Donald Trump na Casa Branca - Foto: Kevin Lamarque / Reuters

Internamente, os juros em 15% ao ano mantêm o dólar sob controle. A maior taxa Selic desde 2006 atrai investimento estrangeiro, que enche a economia de dólares e valoriza o real. “É atrativo trazer recursos para o Brasil, onde se consegue 15% ao ano de rendimento”, diz Otávio Oliveira, do banco Daycoval.

No resto do mundo, o dólar também cai. A moeda americana perdeu força em 24 das 27 grandes economias, com destaque para o rublo, da Rússia: -24,2% até 24 de setembro. Na Zona do Euro, a queda foi de 11,4%, enquanto o peso mexicano desvalorizou 11,3%, segundo levantamento da consultoria Elos Ayta.

O dólar também derrapa quando comparado a seis das moedas mais fortes do mundo. A queda em relação a euro, iene, libra, dólar canadense, coroa sueca e franco suíço foi de 10,6% neste ano, segundo o sistema DXY, índice criado em 1973 para medir a força do dólar, que havia substituído sua vinculação ao ouro pelo câmbio flutuante. O valor base do DXY é 100: acima desse número, o dólar está valorizado; baixo, está desvalorizado. Em 2025, a queda foi de 109,6 para 97,9, o menor nível desde fevereiro de 2022 (96,6), em plena pandemia.

A valorização do ouro em relação ao dólar também dispara. Seu valor saltou 32% em um ano, de US$ 2.500 a onça (31,1035 gramas) em agosto de 2024 para US$ 3.300 no mês passado. O metal é considerado um porto seguro para investidores, que compram mais quando o dólar enfraquece.

Além disso, o mundo vem diminuindo as reservas em dólar. Elas atingiram US$ 12,5 trilhões no primeiro trimestre de 2025, com 57,7% em dólar. Em 2015, as reservas eram de US$ 15,5 tri (corrigido pela inflação dos EUA), com participação de 64,8% do dólar, segundo o FMI. “Os bancos centrais estão reformulando suas políticas de reserva, olhando para ativos diferentes, como o ouro”, diz o economista Jorge Ferreira dos Santos Filho, professor de Administração da ESPM.

Dólar fraco é estratégia de Trump

O enfraquecimento do dólar este ano é atribuído a uma estratégia do próprio presidente dos EUA: o tarifaço. As sobretaxas impostas a produtos de centenas de países “geraram grande incerteza nos mercados globais, afetando o sentimento de risco e contribuindo para a desvalorização da moeda”, diz Bruno Shahini, especialista em investimentos da Nomad.

Idealizado por Trump ainda na campanha presidencial, o tarifaço pretende atrair investimentos. A ideia é que as sobretaxas substituam a Ásia pelos EUA como destino de matéria-prima para bens industrializados. Para Oliveira, do Daycoval, a política de América em primeiro lugar é para que os EUA mudem um pouco do que acontece no mundo desde a década de 1970, quando a China desenvolveu políticas para o setor, assumiu o protagonismo de potência industrial e se abriu para o comércio internacional.

“Trump estaria por meio dessa política tarifária desvalorizando o dólar em relação a outras moedas para promover um ambiente mais favorável ao investimento produtivo dentro dos EUA.” afirmou Otávio Oliveira, economista.

Foto: Mansoreh Motamedi / GettyImages

Para Trump, os déficits comerciais prejudicam a economia americana, e um dólar mais fraco ajudaria a corrigi-los. A intenção é aumentar as exportações e reduzir as importações, explica Shahini.

De fato, déficits seguidos na balança comercial vêm enfraquecendo a moeda americana. Isso acontece porque mais dólares deixam os EUA para bancar as importações. O déficit americano, de US$ 73,1 bilhões em junho do ano passado, quase dobrou em nove meses, chegando a US$ 140,5 bilhões em março deste ano. No mês seguinte, Trump anunciou o tarifaço, reduzindo as importações e derrubando o déficit para US$ 61,5 bilhões em abril. O último balanço divulgado indica rombo de US$ 78,3 bilhões em julho, um mês antes da elevação das sobretaxas do tarifaço.

Com as novas tarifas, a inflação também persiste nos EUA, desvalorizando o dólar. A inflação mensal subiu para 0,2% entre julho e outubro do ano passado. Quando Trump foi eleito, em novembro, a inflação foi a 0,3%, a 0,4% em dezembro e a 0,5% em janeiro, segundo o Bureau of Labor Statistics. Desde então, ela varia entre 0,3% e 0,4% ao mês, o que obrigou o Fed a manter a taxa de juros inalterada até este mês, quando cortou 0,25 ponto percentual porque o desemprego aumentou. A meta da inflação nos EUA é de 2% em 2025, mas em 12 meses está em 2,9%, acima dos 2,7% de julho.

O dólar será substituído?

Apesar da instabilidade do dólar, ele continuará a moeda que movimenta o mundo. “Cerca de 50% das exportações mundiais são faturadas em dólares, em comparação com 30% em euros e menos de 3% em yuan chinês. Nos sistemas de pagamentos, cerca de 45% das transações são em dólar”, diz Thiago Costa Azevedo, sócio da Guardian Capital. “Existe uma vasta predominância do dólar.”

O gigante mercado de títulos americano absorve aplicações de países, bancos e empresas. “Já na área comercial, tem havido diversificação mais rápida”, pondera Antonio Corrêa de Lacerda, professor de pós-graduação em Economia da PUC-SP e ex-presidente do Conselho Federal de Economia.

Nem a ameaça de o Brics criar uma moeda comum assusta. “Não tem a mínima chance de aparecer uma moeda que se contraponha ao dólar. Isso não seria conveniente a ninguém, nem aos chineses”, diz Paulo Feldman, professor da Fia Business School, sobre o bloco liderado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul. “A China tem cerca de US$ 5 trilhões aplicados no tesouro americano. Ela não vai querer ter problemas com o dólar.”

Como fortalecer o real?

Para o real depender menos dos humores do dólar, “é preciso um crescimento do PIB acima do crescimento da dívida”, diz o professor da PUC. Em julho, a dívida do setor público consolidado atingiu R$ 9,6 trilhões, 77,6% do Produto Interno Bruto, segundo o Banco Central.

Mas o problema não é do déficit primário, quando o governo gasta mais do que arrecada. “Esse déficit é muito pequeno, apenas 0,3% do PIB”, afirma o professor Paulo Feldmann. O que realmente faz a dívida crescer, explica ele, é o pagamento anual de juros. “Este ano, os juros da dívida somarão R$ 1 trilhão, quase 8% do PIB. É isso que aumenta a dívida”, diz ele sobre o chamado déficit nominal, considerado um dos maiores do mundo. O governo é responsável por pagar esses juros aos investidores que compram títulos públicos.

“Todo mundo que compra título público a 15% ao ano [taxa Selic] quer receber. Quem paga isso é o governo federal.” afirmou Paulo Feldmann, professor.

*Com informações de Uol