Ofícios da Sesai (Secretaria Especial de Saúde Indígena), do Ministério da Saúde, revelam que o governo de Jair Bolsonaro cortou a alimentação doada a yanomamis, mesmo após alertado da grave situação e do pedido da manutenção de entrega de comida aos indígenas.
Os documentos foram enviados entre junho de 2021 e março de 2022 aos ministérios da Justiça e Segurança Pública e da Cidadania. Dois deles foram obtidos pela coluna e comprovam que tramitaram ao menos três pedidos com sérios alertas do órgão sobre a situação nutricional dos yanomamis.
Relatam também os impactos de uma parada de distribuição de comida por meio do programa ADA (Ação de Distribuição de Alimentos a Grupos Populacionais Tradicionais).
“Diante da situação atual do quadro de déficit nutricional demonstrado no relatório supracitado, ressalta-se a importância da manutenção das ações de Distribuição de Alimentos, com objetivo de minimizar emergencialmente as situações de vulnerabilidade alimentar da população indígena yanomami”, comunica um dos ofícios, datado de 1º de fevereiro de 2022.
Segundo a Sesai, o Dsei (Distrito Sanitário Indígena Especial) Yanomami foi contemplado pela ADA em 2017, após determinação do TCU (Tribunal de Contas da União). A ação era coordenada pela Secretaria Nacional de Inclusão Social e Produtiva Rural, do antigo Ministério da Cidadania.
Cronologia dos documentos:
• Ofício de 30 de junho de 2021 – Enviado ao Ministério da Justiça junto com relatório apontando “quadro de déficit nutricional” dos yanomamis. “Ressalta-se a importância da manutenção das ações de Distribuição de Alimentos”, diz.
• Ofício de 1° de fevereiro de 2022 – Endereçado ao Ministério da Justiça e ao Ministério da Cidadania alerta novamente para a desnutrição, “solicitando apoio na articulação com os ministérios para a distribuição de cestas de alimentos.” Cita que o povo yanomami foi retirado da ADA.
• Ofício de 23 de março de 2022 – Repete os termos do de 1° de fevereiro, alterando apenas a sugestão de data para debate do tema em reunião interministerial.
Ainda no ofício de 1° de fevereiro, a Sesai afirma que houve retirada dos yanomamis do programa e pede reinclusão por ser “de extrema importância para segurança alimentar da população indígena”.
“A SESAI tem recebido demandas das comunidades indígenas quanto à necessidade de fornecimento de cestas de alimentos”, alerta Ofício da Sesai.
Como se sabe, indígenas não receberam alimentos do governo federal em quantidade suficiente nos últimos tempos, e uma grave crise humanitária se alastrou adoecendo e matando por desnutrição no território.
Um outro relatório com diagnóstico feito pela ONG Missão Evangélica Caiuá no início deste ano confirma que praticamente não havia entrega de alimentos.
“O governo tem realizado a doação, mas infelizmente para os indígenas chega apenas arroz, quando chega”, cita o documento publicado pelo site GGN.
A entidade administrava o DSEI Yanomami recebeu R$ 872 milhões do governo Bolsonaro durante os quatro anos de gestão.
A suspeita de genocídio está sendo investigada pela PF (Polícia Federal), a pedido da PGR (Procuradoria-Geral da República).
Entre os focos da investigação, o órgão apura se houve omissão de agentes públicos e atuação dos financiadores e facilitadores do garimpo ilegal na região. A superintendência da PF em Roraima é a responsável pelas investigações, que correm em sigilo.
À época dos ofícios, o ministro da Justiça era Anderson Torres —que está preso por suspeita de omissão e conivência com atos golpistas de 8 de janeiro. A coluna procurou a defesa de Torres e aguarda retorno.
No mês passado, em seu canal no Telegram, Bolsonaro se defendeu de acusações de Lula, que disse que a gestão anterior abandonou os yanomamis. O ex-presidente citou ações voltadas aos povos indígenas em seu governo —mas omitiu dados sobre mortes. “De 2019 a novembro de 2022, o Ministério da Saúde prestou mais de 53 milhões de atendimentos de Atenção Básica aos povos tradicionais, conforme dados do Subsistema de Atenção à Saúde Indígena do SUS, o SasiSUS.”
Ao UOL Entrevista, na quinta-feira (9), o deputado federal Ricardo Salles (PL-SP) afirmou e que o problema dos indígenas Yanomami é “muito antigo” e que a responsabilidade pela crise humanitária é da “sociedade”.
Salles foi ministro do Meio Ambiente de Bolsonaro até ser exonerado em junho de 2021 por suspeitas de facilitar a exportação ilegal de madeira do Brasil aos EUA e à Europa.
Com informações da coluna de Carlos Madeiro / Uol