O ano foi marcado pela diminuição dos índices de desmatamento e pela intensificação da fiscalização frente aos danos contra a floresta amazônica. Esse é o balanço do primeiro ano da gestão Lula, que de janeiro a novembro registrou 6.286 autos de infração contra a flora do bioma Amazônia – 40,7% mais autuações do que o aplicado no mesmo período do ano passado (4.466). Esses processos geraram o montante de R$ 3 bilhões em multas aplicadas, superando os R$ 2,6 bi do ano anterior.
Os dados, obtidos pelo Terra por meio do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA), são referentes à atuação do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio).
No caso do Ibama, até novembro deste ano, foram 4.862 autos contra a flora na Amazônia. Já o valor das multas foi de R$ 2,6 bi. Já no ICMBio, se tratando de casos registrados em unidades de conservação federais, foram 1.424 autos de infração e R$ 375,6 milhões em multas aplicadas.
Os resultados da atuação dos órgãos neste ano, se comparados aos índices do governo Bolsonaro (PL), representam avanços no fortalecimento de políticas ambientais. O destaque vai para os autos registrados pelo Ibama, que aumentaram em quase 2 mil – já o montante de multas aplicadas aumentou em cerca de R$ 700 mi.
No caso do ICMBio, houve redução no número de autos de infração — foram mais de 100 a menos. Queda que também impactou o valor total de multas aplicadas, com R$ 360 milhões a menos sendo cobrados. Já com relação aos embargos, o ICMBio teve uma alta mais expressiva do que o Ibama – registrando 928 embargos, contra 591 em 2022. No Ibama, foram computados 3.357 embargos, em comparação aos 3.009 do ano passado.
Em paralelo aos trabalhos de fiscalização, é estimada uma redução de 22,37% no desmatamento da Amazônia Legal neste ano (9 mil km²), em comparação ao ano passado, segundo nota técnica divulgada pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). O pico de áreas desmatadas dos últimos anos foi entre 2020 e 2021, com 13 mil km², conforme indica o Projeto de Monitoramento do Desmatamento na Amazônia Legal por Satélite (Prodes).
Para quem está na ‘ponta’, melhorou?
Nas últimas semanas, enquanto o Brasil se posicionou como protagonista e defensor de compromissos internacionais por um futuro sustentável, compartilhando avanços e compromissos na pauta ambiental na Conferência das Nações Unidas Sobre Mudanças Climáticas (COP-28), mais de 1500 servidores do Ibama e do ICMBio pediram por melhores salários e condições de trabalho em carta direcionada às agências federais.
“Nós, servidores e servidoras dos órgãos públicos responsáveis por tais resultados, seguimos sem avanços nas discussões acerca da reestruturação de nossa carreira, que há 10 anos não recebe a devida atenção do Estado”, escreveu a Associação Nacional dos Servidores Carreira de Especialista em Meio Ambiente (Ascema), em manifesto compartilhado no último dia 30.

A entidade, que representa a classe, explica que desde setembro o atual governo iniciou um processo de negociação com diversas carreiras do executivo federal, dentre as quais a carreira de meio ambiente foi elencada como prioritária. Mas denuncia que desde a primeira reunião sobre o tema, em outubro, quando foi apresentada e detalhada a proposta de reestruturação e recomposição salarial elaborada pelos servidores, o Ministério de Gestão e Integração, pasta responsável pelo processo negocial, não se manifestou mais.
“Tal situação tem impactado de forma significativa o ânimo e a moral dos servidores, que se sentem enganados e, novamente, abandonados pelo novo governo. Os resultados obtidos em tão pouco tempo foram realizados sem investimentos adicionais em recursos materiais ou humanos e com baixo orçamento, mas com enorme esforço, empenho e dedicação das servidoras e servidores, que têm dedicado suas vidas à manutenção do meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida”, completou a Ascema.
À Reuters, o presidente do Ibama, Rodrigo Agostinho, nomeado por Lula, comentou que as reivindicações dos trabalhadores são justas, mas que o trabalho no setor tem sido feito com limitações. “O Ibama foi desmontado e nós estamos remontando.”
Segundo descrito na nova versão do Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDam), publicado em janeiro deste ano e agora em sua 5ª fase, enquanto em 2010 o Ibama chegou a contar com mais de 1300 fiscais para todo o Brasil, em 2023 contabilizam-se somente 723. A meta é de que, até 2027, sejam contratados 1600 analistas ambientais para os órgãos ambientais por meio de concurso público, para atuação no combate ao desmatamento até 2027.
O dinheiro arrecadado com as multas alavanca o setor?
Para o ano que vem, segundo o Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA), o Ibama deve receber cerca de R$ 1,8 bilhões e o ICMBio R$ 876,2 milhões. Mas, nesses valores, não estarão recursos arrecadados com multas ambientais, fruto do trabalho dos respectivos órgãos.
Isso porque o dinheiro é convertido, principalmente, ao Fundo Nacional de Meio Ambiente (FNMA), que, no Ministério do Meio Ambiente, é usado como uma das principais fontes do “sacrifício fiscal”. É o que aponta Alessandra Cardoso, doutora em Economia, Espaço e Meio Ambiente e assessora política do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc).
