O Brasil assumiu na semana passada um dos dez assentos rotativos do Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU). Esta é a 11ª vez que o país integra o colegiado, depois da última participação no biênio 2010-2011.
O órgão é formado por 15 países, sendo 5 permanentes (Estados Unidos, Rússia, França, Reino Unido e China) e 10 eleitos para mandatos de dois anos.
Em meados de 2021, o Brasil foi escolhido para integrar a parte rotativa do conselho em 2022 e 2023.
Como membro não permanente, o país não terá poder de veto, mas participará de todas as votações e poderá fazer campanha para incluir temas que considere importantes na pauta de discussões.
Segundo o ex-embaixador e conselheiro do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri) Gelson Fonseca Junior, o Brasil ganha mais relevância nas Nações Unidas com o novo posto.
“Mesmo os membros não permanentes costumam ser procurados por outras delegações para dar opinião, discutir assuntos que são de interesse geral”, diz o diplomata, que serviu junto às Nações Unidas em Nova York entre 1999 e 2003.
“Além disso, os cinco integrantes definitivos buscam conquistar votos entre os demais membros.”
Com o privilégio, porém, vêm responsabilidades. O Conselho de Segurança é o órgão responsável por decisões sobre a paz e a segurança internacional e por isso é considerado o mais importante da ONU.
Os membros do colegiado autorizam sanções econômicas, missões de paz e o uso da força.
As posições tomadas no conselho costumam impactar a postura adotada por boa parte dos países do mundo.
Busca por confiança e credibilidade
Mas o Brasil deverá enfrentar o desafio de recuperar a confiança da comunidade internacional após a adoção de políticas isolacionistas pelo governo de Jair Bolsonaro (PL).
“Os aportes do Brasil não podem destoar da dinâmica básica do órgão ou sequer serão considerados”, diz Hussein Kalout, ex-secretário especial de Assuntos Estratégicos da Presidência da República e conselheiro do Cebri.
“Isso é especialmente verdade porque o país conseguiu se desvalorizar em muitas questões e se tornou quase que um rejeitado internacional.”
Kalout avalia que a volta do Brasil ao conselho não se deu como um reconhecimento das ações do atual governo na cena internacional.
“O novo mandato do Brasil não muda a percepção da disfuncionalidade do governo Bolsonaro”, diz.
Desde que assumiu o cargo em 2018, Jair Bolsonaro se envolveu em diversas polêmicas globais por temas ligados à pandemia e ao meio ambiente.
Também causou controvérsia por seu alinhamento político, religioso e ideológico com países comandados por governos conservadores e por adotar políticas mais isolacionistas, espelhando-se nas ações tomadas pelo ex-presidente Donald Trump nos Estados Unidos.
Havia uma preocupação de que o país poderia sofrer algum tipo de reprimenda na votação que confirmou sua participação no conselho no biênio 2022-2023.
Mas isso não ocorreu, e o Brasil foi eleito com 181 votos (dos 193 possíveis) na 75ª Assembleia Geral da ONU.
Outros quatro países foram escolhidos na mesma ocasião: Gana, Gabão, Emirados Árabes e Albânia. Índia, Irlanda, México, Quênia e Noruega completam o rol de membros não permanentes do colegiado.
A escolha de um país para integrar o Conselho de Segurança se dá por meio de negociações entre os membros dos grupos regionais das Nações Unidas (África, Ásia-Pacífico, Europa Oriental, América Latina e Europa Ocidental).
A vaga ocupada pelo Brasil pertencia ao grupo Grulac, formado por 33 países da América Latina e Caribe, e a diplomacia brasileira negociava desde 2015 a possibilidade de assumir o posto.
Originalmente, Honduras deveria assumir a vaga em 2022, mas o país cedeu seu lugar em troca do apoio brasileiro para a eleição de sua embaixadora na ONU como presidente da Assembleia Geral.
Desarmonia entre os membros
O desgaste na relação com as principais potências do conselho também pode pesar contra o Brasil.
Desde que assumiu a Presidência, Bolsonaro e outros membros de seu governo entraram várias vezes em choque com os governos da França, China e Estados Unidos por declarações controversas.
Em agosto de 2019, por exemplo, o presidente brasileiro trocou acusações públicas com Emmanuel Macron depois de o presidente francês criticar um aumento no desmatamento da Amazônia.
Em 2020, Bolsonaro foi o último chefe de Estado a reconhecer a vitória de Joe Biden nos Estados Unidos e chegou a insinuar que Donald Trump seria o vencedor do pleito.
“Está claro que Bolsonaro e Biden têm visões de mundo muito díspares”, diz Kalout.
