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Em 1989, o cantor e compositor Milton Nascimento embarcou em uma expedição à floresta amazônica. O destino foi a comunidade Ashaninka no Rio Amônea, Alto Juruá, no Acre, uma das regiões que até hoje é uma das mais difíceis de acessar em todo o estado. Nos dias em que esteve lá, Milton foi acompanhado e guiado pelo garoto indígena Benki Piyãko.

Um ano depois da visita, o disco Txai foi lançado. A palavra que dá nome ao disco vem da língua dos indígenas Kaxinawá que, em uma tradução literal, significa “mais que amigo/ mais que irmão, a metade de mim que existe em você/ e a metade de você que habita em mim”.

O termo é usado pelos povos originários, além de seringueiros e ribeirinhos, no Acre, para se referir com carinho aos defensores dos povos da floresta. Uma das canções do álbum é ‘Benke’, uma homenagem ao menino indígena que passou dias ao lado de Milton.

Trinta e três anos depois, o autor da música está aposentado dos palcos. Mas o companheiro acreano está firme na ativa e se tornou um dos principais porta-vozes dos povos indígenas no Brasil.

Ativista premiado

Com 18 anos, Benki participou da Eco-92, conferência climática internacional realizada no Rio de janeiro. Em 2004 recebeu o Prêmio Nacional de Direitos Humanos como personalidade indígena, concedido pela Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República. Mais recentemente, compôs o grupo técnico dos Povos Originários criado na transição para o governo Lula.

“Estamos comprometidos a curar o mundo por meio do conhecimento tradicional que foi transmitido por nossos ancestrais.” disse Benki Piyãko, em entrevista a Ecoa

Chamado de líder político e espiritual indígena do povo Ashaninka, uma de suas principais missões hoje é manter o trabalho do Instituto Yorenka Tasorentsi, criado por ele com o objetivo de preservar a natureza e proteger os direitos dos povos indígenas, além de suas culturas e áreas de plantio.

O primeiro reflorestamento

Uma das primeiras empreitadas de Benki Piyãko foi em 2007, quando começou o primeiro projeto de reflorestamento em parceria com organizações sem fins lucrativos, ativistas ecológicos e moradores locais indígenas e não indígenas.

Aos 18 anos, Benki participou da Eco-92 e depois não parou mais seu ativismo pela Amazônia – Foto: Arquivo pessoal

Naquele ano, o jovem indígena conseguiu regenerar seu primeiro pedaço de terra desmatada perto do município de Marechal Thaumaturgo, que fica a cerca de 550 Km da capital do Acre, Rio Branco.

Hoje, uma das iniciativas com as quais Benki trabalha diretamente é a recuperação de terras degradadas por meio do reflorestamento com espécies de madeiras nobres, árvores frutíferas e palmeiras, ao mesmo tempo em que desenvolve a apicultura e a piscicultura dentro desse sistema.

Na região do Vale do Juruá, onde os trabalhos avançaram, já foram criados 28 açudes que possibilitam a implantação das práticas sustentáveis. Por lá, o instituto já plantou mais de 3 milhões de árvores em toda a região, segundo números levantados pela própria entidade.

A meta da organização é que, nos próximos anos, o número chegue em 8 milhões de árvores nativas plantadas nas terras degradadas por grileiros.

“Temos quase 70% da terra recuperada aqui. Uma parte é nativa e outra, nós trabalhamos pela recuperação.” disse Benki Piyãko

Indústria sustentável

Desde 2007, quando assumiu o primeiro pedaço de terra a fim de recuperar, Benki diz que os resultados vieram. “De lá pra cá, nós já temos centenas de toneladas de fruta desenvolvidas por esse sistema de reflorestamento que a gente faz. Daqui a uns 5 anos, a gente vai ter uma alta produção também, tanto de açaí, quanto de cupuaçu, além de outros alimentos.”

Nas contas de cabeça que faz enquanto explica o seu trabalho, projeta que, em poucos anos, a média é que a produção seja em torno de 5 a 10 toneladas por ano.

O trabalho desenvolvido pelos povos indígenas sob a liderança de Benki ajudou na conservação inicial de cerca de 15 mil tartarugas, além de macacos, porcos selvagens e antas.

No ecossistema, há ainda jovens treinados em agroflorestação, viveiros criados para peixes e recuperação da herança tradicional das populações indígenas que haviam perdido o contato com suas práticas culturais através da colonização, como os povos puyanawa, kuntanawa e apolima.

“A gente quer criar uma megaindústria de polpa de fruta aqui nessa floresta para trabalharmos a sua conservação, sem a gente explorar os recursos naturais de maneira tão insustentável e destruidora” afirmou Benki Piyãko

‘A riqueza está aqui’

Para Benki, as ações feitas no Acre servem de exemplo para a indústria brasileira aprender que desenvolvimento em nada tem a ver com destruição do meio ambiente.

“É um modelo que pode servir de exemplo para criar isso em qualquer parte do mundo, e qualquer povo indígena que queira levar esse modelo, pode vir aqui se capacitar, aprender”, pontua. A gente está com todo orgulho e amor pra poder ensinar quem precisar saber sobre a maior riqueza do mundo, que está aqui.”

*Com informações de Uol