um bom ouvinte.
Na semana passada, na leitura dos jornais diários, o Océlio ficou perto de mim. Ele, com um olhar de ternura e, eu, sempre irritado com as manchetes: fura-fila na vacinação na cidade de Manaus, pessoas morrem nos hospitais por falta de oxigênio, Tribunal de Contas compra carros de luxo, cresce o número da pobreza no País e o presidente diz que não tem obrigação de levar oxigênio à Manaus.
A minha mãe adora ele, dá muitas gargalhadas com suas travessuras. O gato Océlio, é sua companhia, sua terapia e fonte de suas preocupações. Foge, aparece, pula e usa seu longo rabo para acariciar as doloridas pernas dela. Nada acontece sem uma citação das suas manias. Parece que está sempre aconselhando: “essa vida dolorosa foi escolha de você”.
Os gatos e outros animais são exemplos que nos ensinam o sentido da vida, de viver bem, com simplicidade e que nem tudo no reino animal se resume à ganância, à submissão e ao medo de estar vivo.
O filósofo inglês John Gray entende que o ser humano viveria melhor se aprendesse com os gatos a construir relações sociais sem angústias, sem preocupação em conquistar poder e sem medo da morte, buscando a felicidade nos pequenos gestos.
Não sei. Não conheço da filosofia felina do gato. Mas não deixo de agradecer ao Océlio pelas gargalhadas que provoca na minha mãe, num mundo de tanta angústia, dor e sofrimento.
Carlos Santiago – Sociólogo, Analista Político e Advogado