As tensões políticas entre Brasil e China, com declarações repetidas de Bolsonaro e pessoas do seu entorno contra o país asiático, completam o quadro de tensão.
A desarmonia com alguns dos membros permanentes pode ser um problema no momento de angariar votos a favor de questões caras ao governo brasileiro.
Porém, quando há interesses específicos em jogo, os membros do conselho podem agir de forma mais pragmática para alcançar seus objetivos, encorajando o Brasil a fazer o mesmo.
“China, França e Estados Unidos podem não endossar propostas brasileiras que fujam do consenso internacional”, opina Kalout.
“Ao mesmo tempo, esses países podem precisar do apoio do Brasil em votações importantes.”
Assuntos espinhosos
Para além de qualquer antipatia, estar no Conselho de Segurança significa discutir e votar temas complexos.
E, se o Brasil evitou no passado se pronunciar sobre alguns desses conflitos, a partir de agora precisará tomar posição.
É difícil prever exatamente quais debates serão priorizados pelo colegiado nos próximos dois anos, mas não há dúvidas de que o grupo fundamentalista islâmico Talebã no Afeganistão e as sanções e restrições nucleares ao Irã estarão na pauta.
Conflitos políticos e tribais na África também têm chamado cada vez mais a atenção da ONU, em especial os conflitos entre grupos rivais no Sudão e as violações de direitos humanos na Etiópia.
Quando o assunto é a Ásia, podem ser aprovadas resoluções para condenar a violência contra a minoria muçulmana rohingya em Mianmar.
Mas, segundo o embaixador Ronaldo Costa Filho, atual chefe da missão brasileira na ONU em Nova York, o foco do Brasil no biênio será o debate de questões relacionadas à América Latina, especialmente sobre Haiti e Colômbia.
O país da América Central vive atualmente uma profunda crise política, com o assassinato do presidente Jovenel Moise em julho de 2021 e o controle crescente das quadrilhas sobre o território nacional.
No passado, o Brasil exerceu papel essencial para controlar a situação por lá, mediando negociações e enviando missões de paz.
“O Brasil terá como prioridades a prevenção e a solução pacífica de conflitos, a eficiência das missões de paz e das respostas humanitárias às crises internacionais, a consolidação da paz mediante ações voltadas para o desenvolvimento, o respeito aos direitos humanos e a maior participação das mulheres nas ações de promoção da paz e da segurança internacionais”, disse o Itamaraty em nota divulgada logo após a eleição do Brasil para o conselho.
Para o ex-embaixador Gelson Fonseca Junior, algumas das posições tomadas no conselho podem se refletir na relação do Brasil com outras nações ou até internamente.
Foi o que aconteceu em 1965 quando o governo brasileiro apoiou a força montada pela Organização dos Estados Americanos (OEA) para preservar a paz na República Dominicana, mergulhada na época em uma guerra civil, para honrar a aliança com os Estados Unidos.
A ação, aprovada no âmbito da OEA, teve muita resistência de vários membros da organização e desagradou até mesmo grupos divergentes dentro do Brasil.
“Situações semelhantes já aconteceram com outras nações no Conselho de Segurança e podem voltar a ocorrer com o Brasil”, diz o diplomata.
Busca por assento permanente
A diplomacia brasileira almeja há anos que o país seja um membro permanente. O Brasil integra o G4, grupo formado também por Japão, Alemanha e Índia, que defende mudanças no órgão da ONU.
Em setembro, o ministro de Relações Exteriores, Carlos França, se reuniu com os demais chanceleres do G4 para discutir formas da petição se tornar realidade o mais rápido possível.
O grupo trabalha para o lançamento das negociações e de um documento único e consolidado, que servirá de base para o projeto de resolução.
Analistas concordam, porém, que a demanda por uma reforma não faz parte da pauta do conselho.
“A inclusão de novos membros permanentes depende totalmente da vontade dos países que já estão na mesa de fazer concessões, e, ao que parece, os atuais não querem discutir nenhuma reforma”, diz Kalout.
Os cinco membros permanentes do conselho foram escolhidos, segundo a própria ONU, “com base em sua importância após a Segunda Guerra Mundial”.Para Fonseca Junior, uma mudança na seleção requer uma conjunção de fatores tão específica e relevante como a de 1945.
“Após o fim da guerra, considerou-se que esses países tinham legitimidade para formar o conselho e liderar”, diz.
“A reforma continua a ser tentada, mas é difícil imaginar cenário favorável para que aconteça no curto ou médio prazo. O problema é construir de forma negociada fatores que impulsionem a mudança.”
*Com BBC News Brasil