Regina Duarte, 76, se viu em um “limbo” artístico em 2022, após duas tentativas frustradas de retorno aos palcos. A atriz, que atuou como secretária especial de Cultura do governo do ex-presidente Jair Bolsonaro, teve o nome rejeitado por autores que, segundo a própria artista, “não quiseram se envolver”.
Isolada por parte dos colegas de profissão, a veterana diz que encontrou na arte botânica um caminho possível de expressão. Ela transforma folhas, galhos e cascas secas em quadros. O trabalho, paixão que descreve como “avassaladora”, começou em janeiro e deu origem à mostra “A Natureza e Eu: Novas Descobertas”.
A atriz recebeu a reportagem de Splash na galeria Aqua Arte em Quadros, em Moema, zona sul de São Paulo, para uma entrevista exclusiva. A artista fala dos motivos que a levaram aceitar o cargo no governo Bolsonaro, as consequências da decisão para a carreira e a vida pessoal, a nova profissão e como a passagem do tempo desperta interesse pela finitude da própria vida.
“Fui descobrindo, aos poucos, que eu estou interessada na minha morte. É um tema que, na minha idade, não dá para não passar. Eu sei que uma hora eu vou, como todo mundo vai, para outro lugar.” disse Regina Duarte, atriz e ex-secretária de Cultura
O olhar à saúde ficou mais atento, quase que como um exercício consciente de quem quer se “preservar por mais um tempo aqui no planeta.” “Comecei a prestar mais atenção em como mastigo, o que eu como, que quantidade o meu corpo precisa. E cortei o café, porque não gosto de café, gosto do açúcar do café, e como cortei o açúcar, não tomo mais café. Exemplos bobinhos, assim, mas importantes.”
Rejeição e novos amores
A imagem pública de Regina Duarte se transformou drasticamente desde que o nome dela passou a ser associado ao governo do ex-presidente. A atriz, embora nos anos anteriores já se manifestara politicamente, intensificou a participação no debate público durante a gestão bolsonarista — seja de forma direta ou por meio de declarações alinhadas à direita.
A namoradinha do Brasil, que ao longo de cinco décadas deu vida a personagens icônicos na teledramaturgia da Globo, passava a ocupar um novo espaço no imaginário de milhões de brasileiros. A atuação em Brasília, porém, também fez a veterana experimentar o “doloroso” isolamento.
“Tentei fazer teatro no ano passado, mas os dois textos que escolhi não foram aprovados pelos autores. Não quiseram se envolver comigo, por suas razões, que eu entendo perfeitamente. Então, fiquei assim, meio no limbo, ano passado todo, e no início deste ano o anjo jogou umas folhas em cima de mim.” afirmou Regina Duarte.
Foi neste contexto que a atriz encontrou na arte botânica um novo caminho de expressão. No início do ano, ela conta que foi tomada por uma “paixão avassaladora” pelo impulso de colecionar folhas secas e as transformar em arte. “Acordava, eu não ia tomar café. Ia colocar quatro, cinco folhas que eu tinha deixado de colar na noite anterior. Eram 12h, às vezes, 14h de trabalho. E com muita paixão, com muita vontade.”
A primeira pergunta com relação à política foi a deixa que Regina Duarte esperava para tirar do bolso um papel e pedir licença para ler um texto previamente escrito. “Eu sabia que você ia tocar nesse assunto, que a gente ia chegar na política, que é a grande curiosidade das pessoas hoje em dia. O seu leitor, provavelmente, quer ler sobre isso. Entendo perfeitamente.”
A ex-secretária de Cultura classificou como “irresistível” o convite para integrar o governo, apesar de admitir sem rodeios que não estava preparada para o cargo. “Como atriz, sempre fui interessada em conhecer vastíssimas camadas do ser humano. E o convite para conhecer os subterrâneos de Brasília era um pitel.”
Apoiada em uma promessa de “carta-branca” para montar a própria equipe, a atriz lembra que tentou fazer do produtor cultural Humberto Braga — que morreu em 2021 — o secretário-adjunto da pasta. A nomeação, entretanto, nunca aconteceu.
“Eu não estava preparada”
Lidar com as manifestações contrárias de parte da classe artística, a quebra da promessa de independência e as ações da secretaria travadas no antigo governo foram um choque para a atriz, que precisou romper um contrato de décadas com a Globo para embarcar no Executivo.
