A equipe formada pelo presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) que atua na área social da transição vai propor que o novo governo convoque, em fevereiro e março, 4,9 milhões de beneficiários do Auxílio Brasil que declaram que moram sozinhos.
O objetivo é revisar o cadastro do programa social focando neste grupo, que representa 22,7% do total. Até o Tribunal de Contas da União (TCU) já apontou indícios de que há famílias unipessoais — ou seja, que têm apenas um indivíduo — que resultam da divisão artificial dos arranjos familiares feita para que mais pessoas recebessem a transferência de renda.
Integrantes dos debates desta área afirmam que a decisão é um consenso, mas que não ocorrerá em janeiro para evitar o risco de o novo governo cometer “injustiças”. Estas pessoas deverão comparecer aos Centros de Referência da Assistência Social (Cras) para comprovar a situação de família unipessoal.
Caso o beneficiário não consiga comprovar esta situação, contudo, o cancelamento do benefício não será imediato. Primeiro, haverá o bloqueio da conta para que os beneficiários comprovem a situação. Se não conseguirem, o governo fará o cancelamento. Estes detalhes deverão constar de uma medida provisória que Lula deverá promulgar no dia 2 de janeiro, reformulando o programa.
O TCU detectou suspeitas de pagamentos indevidos a 3,5 milhões de famílias em agosto, incluídas no programa sob o pretexto de zerar a fila. A área técnica do órgão avaliou que essa inclusão tinha por objetivo impulsionar a campanha de Jair Bolsonaro (PL) na disputa pela reeleição e que o benefício turbinado não ajudou a reduzir a pobreza e a desigualdade justamente por privilegiar famílias de uma pessoa em vez das mais numerosas.
A equipe que estuda o tema para o novo governo deve concluir nesta semana a proposta de redesenho do Auxílio Brasil, programa de transferência de renda que substituiu o Bolsa Família no governo Bolsonaro. Essa proposta prevê mudanças que passam por uma nova fórmula de cálculo do benefício, a revisão de condicionantes ligadas a educação e saúde e a retirada de “penduricalhos” como bônus por desempenho esportivo, além de um pente-fino no cadastro e o bloqueio de pagamentos com suspeita de irregularidade.
Nome do programa
Alguns pontos, porém, ainda estão em discussão no grupo, que não bateu o martelo nem mesmo se ele voltará a se chamar Bolsa Família. Petistas ouvidos pelo GLOBO não descartam a adoção de um nome que marque a nova fase do programa, uma das principais marcas dos governos do PT.
A ideia principal do grupo é mexer na espinha dorsal do programa, passando a considerar o número de pessoas que moram no domicílio. Assim, famílias com mais filhos receberão mais, o que, na avaliação de especialistas, aumenta a eficiência do combate à pobreza. A promessa eleitoral de Lula de pagar R$ 150 por cada criança de 6 anos vai nesse sentido.
Cresce número de brasileiros que teriam direito ao benefício
Enquanto as diretrizes do programa são reformuladas, o piso de R$ 600 será mantido, e as famílias com filhos pequenos serão beneficiadas com o adicional de R$ 150 por criança de até 6 anos. Essa ampliação ainda depende da aprovação da emenda constitucional que abre espaço no Orçamento, a “PEC da Transição”, que já passou pelo Senado e deve ser votada na Câmara nesta semana.
Sem ‘penduricalhos’
Uma das propostas que chegaram a ser discutidas no grupo é a redução do piso do benefício pago às famílias unipessoais. Pessoas que se enquadram no perfil de renda do programa e que vivem sozinhas ganhariam menos de R$ 600. Essa sugestão, porém, não é consenso.
Uma preocupação da equipe de transição é o impacto das revisões, para não penalizar beneficiários que realmente precisam da renda.
Critérios como frequência escolar e vacinação atualizada também devem voltar a ser monitorados. Mas a proposta elaborada por integrantes do grupo de transição prevê rever o que eles têm chamado de “penduricalhos” inseridos pela equipe de Bolsonaro, como o pagamento de bônus por desempenho acadêmico e esportivo.
Embora não representem um custo elevado e mal tenham sido implementados, o caráter meritocrático desses adicionais em um programa social causa incômodo entre os técnicos que discutem o redesenho.
Incentivo à formatura
Por outro lado, o time estuda a viabilidade de incluir no programa a proposta de uma poupança para estudantes que foi uma das promessas da campanha presidencial de Simone Tebet (MDB-MS) — que atua no grupo social da transição e é cotada para o ministério da área—, incorporadas por Lula no segundo turno.
A sugestão é fazer um depósito mensal para estudantes ao longo do ensino fundamental e médio como um estímulo para que permaneçam na escola até a formatura, quando poderiam sacar o montante.
Busca ativa por pobres
Integrantes da transição também apontam a necessidade de reestruturação do Sistema Único de Assistência Social (Suas), para garantir mais eficiência a uma área que foi deixada de lado pelo atual governo. Esse é o sistema em que se concentram os Cras, responsáveis nos municípios pelo atendimento direto a quem busca o benefício ou já recebe.
Também cabe a esses centros a busca ativa de novas famílias. O repasses financeiros para essa rede sofreram cortes significativos no Orçamento para 2023 enviado ao Congresso pela equipe econômica de Bolsonaro.
Depois que o cadastro for atualizado, a proposta do grupo é reforçar a busca ativa pelos mais pobres. A ideia é mobilizar assistentes sociais por meio do conselho nacional do setor e de prefeituras para fazer esse trabalho que consiste em identificar pessoas em situação de vulnerabilidade que não sabem que têm direito ou não conseguem pedir para ingressar no programa por algum motivo, como a falta de documentos ou de acesso aos Cras.
Ações sociais complementares à transferência de renda — como segurança alimentar, qualidade nutricional e atendimento a crianças — ganharão mais peso no novo desenho. Um exemplo é o programa Criança Feliz, que faz visitas domiciliares a famílias com filhos na primeira infância.
Com informações de O Globo