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Vida de irmão mais novo não é fácil.

Não bastasse herdar calças, camisetas e brinquedos que ninguém mais usa, há sempre o risco de ser ofuscado pelos feitos (para o bem ou para o mal) dos mais velhos.

O caçula quase nunca tem nome. É sempre o irmão de alguém.

Que o digam os criadores de “Irmão do Jorel”, série da HBO sobre um menino tímido e eclipsado pelo irmão mais popular — e mais bonito.

Em Registro, município de cerca de 60 mil habitantes no Vale do Ribeira, há uma versão na vida real da animação. Chama-se “Irmão do Jair”.

Quem olha as páginas das redes sociais ou os folders do candidato do PL no município imagina que Jair Bolsonaro reabilitou o direito de disputar eleições e, por alguma razão, decidiu se candidatar a prefeito na cidade vizinha de Eldorado, no Vale do Ribeira, onde cresceu.

Com lupa e boa vontade, é possível identificar nas bulas dos materiais de campanha que o candidato ali é outro. Ele tem até nome: Renato. Está logo acima, pintado de branco, das letras estouradas do sobrenome e do rosto mais famoso da família. Só é um pouco difícil de identificar.

Com o espólio de 58 milhões de votos na última disputa presidencial, o parente mais famoso do irmão do Jair tem escolhido a dedo as disputas onde coloca os pés em 2024.

Renato Bolsonaro (dir.) ao lado do irmão, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) – Foto: Reprodução / Facebook

Em São Paulo, por exemplo, o prefeito Ricardo Nunes (MDB), candidato oficialmente apoiado pelo ex-presidente, ainda não recebeu o ar das graças do suposto aliado.

Mas o aliado de Registro, sim — o que provavelmente deixou parte do eleitorado ainda mais confuso sobre por que diabos o ex-presidente quer ser prefeito ali.

Durante a visita de Jair Bolsonaro ao município, nesta terça-feira (10), era preciso ouvir o discurso todo para entender que o candidato ali é outro ex-capitão do Exército que fala sobre Deus, pátria e família, que também veste amarelo, que tem um vice militar na chapa, o mesmo jingle de 2022, o mesmo número de legenda e a dicção, se não igual, muito parecida com algum imitador do irmão (e são muitos).

A esse fenômeno a psicologia dá o nome de “comportamento imitativo”. É normal, segundo consta, entre crianças que observam e costumam reproduzir tudo o que fazem os mais velhos ao redor.

Com o tempo, geralmente a partir da adolescência, a tendência é que cada um tome seu rumo e forje a própria personalidade.

O problema, para o candidato, é justamente esse. Ele e o irmão, até onde se sabe, deixaram a adolescência já tem um tempo. Noves fora as piadas com trocadilhos de conotação sexual, típica dos meninos imberbes, Jair já tem 69 anos e Renato, 60.

Na vida adulta, um herdou do outro alguns gostos por terrenos comprado em dinheiro vivo e artigos de luxo. A influência, por exemplo.

Com trânsito em Brasília, o irmão do Jair negociou como gente grande recursos polpudos aos pequenos municípios da região.

O agora candidato a prefeito triplicou o patrimônio nos últimos oito anos — por coincidência, a mesma época em que o parente deixou de ser uma piada de programas de auditório e se tornou um candidato competitivo à Presidência.

Ele hoje soma R$ 3,2 milhões em bens declarados à Justiça Eleitoral. Um dos raros casos de brasileiros que prosperaram desde que o irmão chegou à Presidência.

O desafio é herdar agora pelo menos um naco do apoio a Jair na cidade. Em 2022, o ex-presidente recebeu cerca de 70% dos votos dos registrenses.

Mas, como mostrou o repórter Fábio Victor, da Folha, a parada não vai ser assim tão fácil.

O favorito da disputa é o ex-deputado Samuel Moreira (PSD), que formou uma coalizão de partidos à direita e à esquerda e conta com o apoio de 12 dos 13 vereadores do município — a 13ª, Sandra Kennedy, é candidata à prefeitura pelo PT.

Pesa contra o irmão do Jair o fato de ele passar mais tempo em sua chácara na vizinha Miracatu do que na cidade que pretende governar.

Contra as más línguas e as forças locais, ele viu desembarcar nesta semana em Registro, além do irmão, ex-ministros bolsonaristas, como o senador Astronauta Marcos Pontes (PL) e o governador Tarcísio de Freitas, que deu uma banana (aliás, uma iguaria local) ao Republicanos, seu partido, que oficialmente apoia Samuel Moreira na disputa, e fez o que seu mestre mandou.

O esforço tem lógica.

Ao fim da campanha, o ex-presidente de preocupações paroquiais poderá se gabar de ter emplacado outro parente na política, desta vez no Executivo. O desafio será fazer os eleitores descobrirem o nome do candidato até outubro.

*Com informações de Uol