Centenas de indígenas e professores ocupam a sede da Secretaria de Educação do Pará, em Belém, desde o dia 14 de janeiro. Os líderes do protesto pedem a derrubada de uma lei que, segundo os movimentos, prejudica a carreira do magistério e privilegia o ensino a distância ao invés de aulas presenciais em aldeias e áreas remotas.
Os manifestantes estão acampados há mais de uma semana no prédio da Seduc-PA. A ocupação foi iniciada por mais de cem indígenas, de várias etnias e regiões do Pará, e em seguida teve a adesão de professores da rede estadual. O grupo está alojado em parte do prédio e também em um pátio externo, mas as atividades da secretaria não foram paralisadas.
O alvo do protesto é uma lei aprovada no final do ano passado. No dia 16 de dezembro, o governo estadual enviou à Alepa (Assembleia Legislativa do Pará) um projeto para atualizar o Estatuto do Magistério do Pará. O texto teve uma tramitação relâmpago — passou por três comissões em um só dia — e foi aprovado no dia 18, em meio a um protesto de professores que foi reprimido pela Polícia Militar.
A lei impacta a educação indígena
O texto altera as regras para remuneração de professores que atendem áreas remotas, como aldeias e quilombos, onde não há escolas físicas. Segundo os indígenas, essa medida deve levar comunidades a trocarem o ensino presencial pelas aulas virtuais oferecidas pelo governo, o que pode forçar jovens em idade escolar a deixarem as aldeias.
Os professores apontam prejuízos à carreira. Entre outros pontos, a lei mudou o cálculo para o pagamento de horas-aula e de gratificações, o que pode fazer aumentar a carga de trabalho sem acréscimo no salário. O texto também acabou com a progressão automática de carreira para docentes que obtêm qualificações, como pós graduação, mestrado e doutorado.
O grupo pede a demissão do secretário de educação do Pará, Rossieli Soares. O secretário, que foi ministro da Educação no governo Temer, afirmou no último dia 15 que o protesto é liderado por “grupos políticos que querem se aproveitar da situação”.
O governo foi à Justiça para retirar os manifestantes. Na noite do último domingo (19), o governo estadual entrou com uma ação de reintegração de posse na 5ª Vara Federal Cível do Pará, mas não houve decisão até o momento. Já o Ministério Público Federal pediu à Justiça que garanta o direito à manifestação aos indígenas.
A reportagem do UOL pediu esclarecimentos à Seduc, mas não teve resposta. A secretaria afirmou em nota, no último dia 15, que “mantém contato com as lideranças”, mas que a ocupação se baseia em “informações inverídicas” sobre as mudanças na lei. A Seduc nega que a medida trará prejuízos para a educação indígena.
‘Pagar para trabalhar’
Os indígenas temem que a mudança enfraqueça a educação nas aldeias. A lei modificou regras do Some (Sistema de Organização Modular de Ensino), um programa estadual que existe há mais de 40 anos para levar professores a aldeias, comunidades quilombolas e outras áreas remotas. O Some funciona por meio de convênios entre o governo estadual e as prefeituras municipais, que devem garantir moradia para os professores e um espaço para as aulas.
A lei alterou as regras de remuneração aos professores do programa. Até o ano passado, os participantes do Some recebiam uma gratificação de 180% sobre o salário-base, ou seja, quase o triplo. Além de ser um incentivo, esse adicional cobre despesas dos docentes em campo. A nova lei, no entanto, estabeleceu gratificações fixas, que vão de R$ 1 mil a R$ 7 mil.
Manifestantes afirmam que a mudança desmotiva professores a aderirem ao programa. A professora Irisleide Siqueira, que dá aulas na região sudeste do estado, afirmou ao UOL que os colegas precisam, com frequência, pagar despesas do próprio bolso, e que a mudança pode forçá-los a ter que “pagar para trabalhar”.
A mudança também enfraqueceu a proteção legal ao programa. O estatuto revogou uma lei de 2014 que regulava o Some e tinha regras específicas para a educação indígena. Com a mudança, esse programa segue funcionando na prática, mas não está mais garantido por uma lei específica
O governo nega que a lei tenha enfraquecido o ensino presencial. Em nota publicada no dia 15, a Seduc afirma que “as áreas que já contam com o Some continuam sendo atendidas com o mesmo formato”, e que a continuidade do programa está garantida.
‘Não queremos trocar professor por TV’
Para os indígenas, a mudança pode incentivar jovens a deixarem as aldeias. Segundo a ativista Alessandra Korap, liderança do povo Munduruku, a falta de incentivos para que professores atuem no Some abre caminho para a expansão do ensino a distância. Desde 2018, o governo tem equipado comunidades remotas com televisores, que transmitem aulas gravadas em Belém.
Os manifestantes acusam o governo de tentar precarizar o programa presencial para trocá-lo pelas aulas virtuais. De acordo com Alessandra, a maioria dos jovens indígenas prefere completar o Ensino Médio nas aldeias, já que costumam sofrer violência e racismo ao se mudarem para as cidades. Sem um ensino de qualidade em seus territórios, a tendência é que eles se mudem mais cedo para os centros urbanos, segundo a ativista.
O governo nega a intenção de substituir o ensino presencial pelo virtual. Na nota divulgada no dia 15, a Seduc afirma que o ensino virtual é “uma alternativa para atender estudantes que moram em regiões de difícil acesso”, mas que ele não vai substituir a educação regular
“Tem aldeias que já não têm escola no Ensino Médio. E, mesmo nas que têm, os alunos se mudam para a cidade assim que se formam, para ir à universidade. Sem um ensino de qualidade, eles vão mais cedo para a cidade. Na aldeia você tem peixe, você tem caça, tem frutas, e vive bem. Na cidade a vida é mais difícil, tudo custa dinheiro, tem violência e intolerância. Por isso é importante termos aulas presenciais no território. Não queremos trocar professores por TV”, Alessandra Korap.
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