
O ex-policial militar Ronnie Lessa afirmou em sua delação premiada que não trabalhava como assassino de aluguel. Réu confesso pela morte da vereadora Marielle Franco e seu motorista Anderson Gomes, ele disse que aceitou cometer o crime para se tornar sócio da família Brazão em uma milícia.
A frase foi dita aos investigadores durante o segundo depoimento que prestou para detalhar como foi convidado, segundo seu relato, pelo conselheiro do TCE-RJ Domingos Brazão e o deputado federal Chiquinho Brazão (sem partido) para cometer o crime. Os dois negam.
“Então eu quero deixar claro, doutor, que, ali, eu não fui contratado para matar. Eu não sou um matador de aluguel. Eu fui contratado para ser sócio e para ocupar a área”, afirmou ele, em vídeo da colaboração obtido pela Folha.
Como a Folha mostrou na semana passada, a delação de Lessa se concentrou apenas em casos nos quais ele já responde na Justiça. Ele negou ter sido contratado pelo ex-vereador Cristiano Girão para matar um miliciano, bem como negou ter atuado como segurança do bicheiro Rogério Andrade.
Ele também disse ter participado do planejamento para a morte da então presidente da escola de samba Salgueiro Regina Céli. O ex-PM afirmou que o serviço faria parte de sua contratação junto à equipe de policiais ligados ao bicheiro Bernardo Bello.
Ele disse ter “empurrado com a barriga” o homicídio de Regina para evitar “se queimar” antes do homicídio de Marielle, pela qual ele tinha uma promessa “de ficar rico”.
“Porque a questão é, por mais que eu não soubesse quem ainda é Marielle, mas eu sabia que tinha uma coisa para ficar rico. Eu não vou me queimar por besteira se tem uma coisa para ficar rico. Então falei: ‘Macalé…’ Eu fui empurrando, empurrando.”
De acordo com PF, os irmãos Brazão encomendaram o crime como ápice das desavenças com políticos do PSOL. O estopim teria sido a atuação de Marielle contra a regularização de loteamento irregulares, negócio no qual a família atuava, segundo as investigações.

Lessa afirma que receberia em troca a autorização para explorar um terreno entre as zona oeste e norte, no bairro do Tanque, que se chamaria “Nova Medellín” Além da exploração de uma milícia no local, o ex-PM afirma que os Brazão tinham interesse em ampliar sua área de influência política por meio do ex-PM Edmilson de Oliveira, conhecido como Macalé.
“Eles não tinham o mínimo ali. Nada. Eles não tinham gerência nenhuma ali. Eles não tinham predominância política ali. E o Macalé sendo uma pessoa altamente popular, […] tinha um perfil político”, disse ele.
O ex-PM afirmou que seu papel na sociedade era o bom transito dentro das polícias Militar e Civil, corporações em que atuou por mais de uma década em cada.
“Trabalhei dez anos na Polícia Civil e dez anos na PM. Todas as pessoas [com] que eu trabalhei na época, os oficiais que eram tenentes, são coronéis. Chegaram a altos cargos. Todos os delegados que eu vi novinhos, hoje são delegados, são chefes de polícia. Então, o meu acesso era ótimo, até eu ser preso.”
Em vídeo divulgado pelo Fantástico, Lessa estimou em US$ 10 milhões o faturamento com o empreendimento irregular. Contudo, no depoimento, o ex-PM minimizou o valor para os irmãos Brazão.
“Se a gente for colocar simplesmente os valores em si, na mesa, para eles não é nada. Eles fazem isso há 30 anos. Tanto o Chiquinho, quanto o Domingos”, disse ele.
A vereadora foi assassinada no bairro Estácio, centro do Rio, por volta das 21h30 do dia 14 de março de 2018. Seu veículo foi atacado a tiros quando ela voltava de um encontro com mulheres negras na Lapa, também no centro, a cerca de 4 km dali.
Marielle estava no banco de trás com sua assessora, que sofreu ferimentos leves. Na frente estava o motorista Anderson Gomes, 39, que também morreu. Após os disparos, os criminosos fugiram do local em disparada, sem roubar nada.
Os suspeitos negam envolvimento no crime. O deputado Chiquinho Brazão afirmou que tinha “ótima relação” com Marielle quando era vereador e minimizou a divergência apontada pela PF em relação a um projeto dele para flexibilizar regras de regularização de terras no Rio.
