Depois de 467 dias de guerra na Faixa de Gaza e quase 48 mil mortos, Israel e Hamas chegaram a um acordo para um cessar-fogo no conflito nesta quarta-feira (15). O tratado entra em vigor no domingo (19)
O cessar-fogo é a segunda trégua assinada entre as duas partes desde o início da guerra em Gaza — que começou em outubro de 2023, criou novos conflitos no Oriente Médio e fortaleceu as tensões na região.
Desta vez, no entanto, a proposta é aplicar medidas que levem ao fim total do conflito, em fases. O acordo prevê a libertação gradual de todos os cerca de cem reféns que ainda estão sob controle do Hamas, a retirada das tropas israelenses de Gaza e planos para o futuro do território, além da libertação de palestinos presos em presídios israelenses.
Na primeira etapa do acordo, 33 reféns mantidos sob o poder do Hamas serão libertados e devolvidos para Israel.
O cessar-fogo foi anunciado em Doha pelo primeiro-ministro do Catar, Mohammed bin Abdulrahman. O país foi um mediadores das negociações, junto de Egito e Estados Unidos. Durante o anúncio oficial, Abdulrahman pediu para que todas as partes cumpram o que foi acordado.
O primeiro-ministro do Catar também pediu por calma em Gaza até domingo, quando o cessar-fogo começará.
O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, publicou um comunicado comemorando o acordo. Biden afirmou que as negociações envolvem uma proposta apresenta por ele em maio de 2024, que foi aprovada pelo Conselho de Segurança da ONU.
“Mesmo enquanto celebramos esta notícia, lembramos todas as famílias cujos entes queridos foram mortos no ataque do Hamas em 7 de outubro, e as muitas pessoas inocentes que perderam a vida na guerra que se seguiu. Já passou da hora de os combates terminarem e de o trabalho de construir a paz e a segurança começar”, afirmou.
Ao mesmo tempo, o Hamas disse que o acordo é um grande ganho e que Israel fracassou com a ocupação em Gaza. Já o secretário-geral da ONU, António Guterres, afirmou que a prioridade agora será “aliviar o sofrimento tremendo causado pelo conflito”.
Mas mesmo antes do anúncio oficial, em meio a notícias de que o acordo havia sido fechado, centenas de pessoas saíram às ruas em Gaza para celebrar. Em Tel Aviv, imagens mostraram protestos silenciosos pedindo a volta dos reféns.
Antes do anúncio, uma série de tentativas de um cessar-fogo haviam sido feitas. Por mais de um ano, no entanto, as conversações esbarravam em pontos de desacordo entre as duas partes, principalmente no que diz respeito à devolução dos reféns.
Houve inclusive uma ameaça de que o acordo iria naufragar minutos antes da previsão inicial de ser anunciado. Fontes ligadas às negociações disseram a sites e agências de notícias que o Hamas, de última hora, decidiu impor novas exigências sobre o corredor de Filadélfia — como é conhecida a zona fronteiriça entre a Faixa de Gaza e o Egito.
O corredor foi um dos principais pontos de controvérsias. O Hamas quer a libertação total da área, já que moradores de Gaza só podem cruzar essa fronteira com autorização de Israel. Já o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, argumenta que o controle do corredor evitará o contrabando de armas do Egito ao território.
Principais pontos do acordo
O acordo de cessar-fogo prevê uma série de medidas que serão aplicadas em três fases. A última fase daria início a uma reconstrução de Gaza e levaria ao término definitivo da guerra — não há garantias, no entanto, de que isso acontecerá de fato.
Veja abaixo os principais pontos do acordo, baseado em parâmetros estabelecidos pelo presidente dos EUA, Joe Biden, e endossado pelo Conselho de Segurança da ONU.
Libertação dos reféns
Na primeira fase, que durará cerca de um mês e meio, o acordo prevê a devolução de todos os reféns civis — vivos ou mortos.
Em um primeiro momento, 33 deles serão libertados. Isso inclui crianças, mulheres (sendo cinco soldados israelenses do sexo feminino), homens acima de 50 anos, feridos e doentes. Israel acredita que a maioria está viva, mas não recebeu confirmação oficial do Hamas.
Se seguir conforme o planejado, no 16º dia após o início do acordo, começariam negociações para uma segunda etapa, na qual os demais reféns vivos — soldados homens e civis jovens do sexo masculino — seriam libertados, e os corpos dos sequestrados que morreram seriam devolvidos.
Em troca dos reféns, Israel libertará mais de 1.000 prisioneiros e detidos palestinos, incluindo 30 que cumprem sentenças de prisão perpétua. No entanto, terroristas do Hamas que participaram do ataque de 7 de outubro de 2023 em Israel não serão libertados.
Retirada de tropas israelenses
A retirada será feita em etapas, com as forças israelenses permanecendo ao longo da fronteira com Gaza para proteger as cidades e vilarejos fronteiriços de Israel. Haverá arranjos de segurança no corredor da Filadélfia, uma faixa de território ao longo da fronteira de Gaza com o Egito, com Israel se retirando de partes dele após a primeira fase do acordo.
Residentes desarmados do norte de Gaza poderão retornar, com um mecanismo para garantir que nenhuma arma seja transportada para lá. Tropas israelenses se retirarão do corredor Netzarim, no centro de Gaza.
A travessia de Rafah, entre o Egito e Gaza, começará a operar gradualmente, permitindo a passagem de pessoas doentes e casos humanitários para tratamento fora do enclave.
Aumento de ajuda humanitária
Haverá um aumento significativo na ajuda humanitária à Faixa de Gaza, onde organizações internacionais, incluindo a ONU, afirmam que a população enfrenta uma grave crise humanitária. Israel permite a entrada de ajuda no enclave, mas há uma discrepância entre a quantidade permitida a entrar em Gaza e a que realmente chega às pessoas necessitadas.
Governança futura de Gaza
Quem administrará Gaza após a guerra é uma incógnita nas negociações. Parece que essa questão foi deixada de fora da proposta atual devido à sua complexidade e à probabilidade de atrasar um acordo limitado.
Israel afirmou que não encerrará a guerra com o Hamas no poder. Também rejeitou que Gaza seja administrada pela Autoridade Palestina, entidade apoiada pelo Ocidente e criada sob os acordos de paz provisórios de Oslo, há três décadas, que exerce soberania limitada na Cisjordânia ocupada.
Israel declarou desde o início de sua campanha militar em Gaza que manterá o controle de segurança sobre o enclave após o fim dos combates.
A comunidade internacional insiste que Gaza deve ser administrada pelos palestinos, mas esforços para encontrar alternativas entre líderes da sociedade civil ou clãs locais têm sido amplamente infrutíferos.
No entanto, houve discussões entre Israel, Emirados Árabes Unidos e Estados Unidos sobre uma administração provisória para governar Gaza até que uma Autoridade Palestina reformada possa assumir o controle.