Foi assustador, mas me ajudou a crescer. Hoje, consigo proteger melhor a menina ingênua do interior que eu insisto em exercer […]. Sou curiosa, interessada. Quis viver essa experiência. Vivi dando tudo o que eu podia dar. Fui defenestrada, essa palavra me ocorreu agora há pouco, e não me arrependo. Pelo contrário, foi muito bom para mim […] Eu não estava preparada. Eu sabia disso, mas eu contava com Humberto [Braga].
“Tanta coisa para falar”
Em 2020, a artista interrompeu uma entrevista à CNN Brasil após a exibição de um depoimento da atriz Maitê Proença. A então secretária entendeu que se tratava de uma gravação antiga, embora o vídeo tenha sido solicitado no mesmo dia, e decidiu encerrar a participação.
Na ocasião, ela também questionou o fato das pessoas relembrem a tortura e as mortes ocorridas durante o período da ditadura militar brasileira. “Não quero arrastar um cemitério de mortos nas minhas costas. Não desejo isso para ninguém. Sou leve, viva, estamos vivos, vamos ficar vivos”, disse na ocasião. Após o episódio, Regina concluiu: “Pra mim já deu”.
A família da veterana discordou da entrada na política. “Nunca foi tranquilo para ninguém. As pessoas sabiam que era perigoso ir para Brasília, então ninguém aceitou. Era muita exposição. Muitas histórias de que é difícil, um ninho de cascavéis. […] Também não é assim, mas tem que estar preparado para ir para lá. Tem que ter chão de plenário.”
Regina Duarte permaneceu no comando da Secretaria Especial de Cultura, pasta que substituiu o Ministério da Cultura — extinto à época por decisão de Bolsonaro — pouco mais de três meses. A gestão foi marcada por polêmicas e desautorizações da alta cúpula do Poder Executivo.
A saída do governo foi anunciada por Regina e Bolsonaro, por meio de um vídeo publicado nas redes sociais do ex-presidente, em maio de 2020. Na gravação, feita em frente ao Palácio da Alvorada, em Brasília, ela disse que sentia falta da família e, por isso, aceitaria o “convite” de Bolsonaro para dirigir a Cinemateca, em São Paulo — o que nunca aconteceu.
Questionada por Splash, a ex-secretária afirma que até hoje não faz “a menor ideia” do motivo para não assumir o comando da instituição. “Era para eu ter passado um tempo na Cinemateca. É uma paixão minha aquele prédio. A proposta era maravilhosa, e tinha muito a ver com a artista que eu sou.”
A nomeação não foi para frente porque a Cinemateca havia deixado de ser administrada diretamente pelo governo federal e teve a gestão transferida para uma organização social, a Acerp (Associação de Comunicação Educativa Roquette Pinto).
Ela afirma que decidiu romper o silêncio e falar sobre o período em respeito à própria trajetória. “Seria injusto com a minha história continuar em silêncio. Uma hora eu me perguntei: ‘Por que o silêncio?’ É o que eu tenho para dizer nesse momento. Talvez, quando eu escrever a minha biografia, eu trago mais informações.”
Em paz com as escolhas
Basta uma simples pesquisa no Google para encontrar uma infinidade de informações sobre a carreira e a rápida passagem da atriz pela política. Há histórias, recortes, opiniões e polêmicas aos montes. Entretanto, depois de todo esse turbilhão, quem é a Regina Duarte hoje?
“Eu me descreveria como uma avó muito coruja, muito apaixonada pelos netos. Muito grata aos meus filhos, que me deram essas preciosidades. E é como se eu tivesse cumprido uma missão. Eu vim para isso, para fazer o que fiz. [na arte]. Para levar alegria para o povo, emoção, despertar sentimentos inusitados, fazer chorar até. E isso me dá muita gratificação.”
A atriz diz que se sente realizada com a própria história. “Estou vivendo a melhor idade, sinceramente, o melhor período. Eu aprendi muita coisa na vida. Tive uma família que prestou atenção em mim, me deu todas as chances de desenvolver os talentos que eles começaram a perceber em mim. Sou uma artista, sou atriz.”
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