O técnico Cuca durante partida do Corinthians contra o Remo, em abril do ano passado (Foto: Ale Vianna / WS Press)

O Tribunal Regional de Berna-Mittelland, na Suíça, anulou a sentença que havia condenado o Alexi Stival, então jogador e hoje técnico de futebol Cuca, por ter feito sexo com uma menor de idade sob coerção durante uma excursão do Grêmio ao país europeu em 1987.

Em 22 de novembro passado, a juíza Bettina Bochsler acatou a argumentação da defesa de Cuca de que o técnico foi condenado à revelia, sem representação legal, e que poderia ter um novo julgamento. Só que o Ministério Público suíço alegou que isso não seria possível dado que o crime estava prescrito, então sugeriu a anulação da pena e a extinção do processo.

Assim, Cuca não foi inocentado no mérito. Sua defesa afirma ter reunido dados suficientes para provar que ele não estuprou ou abusou de Sandra Pfäffli, 13, na noite do dia 30 de julho de 1987, quando a jovem foi ao quarto onde ele e três colegas de time estavam no Hotel Metropole de Berna.

Em 28 de dezembro, a juíza deu o caso por concluído e ainda determinou o pagamento de 13 mil francos suíços (R$ 75 mil) em indenização a Cuca pelo caso, valor que foi baixado para 9.500 francos (R$ 55,2 mil) após desconto de custos processuais do caso julgado em 15 de agosto de 1989. A decisão da anulação foi divulgada nesta quarta (3).

A decisão é uma vitória para o técnico, que viu sua carreira interrompida após o caso, que era conhecido, reemergir quando ele foi contratado pelo Corinthians em abril do ano passado. Sob pressão, Cuca ficou dois jogos à frente do clube paulista e pediu demissão, em um caso que tornou-se emblemático.

“Hoje eu entendo que deveria ter tratado desse assunto antes. Estou aliviado com o resultado e convicto de que os últimos oito meses, mesmo tendo sido emocionalmente difíceis, aconteceram no tempo certo e de Deus”, afirmou o técnico, em nota.

A decisão da juíza não entra no mérito da acusação, que pela lei suíça atual seria equivalente à de estupro, pela qual Cuca e outros três jogadores do Grêmio foram condenados —o hoje técnico e outros dois, a 15 meses de cadeia e multa, e um quarto, 3 meses e multa.

No centro da anulação está a ausência de representação legal. O Grêmio havia indicado um advogado para Cuca e dois colegas, Peter Stauffer. Já um quarto jogador, Fernando Castoldi, foi defendido por outro representante legal.

Stauffer renunciou à defesa dos brasileiros um ano antes do julgamento, segundo do despacho da juíza Bochsler, que é a presidente do Tribunal de Berna. Com isso, Cuca, Henrique Etges e Eduardo Hamester acabaram julgados sem representação, em um processo que foi instruído exclusivamente pelo promotor de acusação.

Isso era possível em 1987, mas as reformas na lei penal suíça de lá para cá não permitem mais isso e retroagem em favor dos réus.

Aqui a decisão entra em choque com o que havia dito à Folha em abril do ano passado Luiz Carlos Silveira Martins, o Cacalo, então vice-presidente jurídico do Grêmio que foi à Suíça na época da prisão dos jogadores pela acusação de violência sexual.

Cacalo, que pagou a fiança e libertou os jogadores antes do início do processo, afirmou ter defendido Cuca e os outros atletas, mas seu nome não consta consignado como participante do tribunal. Se estava presente, como alegou à defesa durante a análise do processo, era como membro da plateia.

A Folha procurou Cacalo para comentar o caso, sem sucesso. A reportagem enviou mensagem para o advogado suíço Willi Egloff, que defendeu a vítima nos anos 1980, mas ele não respondeu.

Fernando Castoldi, o quarto acusado, pegou uma pena menor por ter sido considerado apenas cúmplice. Ninguém cumpriu pena, pois não voltaram à Suíça ao menos enquanto as condenações eram válidas e
não há tratado de extradição entre Brasil e o país dos Alpes. A prescrição das penas mais graves ocorreu em 1997, pela interpretação anterior da lei penal suíça, ou em 2004, pela atual.

Apenas Cuca é beneficiado pela atual decisão, na qual foi representado pela advogada Bia Saguas, que trabalhou em conjunto com o escritório de Pedro da Silva Neves, em Genebra.

Saguas foi contratada após a demissão do Corinthians para tentar obter acesso à íntegra do processo, que seguia arquivado e sob sigilo de 105 anos pelas questões pessoais envolvidas. O juiz cedeu o calhamaço de mais de mil páginas por um mês, no qual a defesa construiu seu caso para pedir a reabertura.

A presidente do tribunal procurou então Sandra, para descobrir que ela morreu cerca de 15 anos depois dos fatos. Achou um herdeiro, que não se interessou em ser parte do caso.

Com informações da Folha de S.Paulo