Decisão gerou ruído no mercado sobre aplicação da Lei Magnitsky, principalmente pelo setor bancário - Foto: Getty Images / BBC News Brasil

Na terça-feira (19/8), o dólar fechou em alta de 1,23%, cotado a R$ 5,50, a maior alta da moeda americana em 2025.

Já a Bolsa de valores caiu 2,10%. A queda foi puxada pelas perdas das ações dos principais bancos brasileiros, como BTG Pactual (-4%), Itaú (-3,5%), Bradesco (-3,5%) e Banco do Brasil (-5,5%).

A oscilação do mercado é atribuída às tensões envolvendo Brasil e Estados Unidos e à aplicação da Lei Magnitsky contra Alexandre de Moraes, ministro do Supremo Tribunal Federal (STF).

Na segunda (18/8), o ministro Flávio Dino, do STF, indicou que empresas podem ser punidas no Brasil caso apliquem sanções contra Moraes, seguindo determinação do governo de Donald Trump.

A decisão de Dino proíbe a aplicação no Brasil de sentenças judiciais e leis estrangeiras que não estejam validadas por acordos internacionais ou referendadas pela Justiça brasileira.

Isso inclui a Lei Magnitsky, dos Estados Unidos, usada pelo governo de Donald Trump para retaliar Moraes devido à sua atuação no processo criminal que o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) enfrenta no STF.

Em tese, isso impediria Moraes de usar, por exemplo, cartões de crédito de bandeiras americanas, ou de ter contas e investimentos em bancos que atuem no mercado americano.

Em meio a ruídos desencadeados pela decisão, Dino deu um novo despacho nesta terça, esclarecendo que sua decisão não tem impacto sobre tribunais internacionais reconhecidos pelo Brasil, como a Corte Interamericana de Direitos Humanos.

“Cumpre assinalar no presente despacho complementar que os tribunais internacionais, cujas competências são definidas em tratados incorporados ao Direito Brasileiro, não se insurgem no conceito de ‘tribunais estrangeiros'”, escreveu o ministro.

“Tribunais estrangeiros compreendem exclusivamente órgãos do Poder Judiciário de Estados estrangeiros, ao passo que tribunais internacionais são órgãos supranacionais”, reforçou.

No entanto, os efeitos ainda não são claros, e a nova decisão de Dino evidencia um impasse para as empresas afetadas: se descumprirem a lei americana, podem ser punidas nos EUA; por outro lado, se aplicarem sanções no Brasil em desrespeito a leis brasileiras, também podem ser punidas aqui.

O ministro determinou que o Banco Central, a Federação Brasileira de Bancos e outras instituições do sistema financeiro brasileiro fossem notificados da decisão.

Neste contexto, o setor bancário puxou a queda da Bolsa porque está no centro deste embate das sanções internacionais, explica o economista Humberto Aillón, especialista em mercado financeiro e empresas da Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis, Atuariais e Financeiras (Fipecafi).

Mesmo com os esclarecimentos feitos nesta terça, as instituições financeiras estão entre seguir a decisão de Dino ou a Magnitsky.

“A fala do ministro direcionou o mercado e provocou uma movimentação diferente de alguns segmentos e até no câmbio, em comparação a outros países”, afirmou Aillón.

“Os bancos sofreram muito porque, nesses tribunais, eles conseguem bloqueio de bens, de aplicações e de qualquer movimentação financeira. De certa forma, isso traz instabilidade jurídica”, continuou o economista.

“E o investidor estrangeiro acaba tendo uma certa fuga porque vai entrar nesse embate: até que ponto os bancos vão realmente seguir a diretriz do Dino? E quem vai pagar para ver?”

“Enquanto não houver um mínimo de calma nessas questões, o desfecho tende a ser ruim para o mercado.”

Segundo o economista, se a moeda americana mantiver a tendência de alta, o impacto não se restringirá a um único pregão, já que contratos de médio e longo prazo também serão afetados.

Aillón destacou ainda que o cenário contrasta com o que se via até o início da semana. Ele lembrou que dados apontavam para retração da economia brasileira, o que abriu espaço para projeções de queda de juros em algumas curvas.

“Até ontem, esse era o viés: o famoso ‘é ruim, mas é bom’. Mas agora, com essa instabilidade jurídica e política, todas as projeções mais otimistas foram praticamente anuladas”, afirmou.

Na mesma linha, o economista João Sá, co-head de Investimentos da Arton Advisors, observa que o mercado vinha performando positivamente nas últimas semanas, ignorando alguns fatores externos relevantes, como a questão das sanções.

A escalada de tensões envolvendo o STF e as repercussões internacionais trouxeram bastante ruído, afirma o economista.

“Embora o Brasil não tenha de seguir leis americanas internamente, as empresas que operam lá fora — sobretudo os bancos — precisam se adequar também a esse ambiente jurídico, o que levanta riscos sobre operações internacionais e até mesmo licenças.”

O que Flávio Dino decidiu — e como os EUA reagiram

A decisão de Flávio Dinofoi tomada em uma ação que questiona no STF um processo movido contra as mineradoras Vale e BHP na Inglaterra por vítimas do rompimento da barragem de Mariana (MG), em 2015.

A ação, apresentada pelo Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram), argumenta que seria inconstitucional processos movidos por municípios brasileiros no exterior, sob o argumento de que estariam ferindo a soberania nacional ao desconsiderar a autoridade do Judiciário brasileiro.

