O número de brasileiros deportados dos Estados Unidos atingiu seu maior patamar nos sete primeiros meses de 2022, com 2.423 cidadãos expulsos em 19 voos fretados pelo governo americano, segundo informou ao Globo a Polícia Federal.
O volume é comparável ao total de pessoas que tiveram de deixar aquele país no ano passado: 2.447. Se em 2021 a média foi de 204 deportados por mês, em 2022, até julho, está em 346, uma alta de 69%.
Segundo especialistas, a maioria dos deportados foi para Minas Gerais e São Paulo. As razões para a alta são principalmente econômicas, mas também pesam o maior rigor na fiscalização das autoridades migratórias com a pandemia de Covid-19 e uma mudança na lei brasileira, em 2019.
O Brasil firmou um acordo com o governo americano que dispensou a necessidade de o brasileiro deportado ter passaporte. O documento passou a ser substituído por uma declaração que comprova a nacionalidade original da pessoa.
O presidente Jair Bolsonaro, na época, atendeu a um pedido do então presidente americano Donald Trump. Mas a eleição de Joe Biden não abrandou o sistema de detenção de ilegais e a deportação.
Mauricio Ejchel, advogado que atende casos de brasileiros tanto nos Brasil quanto nos EUA, afirma que as condições no tratamento dessas pessoas são “sub-humanas em todos os momentos”, desde a detenção ao confinamento nas prisões e no retorno, quando voltam algemados.
“Pouco fornecimento de comida, superlotação nas celas e tratamento rude pelas autoridades são relatos que pude apurar”, conta.
O tratamento dos brasileiros é um fator de irritação nas relações entre Brasil e EUA. Os governos dos dois países conversam há algum tempo sobre o assunto, mas não há avanços.
Segundo uma fonte diplomática, os brasileiros estão sendo detidos com ordem definitiva de deportação. Assim, é melhor voltar do que ficar em prisões com desconhecidos e longe dos parentes.
“Com a situação da Covid, os EUA adotaram a “expulsão rápida” (Unlawful Expedite Removal, em inglês), que, para a lei americana, não conta nas estatísticas do número de extradições”, diz Ejchel.
O advogado Telêmaco Marrace destaca que a migração para os EUA sempre atraiu brasileiros. Mas o estopim continua a ser a situação atual do país, com desemprego ou subemprego.
“É um caldeirão de falta de oportunidades e baixo salário, e uma ilusão de que além da fronteira a vida irá melhorar. Ocorre que essas pessoas com baixa qualificação são enganadas por “atravessadores” que fomentam essa ideia”, enfatizou.
Telêmaco acrescenta que nenhum país está conivente com fluxo migratório irregular. Há um aumento substancial na deportação, que coincide com a intensificação do fluxo migratório.
Sueli Siqueira, pesquisadora da imigração e professora da Universidade Vale do Rio Doce, lembra que uma prática que tem se tornado comum é o migrante, normalmente acompanhado com a família, entregar-se às autoridades americanas no momento em atravessa a fronteira. Isso tem acontecido com pessoas de várias nacionalidades, não apenas brasileiros, ressalva.
Advogada de imigração que atende brasileiros nos Estados Unidos, Renata Castro reforça que um grande número de pessoas deportadas é pego na fronteira. E as pessoas precisam convencer as autoridades que estão correndo risco se ficarem no Brasil.
“Muitos dizem que vieram buscar emprego, ou têm medo de morrer no Brasil por causa da violência”, enumera.
Em 2019, a agente comunitária de saúde Deivyane Helena Ferreira Claudino deixou a cidade em que morava em Minas Gerais, foi até Belo Horizonte, pegou um avião até o Rio de Janeiro, depois um outro voo até o Chile, e um outro até a Cidade do México. De lá, entrou em um ônibus e viajou durante várias horas até Ciudad Juarez, na fronteira com os EUA.
Deivyane atravessou um riacho com o filho, então com 10 anos, e se entregou aos guardas americanos. Ficou com outras mulheres e crianças em uma tenda. Os homens ficaram separados.
“Deixei nossos pertences com os guardas e vestimos roupas que nos ofereceram. Fomos examinados por médicos, pegamos colchonete e um cobertor de flanela. Ficamos três dias na tenda.”
De lá, eles foram levados para uma prisão no Texas, onde ficaram dois meses. Em uma audiência com um juiz, contou que queria uma vida melhor. Foi reprovada.
“Eles costumam liberar a entrada de pessoas que sofrem perseguição política, racismo, homofobia ou por discriminação por religião. Não fui preparada e falei a verdade. Fui deportada”, disse.
Deivyane conta que não sofreu maus tratos. Mas se aborreceu quando decidiram aplicar sete vacinas em seu filho, que estava com a carteira de imunização em dia. Foi a única deportada, no voo que a deixou em São Paulo, e não foi algemada. Disseram que ela poderia tentar voltar para os EUA em cinco anos.
“Não faço isso nunca mais”, afirmou.
183 apreendidos
Outra brasileira, também deportada em 2019 e que pediu para não se identificar, por ter deixado a família nos EUA, conta que foi delatada para as autoridades americanas por uma conhecida que queria seu emprego. Foi detida na lanchonete e ficou 28 dias presa, até que seus parentes foram avisados pelo consulado brasileiro na cidade onde morava.
“Meu marido e nossos dois filhos continuam lá. Ele não consegue sair, não tem dinheiro”, diz.
Atualmente, o Itamaraty acompanha a situação de 183 brasileiros apreendidos em dois grupos que saíram de Tijuana, no México, e tentavam chegar a San Diego, na Califórnia, nos dias 23 e 26 de julho.
No dia 22 de julho, um brasileiro foi resgatado de um canal no bairro de Ysleta, na cidade americana de El Paso. Ele havia se jogado no canal no município mexicano de Ciudad Juarez, acompanhado de um equatoriano. Os dois foram resgatados por uma corda a 2,4 km de onde saltaram.
*Com Agência O Globo