Foto: Márcia Costa Rosa

Prédios e casas antigas, praças, parques e muitos outros equipamentos públicos guardam em si, muito da história de Manaus e de seus moradores que construíram memórias afetivas capazes de fortalecer a relação de pertencimento com a cidade.

No ‘Artigo de Domingo’ de hoje, o advogado Félix Valois chama a atenção para o respeito necessário e urgente a essa relação entre as pessoas e os lugares onde elas vivem, criam seus filhos, passeiam e trabalham por um futuro melhor. Boa leitura.

Essa Manaus que se vai (Por Félix Valois)

O título desta crônica é emprestado do livro do grande escritor amazonense José Ribamar Bessa Freire. Na obra, o autor, com talento admirável, vai falando de gente, fatos, coisas e eventos de nossa cidade que o tempo foi deixando para trás e que vão, por consequência, sendo apagados de nossa memória. O livro é delicioso, mas nos deixa com aquele laivo de tristeza, quase culpa/remorso, pela falta de preservação daquilo que deveria estar inserido com todas as letras na própria vida da capital.

De fato, vários atentados foram praticados contra esta Manaus, que Gilberto Barbosa, o Gil das colunas sociais, dizia ser de “mil contrastes”, tratando-a na intimidade como “Manô”. Lembro um dos mais clamorosos: a derrubada sumária do palacete dos Miranda Correia. Para os mais jovens, reporto que era uma obra de estilo neoclássico/gótico, situada na esquina da avenida Eduardo Ribeiro com a rua Monsenhor Coutinho, na Praça do Congresso. Dava gosto contemplá-lo e sua silhueta se destacava para quem apreciava a avenida a partir da escadaria do Instituto de Educação do Amazonas. Foi literalmente posto abaixo, arrasado e destruído, sendo que em sua substituição, ergueu-se aquele espigão que, apontando para os céus, parece implorar perdão pela insanidade que se praticou.

O mesmo destino sombrio teve o prédio onde funcionava o Cine Guarany, ali na Praça da Polícia. Duvido que exista algum estudante que não tenha matado aula no Colégio Estadual do Amazonas para assistir a um filme na velha casa. Hoje, é a agência de um banco particular. Singela troca, a lembrar que, na verdade, fomos simplesmente roubados em nosso patrimônio histórico.

De igarapés e banhos já falei. Todos se foram, sufocados pela especulação imobiliária ou, às vezes, pela simples ignorância e alienação.

Mas a coisa não para. Agora mesmo, nesta semana, meu querido amigo Erasmo Amazonas ligou para me dar ciência do que estão pretendo fazer em um logradouro do bairro de Educandos. Ali, existe uma pracinha (que já foi maior, diga-se de passagem), chamada de Praça de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro. Localiza-se em frente à igreja do mesmo nome, na esquina das ruas Inocêncio de Araújo e Manoel Urbano. Já teve outras denominações, ao sabor de conveniências políticas, nem sempre elogiáveis. Assim é que já foi chamada de Praça do Rio Negro, Praça da Capela e Praça Doutor Tavares Bastos. O certo, porém, é que desde 1949, por força da lei 33, de 12 de setembro daquele ano, é conhecida pelo nome da santa católica, que é padroeira do bairro.

Pois muito que bem. Está em curso, na prefeitura, um projeto de ampliação da Unidade Básica de Saúde (UBS) existente nas proximidades do logradouro de que cuido. Se concretizado, o resultado será um avanço de cento e vinte e metros quadrados sobre a praça, reduzindo-a a dimensões ridiculamente pequenas. Também quer-se oficialmente a construção de lanches em lugar que, para o povo do bairro, poderia servir para a implantação de uma academia de esportes, com espaço para as reuniões do conselho do bairro.

Castro Alves, o condoreiro vate baiano, já bradava: “A praça é do povo, como o céu é do condor”. Ora, deixemos, pois, que o bom povo de Educandos desfrute de sua praça que, apesar de pequena, é o local preferido de encontros e bate-papos, de confraternização e amizade. É lá que se realizam, ainda, as quermesses, prática tão antiga que chegar a ter um odor bucólico. É nesses arraiais que as crianças “pescam” seus brinquedos e onde os adultos podem participar dos bingos de galinhas recheadas e de maioneses.

Diminuir a praça de nada vai servir. Minto: vai servir para agredir desnecessariamente uma gente que nada mais pede além de espaço para respirar e folgar um pouco das lides do cotidiano. De qualquer forma, há outros lugares nas imediações, onde perfeitamente ser feita a tal ampliação da UBS.

Juntemo-nos à luta pela preservação da Praça de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, nos Educandos. Se não, será mais um pedaço de Manaus que se vai. Lembremo-nos: Manaus, quem ama, respeita.