Segundo ela, o papel principal das multas não é o arrecadatório, mas o de coibir atividades ilegais na área ambiental, sendo uma ação fundamental no processo de comando e controle. Mas, mesmo assim, o ideal seria que o valor arrecadado retornasse ao ‘ciclo’ de fortalecimento da fiscalização, uma estrutura que custa caro.
“Na medida em que é um instrumento que passa pelo ônus financeiro do agente que comete o crime e a infração, é muito importante que esse dinheiro arrecadado seja usado, de fato, para a política de meio ambiente”, defende. A especialista considera, inclusive, que esse dinheiro poderia beneficiar grupos e comunidades que tradicionalmente atuam em prol da preservação de territórios e que tem recursos escassos.

Com a Lei nº 14.691, de outubro desse ano, foi decretado que 50% dos valores arrecadados em pagamentos de multas por infração ambiental são revertidos ao Fundo Nacional do Meio Ambiente, criado em 1989. Seu objetivo é contribuir financeiramente com a implementação da Política Nacional do Meio Ambiente (PNMA).
A outra parte dos valores é pulverizada entre o Fundo Naval, Fundo Nacional para Calamidades Públicas, Proteção e Defesa Civil e aos fundos estaduais ou municipais de meio ambiente.
A maior parte do orçamento que vem das multas no FNMA, como mostra levantamento organizado pelo Inesc, a partir de dados públicos de execução de recursos, é direcionada a reserva de contingência. O que, como explica Cardoso, é usado para pagar o déficit do governo.
“90% do dinheiro que entra das multas vai para o Fundo Nacional de Meio Ambiente e lá ele fica parado. Represado. Não pode ser gasto. Isso porque ele fica carimbado como reserva de contingência… e isso é muito ruim” disse Cardoso.
Como o dinheiro das multas é usado no Fundo Nacional de Meio Ambiente?
2021
• R$ 28.359.172 de taxas e multas utilizados como reserva de contingência financeira. Todo valor foi bloqueado.
• R$ 241.982 de taxas e multas utilizados para fomento da Política Nacional do Meio Ambiente. Valor foi empenhado, mas não foi pago no ano.
• R$ 21.711 de taxas e multas voltados à administração do MMA. Valor foi utilizado.
• R$ 460.305 voltado ao fomento da Política Nacional do Meio Ambiente, mas tendo como fonte ‘recursos primários de livre aplicação’. O valor foi empenhado, mas não foi pago no ano.
• Total aplicado no fundo: R$ 29.083.170 – sendo R$ 28.622.865 referentes a arrecadação por multas ambientais / Total utilizado: R$ 21.710 – de multas
2022
• R$ 30.369.551 de taxas e multas utilizados como reserva de contingência. Todo valor foi bloqueado.
• R$ 2.434.020 de taxas e multas utilizados para fomento da Política Nacional do Meio Ambiente. Todo valor foi bloqueado.
• R$ 8.379 de taxas e multas para administração da unidade. Valor foi utilizado.
Total aplicado no fundo: R$ 38.811.950 – sendo tudo referente a arrecadação por multas ambientais / Total utilizado: R$ 8.379
2023
• R$ 3.470.000 de taxas e multas voltadas ao fomento da Política Nacional do Meio Ambiente. Todo valor foi bloqueado.
• R$ 33.020.580 de taxas e multas voltados a reserva de contingência. Todo valor foi bloqueado.
• R$ 30 mil de taxas e multas voltados à administração da unidade. R$ 27.599 foram utilizados.
• R$ 9 mil de taxas e multas voltados à administração da unidade. R$ 8.429 foram utilizados.
Total aplicado no fundo: R$ 36.529.580 – sendo tudo referente a arrecadação por multas ambientais / Total utilizado: R$ 36.029
Para 2024, tendo como base recursos arrecadados em pagamentos de multas por infração ambiental, estão previstos, por projeto de Lei:
• R$ 4.893.393 para o fomento da Política Nacional do Meio Ambiente
• R$ 59.520.254 para reserva de contingência
• R$ 150.000 para administração da unidade
• R$ 14.633 também para reserva de contingência, mas tendo como fonte ‘recursos próprios livres da UO’
*Dados levantados pelo Inesc, a partir do portal de transparência.
Sendo assim, para o ano que vem, com base na discussão sobre orçamento que tramita no Congresso, está previsto que o fundo saia de R$ 34 milhões para R$ 64 milhões. “Mas, disso, a maior parte vai ser reserva de contingência”, reforça Cardoso. O saldo superavitário do fundo está em torno de R$ 200 milhões, verba parada no Tesouro Nacional.
Todas as multas aplicadas foram pagas?
A reportagem tentou obter dados sobre quanto das multas ambientais aplicadas pelo Ibama e ICMBio foram pagas entre 2019 e 2023, no bioma Amazônia, mas não obteve resposta. A indicação do MMA é de que não é possível passar essas informações pois o recorte é feito por estado e não por bioma, como foi solicitado.
O que se sabe é que há um processo administrativo burocrático em torno da aplicação de multas ambientais, como explica Fábio Takeshi Ishisaki, mestre em Ciência Ambiental, consultor jurídico e membro do GT de Meio Ambiente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). Nos últimos anos, por exemplo, foram feitas alterações que dificultavam ainda mais a conclusão do trâmite, o que pode resultar em um ‘rombo’ do valor aplicado e efetivamente recebido no ano.
