Parque Nacional do Cabo Orange, no norte do Amapá, na fronteira com a Guiana Francesa - Foto: Victor Moriyama / Greeenpeace

A decisão da Petrobras de iniciar imediatamente a perfuração de um poço de petróleo na foz do Amazonas às vésperas da COP30 “enterra” de vez as pretensões do presidente Lula (PT) de se tornar um líder climático no mundo, afirma a ex-presidente do Ibama Suely Araújo, hoje coordenadora de Políticas Públicas do Observatório do Clima. A ONG promete recorrer à Justiça após o Ibama conceder hoje uma licença para a perfuração em uma região sensível ao meio ambiente.

A licença foi concedida hoje para a exploração do Bloco 59, a 500 quilômetros da foz. A região faz parte da Margem Equatorial, uma área do Amapá ao Rio Grande do Norte que abriga o maior sistema de recifes do Brasil e o maior complexo de mangues do mundo. Um vazamento de petróleo naquela região poderia causar um desastre ambiental.

Para a ex-presidente do Ibama, a decisão “atrapalha a COP30”, a conferência climática que acontece mês que vem no Pará. Segundo Araújo o governo está “contrariando a ciência” ao estimular a expansão do combustível fóssil “e apostando em mais aquecimento global”. A medida “atrapalha a própria COP30, cuja entrega mais importante precisa ser a implementação da determinação de eliminar gradualmente os combustíveis fósseis”, diz ela.

A decisão também desgastaria a imagem de Lula, que internacionalmente busca o papel de líder ambiental.

“Lula acaba de enterrar sua pretensão de ser líder climático no fundo do oceano na foz do Amazonas.” afirmou Suely Araújo, ex-chefe do Ibama.

O climatologista Carlos Nobre lembrou que a decisão pode acelerar a savanização da Amazônia. Ela “está muito próxima do ponto de não retorno, que será irreversivelmente atingido se o aquecimento global atingir 2°C e o desmatamento ultrapassar 20%”, diz ele, que é copresidente do Painel Científico para a Amazônia. Desde o início do período pré-industrial, o planeta já se aqueceu em aproximadamente 1,1°C. “Além de zerar todo desmatamento, degradação e fogo na Amazônia, torna-se urgente reduzir todas as emissões de combustíveis fósseis.”

A opção pelo petróleo contraria a necessidade de investir em energia renovável. “O Brasil tem a oportunidade de explorar seu enorme potencial de geração energética solar e eólica e se tornar uma potência mundial em energias sustentáveis. Não devemos desperdiçar essa oportunidade”, diz Paulo Artaxo, físico, integrante do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas), especializado em crise climática e Amazônia. “Abrir novas áreas de produção de petróleo vai auxiliar a agravar ainda mais as mudanças climáticas e certamente isso vai contra o interesse do povo brasileiro.”

Cientistas e ambientalistas afirmam que o governo não investe o suficiente em energia renovável. “Ao contrário do que alegam, os recursos do petróleo pouco investem na transição, sendo apenas 0,06%”, afirma Clara Junger, Coordenadora de Campanha no Brasil (iniciativa do Tratado de Não Proliferação de Combustíveis Fósseis).

Foto: Ricardo Stuckert (PR)

O Observatório do Clima promete recorrer à Justiça: “O governo será devidamente processado por isso nos próximos dias”, diz a ex-presidente do Ibama.

“Vamos operar com segurança”

A Petrobras nega que a exploração colocará a foz do Amazonas em risco. “Vamos operar na Margem Equatorial com segurança, responsabilidade e qualidade técnica”, disse em nota a presidente da estatal, Magda Chambriard.

Foram quase cinco anos até a obtenção da licença. “Nesse processo, a companhia pôde comprovar a robustez de toda a estrutura de proteção ao meio ambiente que estará disponível durante a perfuração em águas profundas do Amapá”, escreveu a empresa em nota.

O ministério de Minas e Energia também diz que a região será preservada. “Fizemos uma defesa firme e técnica para garantir que a exploração seja feita com total responsabilidade ambiental, dentro dos mais altos padrões internacionais”, afirmou o ministro Alexandre Silveira após a decisão. “O nosso petróleo é um dos mais sustentáveis do mundo, com uma das menores pegadas de carbono por barril produzido, assim como a nossa matriz energética altamente renovável, que é exemplo para o mundo.”

O petróleo da Margem Equatorial servirá “para a segurança energética nacional”, defende Silveira. “O Brasil não pode abrir mão de conhecer seu potencial”, afirmou.

O plano de investimento da Petrobras 2025-2029 prevê US$ 3 bilhões na Marquem Equatorial. O valor inclui a perfuração do poço liberado hoje pelo Ibama. A perfuração “está prevista para ser iniciada imediatamente, com a duração estimada de cinco meses”, diz a empresa.

A perfuração buscará informações geológicas. A avaliação dirá se há petróleo e gás suficiente na região para exploração econômica. Só depois dessa confirmação, haverá produção de petróleo na foz do Amazonas.

*Com informações de Uol