Cafezais herdados de antigos invasores foram reflorestados e se tornaram a primeira experiência mercantil do povo Paiter Suruí.
Após capacitações e parcerias, indígenas aprenderam a tratar e fermentar os grãos, garantindo uma bebida de alta qualidade e valor superior.
A produção é hoje uma importante fonte de renda para 132 famílias de 28 municípios da Terra Indígena Sete de Setembro, que fica em uma região que vai de Mato Grosso a Rondônia.
O trabalho com café é uma oportunidade do povo Suruí contar sua própria história, inclusive pela voz de Celesty, a primeira barista indígena do Brasil.
O primeiro contato dos Paiter Suruí com o café foi em 1969. O cultivo não fazia parte da cultura ancestral deste povo originário, que vive na Terra Indígena Sete de Setembro, em uma região que vai de Cacoal, no sudeste de Rondônia, até Aripuanã, no noroeste do Mato Grosso. A data coincide também com o primeiro contato oficial da etnia com os não indígenas.
Nesta época, o Governo Federal incentivava a ocupação no norte do país com a promessa de terras e melhores condições de vida. Rapidamente, a área foi tomada por madeireiros, garimpeiros e outros exploradores. Morreram centenas de indígenas, grande parte por conta de doenças como o sarampo.
“Os invasores plantaram alguns pés de café. Como não eram de boa qualidade, devastaram o nosso solo”, lamenta o engenheiro ambiental e liderança Xener Paiter Suruí, filho do cacique Almir Suruí, referência mundial na luta pela sustentabilidade.
Depois de muitos confrontos com os exploradores e com o governo, a demarcação se deu somente em 1976 e a posse permanente – porém parcial – de suas terras, em 1983.
Foi quando os Suruí começaram a reflorestar as áreas degradadas e aprender o cultivo de café. Os cafezais herdados dos colonos invasores constituíram a primeira experiência mercantil dos Suruí. Os grãos passaram a ser vendidos para as cidades vizinhas, sem nenhum tratamento.
De acordo com o conhecimento da dinâmica da floresta, eles entenderam que o café precisava de sombra. O plantio passou a ser feito ao lado de outras culturas como cacau, castanha, banana e mandioca, sem nenhum uso de agrotóxicos. O manejo junto à floresta destoa brutalmente das paisagens desmatadas dos arredores da Terra Indígena.
“Eles não fazem grandes plantios, mas pequenos e sempre às margens da floresta. Assim, o café absorve tudo aquilo que a floresta pode dar, inclusive água”, esclarece Thamyres Ribeiro, consultora técnica indigenista da Associação de Defesa Etnoambiental Kanindé, que trabalha com o povo Paiter Suruí há cerca de 25 anos.
“Essa dinâmica florestal nada mais é do que o tão estudado sistema agroflorestal, que os Suruí sabem de forma autêntica e ancestral.”
Edições limitadas para todo o Brasil
Em 2018, os Suruí estabeleceram uma parceria com a 3 Corações: o Projeto Tribos, focado no protagonismo indígena, profissionalização, infraestrutura e tratamento do café. São microlotes em edições anuais e limitadas, agora indo para a quinta safra, vendidos para todo o país; 100% da renda é revertida e toda a produção é comprada pela marca.
O rótulo, feito com papel composto com sementes de manjericão, traz uma tag escrita em tupi mondé, idioma oficial da etnia, com suas principais informações. A iniciativa foi realizada junto à Funai e à Embrapa, entre outras instituições, e reúne 132 famílias indígenas de diferentes etnias, espalhadas por 28 municípios de Rondônia.
Entre suas características sensoriais estão notas de sabor e aroma de frutas secas, chá preto, castanhas e chocolate amargo, além de corpo cremoso a licoroso e baixa acidez. O café, classificado como especial por sua alta pontuação, é da espécie robusta, que vai muito bem em climas quentes e úmidos como o da Terra Indígena.
A região, inclusive, passa por uma valorização de seu território para o café: em 2021, foi reconhecida com o selo de Indicação Geográfica Matas de Rondônia.
Embora muitas pessoas ainda “torçam o nariz” para o robusta, trata-se de uma variedade que, quando cultivada com qualidade, vem despertando cada vez mais interesse do mercado e valorizada na cena do café especial por suas características e complexidades.
A partir deste projeto, os Suruí começaram a fermentar e selecionar o café, duas etapas essenciais para o aumento da qualidade e da pontuação dos cafés especiais. Mas esta não foi única parceria importante: o COFFEA Trips também foi fundamental.
A empresa da jornalista e curadora Kelly Stein propõe roteiros ao redor do Brasil por diferentes propriedades de café, fazendas históricas, torrefações, cafeterias e cooperativas.
