“Foi ruim quando proibiram”, diz Pedro, 15, estudante da rede municipal do Rio de Janeiro, que baniu, por lei, os celulares nas escolas da prefeitura no início deste ano, tanto nas aulas quanto nos intervalos. “Antes de ser proibido, a gente sempre ficava jogando um contra o outro, na aula e no recreio, conversando na rede social, vendo vídeos, apostando em bets e no tigrinho [caça níquel online]”, conta o jovem.
Sem o celular, Pedro diz que começou a prestar a atenção nas aulas, até se sentou na primeira fileira. Suas notas deram um salto surpreendente. De um aluno com conceito RI (regular insuficiente) no boletim, que é uma nota perto da reprovação, em poucos meses ele superou o R, de regular, e atingiu o B, de bom –que só está abaixo da nota máxima, MB, muito bom.
Coordenadora da escola Martin Luther King, onde Pedro estuda, Thaís Trindade afirma que Pedro é um exemplo do que aconteceu com muitos estudantes. “Temos vários alunos que são inteligentes, mas não conseguiam ter um bom desempenho por causa do celular”, diz. “Sem o aparelho, eles começaram a entender as matérias, tirar notas melhores, passaram a ser elogiados pelos professores e a se sentir estimulados”, conta.
Mas não foi um caminho fácil. Os alunos, especialmente os mais velhos, faziam boicote no início, escondendo os celulares na mochila em vez de colocá-los na caixa que fica guardada na sala da coordenação, com é a regra.
“No intervalo, parecia que eu estava no ‘CSI’ [série de investigação criminal] tentando flagrar alunos com celular. Agora está tudo mais leve. Até o furto de celular, que era um problema, se reduziu. E eles entendem que o aparelho está mais seguro na caixa”, conta Trindade.
A batalha agora é conscientizar as famílias sobre o uso do celular fora da escola. Pedro mesmo conta que fica no aparelho até às 2h da madrugada, e acorda às 6h para ir para escola, “com muito sono”. Ele tem acessado com frequência as bets e chega a apostar até R$ 500 (como esses jogos são proibidos para menores, Pedro é um nome fictício, utilizado pela reportagem para preservar a sua identidade). Ainda assim, o jovem diz se sentir “menos viciado” no celular depois do uso na proibição na escola.
Adolescentes ouvidos pela Folha declaram que o banimento do celular no ambiente escolar melhorou a relação deles com o aparelho. “Quando veio a proibição, achei um absurdo. Era muito difícil ficar sem o celular, que eu usava umas dez horas por dia”, conta Valentina Chico, 16, aluna da Castanheiras, escola da região de Alphaville, em Santana do Paranaíba (Grande SP), que proibiu o uso do celular no início deste ano.
“Mas eu fui me acostumando e decidi mudar outras coisas na minha vida para ser mais saudável”, diz. “Eu era sedentária e passei a fazer esporte todos os dias, o que me ajuda também com a ansiedade”, relata. Ela diz ter cortado o uso do celular diário para a metade do tempo.
Rafaella Marcondes, 16, também da Castanheiras, conta que a proibição “foi um susto” para os alunos. “A gente sempre conversava sobre o que via no celular, sobre o que aconteceu com esse ou aquele famoso. Com o tempo, passamos a conversar sobre situações da escola, a falar sobre nós mesmos”, relata.
“Agora a gente toma sol deitada no banco, enquanto conversa. A gente nunca tinha feito isso antes”, conta Olivia Ralston, 16.
Aluna da Alef Peretz, do Jardim Paulistano (zona oeste de São Paulo), Julia Galeano, 18, conta que “gerou muita polêmica” a decisão da escola de adotar, no início do ano, uma pochete para trancar os celulares dos estudantes –cada um possui uma bolsinha que têm trava magnética só aberta ao final das aulas.
“Era uma quebra muito grande de realidade, porque a gente sempre usava o celular no recreio e até nas aulas, mesmo não sendo permitido”, conta. “Mas, conforme o tempo foi passando, as relações sociais mudaram bastante, a gente conversa muito mais. Agora, mesmo o celular sendo liberado na hora do almoço, muitas vezes eu e minhas amigas optamos por não usar.”
Para estudar, afirma Julia, tanto na escola quanto em casa, “o aumento da produtividade e do foco é notável”. Como uma desvantagem, ela cita a dificuldade de se comunicar com as pessoas, inclusive com familiares –para isso, é preciso pedir para a secretaria entrar em contato, como era antes da existência do celular.
Também aluno da Alef Peretz, Miguel Albergaria da Fonseca, 17, disse que não se sente incomunicável e que a sua relação com o celular melhorou. “Antes dessa proibição, eu usava muito . Cheguei a perder aula, a perder conteúdo. Agora estou mais conectado com as aulas e com meus colegas”, diz.
Na Assembleia Legislativa de SP, um projeto de lei para banir o uso do celular por alunos em escolas, apresentado por Marina Helou (Rede), uniu deputados da esquerda e da direita –entraram como coautores Professora Bebel, do PT de Lula, Lucas Bove, do PL de Jair Bolsonaro, e Altair Moraes, do Republicanos do governador Tarcísio de Freitas.
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