Isabelle Nogueira, de 31 anos de idade, abriu a entrevista relembrando um sonho que teve, em 2023, de que havia sido selecionada para o Big Brother Brasil. Entusiasta do Festival Folclórico de Parintins, havia entrevistado a cunhã-poranga do Boi Garantido para a Quem inúmeras vezes ao longo dos últimos anos, em diferentes ocasiões, e ela fez questão de me contar o que seu subconsciente parecia anunciar antes mesmo das inscrições para a edição de 2024 serem abertas.
Outro feito da dançarina foi resgatar a “torcida raiz” do BBB em Manaus, Parintins e cidades vizinhas. Cada vez que Isabelle ficava em evidência no reality — anúncio da seleção do puxadinho, paredões e final —, espectadores se reuniam em bares pelo Amazonas para assistir sua representante, com direito a festas, telões e apresentações de dança.
Nem um apagão de sete horas em Manaus, a dois dias da final, parou os fãs da cunhã. O Boi Garantido se uniu a uma loja oficial de artigos do Festival de Parintins numa ação para impulsionar votos em apoio a ela. A loja distribuiu Wi-Fi e energia elétrica por quatro horas, e levou centenas de pessoas ao shopping em que fica localizada.
A cunhã cresceu, ganhou mais de 6 milhões de seguidores no Instagram desde seu anúncio no BBB 24, e tem se consolidado como um dos nomes mais importantes de Manaus. Fora da internet, ela também se dedica a palestrar sobre cultura e meio ambiente em eventos nacionais e internacionais.
“O sentimento é de vitória [do reality]. As pessoas ainda têm um grande preconceito com Big Brother, com o ex-brothers e ex-sisters. Muitas vezes eles nos olham como se não tivéssemos conteúdo, como não fôssemos necessários para a sociedade e como se fôssemos vazios. Eu já tinha ouvido falar sobre isso, mas comigo bate e quebra. Me sinto a soma de uma personalidade e de uma artista que resultou numa autoridade de fala”
A projeção nacional da cunhã também deu maior visibilidade ao Festival Folclórico de Parintins deste ano. De acordo com o Metrópoles, a 57ª edição foi marcada por recordes de público, faturamento e fluxo econômico. Foram 120 mil visitantes em 2024, superando os 110 mil de 2023 e os 111.498 de 2022. Empreendedores locais comemoraram faturamentos até 300% maiores do que os de 2023.
Em meio a uma sequência de conquistas, Isabelle se abre sobre sua trajetória artística, conta como tem driblado preconceitos e assédios nestes 17 anos como dançarina de bumbá, explica sua relação profunda com a biodiversidade amazônica e avalia metas e superação de desafios.
Confira a entrevista completa:
Isabelle, cinco meses depois, você já assistiu ou quer assistir ao BBB 24? Ainda não, mas pretendo, e quero gravar as minhas reações. Tem muita coisa que aconteceu lá dentro que eu nem sabia que estava vivendo. Por exemplo, essa paquera com Matteus [Amaral, seu atual namorado], que o pessoal fala que foi desde o primeiro dia… eu quero entender em que momento que foi isso.
Como tem sido a transição do namoro de dentro para fora da casa? Sou muito durona às vezes, principalmente com homem, e nunca dou o braço a torcer. Mas Matteus é o primeiro homem que consigo ouvir a opinião atentamente. Pergunto o que que ele acha das escolhas, da minha carreira, família e amigos. Eu o ouço de fato, e nunca é uma imposição, mas sempre um conselho, porque a gente viveu lá dentro as mesmas coisas.
Como tem sido ficar longe da natureza durante os compromissos no Sudeste? Tenho feito alguns cursos de comunicação em São Paulo, que é o berço para quem quer nascer artisticamente para esse segmento. Sinto muita falta de tomar banho de rio, dos pássaros, das araras, dos macacos e dos demais animais da floresta. Então, realmente, tenho ficado mais em São Paulo, mas não posso perder essa oportunidade.
Você já era famosa, com 266 mil seguidores no Instagram e um posto importante no festival. Mas o que o BBB acrescentou à sua carreira? Já existia um respeito muito grande, mas o reality me trouxe uma visibilidade nacional, e acredito que uma credibilidade além do meu Estado. Essa credibilidade porque todo mundo dormiu e acordou comigo cem dias. “As pessoas tinham uma visão oposta do que é o trabalho de uma dançarina, da sua postura e da sua posição. Isso veio com o meu posicionamento como mulher, e mulher cultural. Nós mulheres ainda somos minoria nesse espaço”.
Acredita que falar com tanta propriedade sobre cultura é devido à sua formação como professora? O fato de eu viver em Manaus me traz esse lugar de fala. A faculdade é a vida. Você estuda, mas é a vida que prepara para o cotidiano. Quando eu falo mais sobre as minhas experiências, algumas pessoas ficam impactadas. Eu vivo a cultura desde a barriga da minha mãe. É uma herança de família.
