Maduro discursou à Assembleia Nacional dois dias após a realização de um plebiscito em que a população do país apoiou a ideia de anexar a região. Diante de membros da alta cúpula do regime e do conselho de defesa, o ditador pediu a aprovação da chamada Lei Orgânica para a Guayana Esequiba, como a área é chamada pelos venezuelanos.
A lei permitiria a anexação de Essequibo a despeito da recomendação feita pela Corte Internacional de Justiça (CIJ), em Haia, para que o regime venezuelano se abstenha de “qualquer ação que modifique a situação vigente”
“Que procedamos imediatamente à concessão de licenças de operação para a operação e exploração de petróleo, gás e minas em toda a área”, disse o ditador.
Ele ainda propôs a elaboração de uma lei especial para que possa ser discutida “com todos os setores” o estabelecimento de “uma regra muito firme para proibir” a contratação em Essequibo de empresas que atuam no âmbito das concessões outorgadas pela Guiana. “Proponho [que dêem] três meses a todas essas empresas para se retirarem dessas operações no mar”, disse, com a ressalva de que o regime está aberto a diálogos.
Mais cedo, Maduro acusou os Estados Unidos de incentivarem a Guiana a provocar Caracas em meio à disputa entre os dois países pela região de Essequibo e afirmou que Washington não deve interferir no assunto.
“Tiraram o presidente da Guiana do cargo, porque ontem ele disse que os EUA têm as tropas prontas para fazer uma guerra contra a Venezuela”, afirmou Maduro na noite de segunda-feira (4). “Fazem uma promessa à Guiana, encorajam-na a fazer uma provocação contra a Venezuela e depois a deixam sozinha.” Não há registro de que o líder guianense, Irfaan Ali, tenha feito declarações sobre ajuda militar americana.
“Aconselho os EUA [a ficarem] longe daqui. Deixem que Guiana e Venezuela resolvam esse assunto em paz. Fora daqui”, declarou Maduro, entre aplausos da plateia, no programa Con Maduro Más, gravado no Palácio de Miraflores. A atração da emissora estatal venezuelana transmite o ditador semanalmente por três horas, durante as quais ele comenta atualidades do país.
A declaração sobre os EUA foi uma resposta ao porta-voz do Departamento de Estado americano, Matthew Miller, segundo o qual a disputa pelo território não pode ser resolvida em um plebiscito —instrumento utilizado pelo regime para consultar a população venezuelana a respeito da soberania da área.
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Segundo o Conselho Nacional Eleitoral da Venezuela, órgão controlado pelo regime, 96% dos eleitores que participaram da votação realizada no domingo (3) apoiam a ideia de anexar parte do território rico em petróleo do país vizinho.
“Pedimos à Venezuela e à Guiana que continuem procurando uma solução pacífica para a sua disputa. Isso não é algo que possa ser resolvido por meio de um plebiscito”, afirmou Miller em uma entrevista coletiva na segunda. O governo de Joe Biden, continuou ele, respeita a atual fronteira “enquanto não haja um acordo ente as partes ou de um órgão competente.”
No mesmo dia do plebiscito, Irfaan Ali fez um discurso à população no qual pediu à Venezuela para respeitar a decisão da Corte Internacional de Justiça, em Haia, na Holanda. Na última sexta-feira (1º), dois dias antes de a população ir às urnas, o tribunal disse que a Venezuela não deve tomar qualquer atitude que possa modificar a situação atual da região.
“Tenho uma mensagem para o presidente Maduro e para a vice-presidente. Nada do que vocês digam, nenhuma quantidade de propaganda ou mentiras causaria qualquer medo em meu coração ou nos corações de qualquer guianense. Vocês não vão atrapalhar nossas vidas”, afirmou Ali. “Vamos torcer por vocês enquanto vocês trabalham para o avanço de seu povo. E também pedimos que não nos apontem armas enquanto trabalhamos para o avanço de todos os guianenses.”
De acordo com a imprensa local, Ali teria dito ainda que conta com o apoio de parceiros internacionais.
A fala de Maduro é mais uma entre as diversas ações que o ditador tem empreendido no ano anterior ao das eleições presidenciais da Venezuela, marcadas para 2024, mas ainda sem uma data definida. A mais popular delas é justamente a retomada da disputa pelo território guianense.
O imbróglio entre os dois países remonta ao começo do século 19, quando a Venezuela tornou-se independente da Espanha. Na partilha posterior da região ao norte do Brasil, um tratado entre Reino Unido e Holanda deu, em 1814, terras que eram de Amsterdã na margem esquerda do rio Essequibo.
Em 1831, elas comporiam dois terços da nova Guiana Inglesa, vizinha da Francesa, até hoje território de Paris, e da Holandesa, que se tornou o Suriname independente em 1975.
Os venezuelanos questionavam a divisão, e uma comissão internacional foi formada em Paris para arbitrar a questão de Essequibo. Em 1899, um laudo deu posse definitiva da área para os britânicos. Isso perdurou até o fim dos anos 1940, quando recomeçou uma campanha de Caracas, agora baseada na acusação de que o acordo era fraudulento e fora influenciado por Londres.
Novas negociações ocorreram e, em 1966, foi firmado o Acordo de Genebra entre Londres e Caracas. Segundo ele, todos concordavam em discordar: a Venezuela firmava sua rejeição ao laudo de 1899 e o Reino Unido, sem fazer isso, aceitava discutir a questão fronteiriça até haver uma “decisão satisfatória”.
Poucos meses depois, contudo, a Guiana tornou-se independente, e Essequibo representava dois terços de seu território. As negociações não prosperaram no prazo previsto de quatro anos, um novo protocolo foi firmado e o assunto ficou congelado por 12 anos.
Em 1982, a Venezuela por fim decidiu não ratificar o protocolo e o assunto acabou sendo levado à ONU, até hoje sem resolução. A discussão ficou adormecida até ganhar novo fôlego a partir de 2015, quando foram descobertos bilhões de barris de petróleo nas águas profundas da Guiana —parte delas justamente na disputada Essequibo.
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