Em decisão de outubro passado referendada pelo plenário do STF, Dino acatou os argumentos do Ibram e proibiu que municípios brasileiros levem adiante contratos com escritórios estrangeiros nessas ações.

Depois disso, a Justiça inglesa determinou que o Ibram desista dessa ação no Brasil, sob o argumento de que a proibição de pagar os escritórios estaria dificultando o andamento da ação na Inglaterra.

Na sequência, os municípios afetados peticionaram ao STF, em março, para que fosse cumprida a decisão inglesa.

Foi a partir dessa movimentação que Dino decidiu, agora, reiterar o veto à aplicação de decisões e leis estrangeiras no Brasil sem homologação.

Em sua decisão, o ministro diz que o cenário mudou desde a proposição da ação pelo Ibram, há pouco mais de um ano, “sobretudo com o fortalecimento de ondas de imposição de força de algumas Nações sobre outras”.

“Com isso, na prática, têm sido agredidos postulados essenciais do Direito Internacional. Instituições do multilateralismo são absolutamente ignoradas”, disse ainda.

“Nesse contexto, o Brasil tem sido alvo de diversas sanções e ameaças, que visam impor pensamentos a serem apenas ‘ratificados’ pelos órgãos que exercem a soberania nacional”, reforçou.

Horas após a decisão de Dino na segunda, o Departamento de Estado dos EUA publicou na rede social X que “nenhum tribunal estrangeiro pode anular as sanções impostas pelos EUA ou proteger alguém das severas consequências de descumpri-las”.

Também afirmou que Moraes é “tóxico para todas as empresas legítimas e indivíduos que buscam acesso aos Estados Unidos e seus mercados”.

“Cidadãos americanos estão proibidos de manter qualquer relação comercial com ele [Moraes]. Já cidadãos de outros países devem agir com cautela: quem oferecer apoio material a violadores de direitos humanos também pode ser alvo de sanções”, escreveu o órgão.

A mensagem foi republicada em português pela Embaixada dos Estados Unidos no Brasil.

O que é a Lei Magnistky e como ela afeta Moraes

Aprovada durante o governo de Barack Obama, em 2012, a Lei Magnitsky foi criada para punir autoridades russas envolvidas na morte do advogado Sergei Magnitsky, que denunciou um esquema de corrupção estatal e morreu sob custódia em Moscou.

Inicialmente voltada para os responsáveis por sua morte, a lei teve seu alcance ampliado em 2016, após uma emenda que permitiu a inclusão de qualquer pessoa acusada de corrupção ou de violações de direitos humanos na lista de sanções.

Desde então, a lei passou a ter aplicação global.

Em 2017, pela primeira vez a lei foi aplicada fora do contexto russo, durante o primeiro governo de Donald Trump.

Na ocasião, três latino-americanos foram alvo de sanções por corrupção e violações de direitos humanos: Roberto José Rivas Reyes, então presidente do Conselho Supremo Eleitoral da Nicarágua; Julio Antonio Juárez Ramírez, deputado da Guatemala; e Ángel Rondón Rijo, empresário da República Dominicana.

As punições incluem o bloqueio de bens e contas no país, além da proibição de entrada em território americano. Não há necessidade de processo judicial — as medidas podem ser adotadas por ato administrativo, com base em relatórios de organizações internacionais, imprensa ou testemunhos.

Segundo o texto da própria lei, são consideradas violações graves atos como execuções extrajudiciais, tortura, desaparecimentos forçados e prisões arbitrárias sistemáticas.

Também podem ser sancionados agentes públicos que impeçam o trabalho de jornalistas, defensores de direitos humanos ou pessoas que denunciem casos de corrupção.

A Lei Magnitsky já foi usada contra membros do judiciário de países como Rússia e autoridades de Turquia e Hong Kong, em casos de perseguição a opositores, julgamentos fraudulentos ou repressão institucionalizada.

Alexandre de Moraes foi incluído pelos Estados Unidos na lista de de estrangeiros punidos com a Magnitsky em julho.

Foi a primeira vez que uma autoridade brasileira foi submetida a tal punição, uma das mais severas disponíveis para Washington contra estrangeiros considerados autores de graves violações de direitos humanos e práticas de corrupção.

A sanção já era uma possibilidade desde maio, quando o secretário de Estado americano, Marco Rubio, disse que ela estava sendo considerada.

Entre as centenas de sancionados pela Magnitsky, estão 28 entidades e indivíduos chineses e 13 entidades e indivíduos cubanos. As entidades podem ser desde empresas privadas a órgãos públicos e autarquias.

O uso da Magnitsky contra Moraes foi considerado pelo criador da lei um abuso das intenções deste instrumento e uma deturpação de sua concepção original

Em entrevista à BBC News Brasil, William Browder, executivo financeiro britânico que liderou a campanha pela aprovação da lei nos Estados Unidos, disse que “a Lei Magnitsky foi estabelecida para impor sanções a graves violadores dos direitos humanos e pessoas que são culpadas de cleptocracia em larga escala”, referindo-se a regimes políticos em que governantes e autoridades usam sua posição para enriquecer de forma ilícita.

“Ela não foi criada para ser usada para vinganças políticas. O uso atual da Lei Magnitsky é puramente político e não aborda as questões de direitos humanos para as quais ela foi originalmente elaborada. E, como tal, é um abuso das intenções da lei”, completou o executivo.

*Com informações de Terra