As pessoas falam que sou madura, mas passei por muitas coisas na infância e ao longo da vida. Minha mãe engravidou de mim aos 13 anos, e teve que dividir algumas responsabilidades comigo. Tenho memórias da minha mãe de quando eu tinha 8 anos, dela saindo para trabalhar e deixando meu irmão comigo. Então, eu criava o meu irmão para ela. Eu também tinha que vender roupa com a minha avó em feira. Ela costurava, e eu vendia. Aos 13, eu trabalhava numa lan house.
Eu trabalhava para comprar coisas simples, como desodorante e absorvente, e para ajudar em casa. Isso me preparou. Não quero que nenhuma criança viva o que eu vivi, mas acho que foi necessário para me fortalecer pra chegar até aqui. Sempre tive que correr atrás do que eu queria, e não podia esperar. É triste, mas você escolhe aceitar o lugar de vítima ou de herói. Sou heroína da minha própria história.
Como dançarina, que situações pelas quais passou considera terem contribuído para a formação de sua postura? Danço desde criança, e já me deparei com vários tipos de pessoas, oportunidades e caminhos. Então, consigo hoje me desvencilhar de algumas situações ou mergulhar em outras.
Já passei por algumas situações constrangedoras e de assédio. Isso não é aceitável. Já falaram de mim como a mulher que dança, mas de uma forma ‘carnal’, como se eu estivesse no palco à disposição para algum tipo de oferta. Eu tive que dizer ‘não’ várias vezes, mas da minha forma. Muitas vezes eu tive que me defender sozinha. Nós não somos objeto, não estamos numa prateleira. Estar de biquíni ou com uma peça pequena não vai me resumir à imaginação de alguém.
Qual a sensação de saber que impulsionou o Festival Folclórico de Parintins? Isso foi graças à minha participação no Big Brother, então fico muito grata porque muitas famílias dependem do Festival de Parintins. O Brasil abraçou essa causa. Nunca se vendeu tanto artesanato indígena como neste ano. Várias artesãs falaram comigo ‘Cunhã, obrigada por ter usado aquele brinco, porque aqui fora reverberou'”. Quando eu ia para o Paredão, o giro econômico na cidade acontecia porque a torcida se concentravam na Praça da Catedral de Parintins e consumia bebida, comida e artesanato enquanto assistia ao programa no telão.
Você fez história ao unir os bois, de tamanha rivalidade, por sua torcida. Inclusive, o contrário usou IA para te vestir de azul e estampar o feed. Como se sente com isso? Eu não uso absolutamente nada azul há quase 20 anos, e tive que usar no Big Brother. Quando me vi, não me identifiquei, como se tivesse algo errado. Para a gente alcançar esse patamar do festival, precisa de união em alguns momentos porque um boi depende do outro. Não existe disputa só de um. É em prol da cultura, de um povo e de uma festa que é maior do que qualquer rivalidade.
E teve algo negativo na sua participação no BBB 24? Saí do Big Brother com a gastrite muito atacada, e vomitava tudo que eu colocava na boca. De compromisso em compromisso, artístico, pessoal e profissional, tive que procurar um gastro, mas eu não tinha tempo para parar. Eu também não conseguia comer, e ficava com dor na barriga de fome. Não sei explicar exatamente, e eu vou fazer exames mais específicos mais para frente. Também saí anêmica e tive que tratar com vitaminas.
Fui ensaiar [bumbá] depois do Big Brother, e não conseguia ficar em pé. Eu me desequilibrava e caía. Andava um pouco e caía. Dançava e caía. Eu não entendia. Tinha uma fraqueza. Era algo como se fosse nervoso. Uma loucura que tive que driblar para não me sufocar.
Vai permanecer no Boi? Vou. Acreditava que dez anos seria bom para um ciclo se encerrar, porque é um número redondo. Mas acho que o número para isso não existe… 12, 15… Eu tenho disposição e alegria para dançar muito mais, e com essa repercussão posso contribuir de outras formas.
Além do Bumbódromo, tem Sapucaí ano que vem. Como tem se preparado para sua estreia como musa da Grande Rio, mesmo não sendo sua estreia no Carnaval? A maior pavulagem (risos)! Adorei ir pela Padre Miguel com os bois, em 2018. Agora eu vou desfilar como musa, e estou muito grata e feliz. É uma responsabilidade muito grande, e não é simples. Já iniciei aulas de samba e um estudo profundo no que é o carnaval do Rio de Janeiro, no que é a comunidade e a Grande Rio. Também aprendi, por exemplo, o ato de beijar a bandeira com a mão por cima. Eu não sabia. Existe o respeito por trás da forma de beijar a bandeira. Aqui, a cartilha do boi é outra, então isso tudo é novo para mim. Eu venho de uma manifestação folclórica que tem o Carnaval como um irmão na sua forma de ser, mas é completamente diferente. Estou estudando para mergulhar e viver isso de uma forma muito intensa e alegre, e ter história de vida para contar mais uma vez.