Aline e Antonio La Selva são inimigos em Terra e Paixão, que chega ao fim nesta sexta-feira - Foto: Divulgação / Globo

As paisagens de Nova Primavera, cidade fictícia de Terra e Paixão, novela das nove da Globo, foram gravadas em um império em Deodápolis, no Mato Grosso do Sul, que tem como nome original Fazenda Annalu. A equipe da emissora passou o mês de fevereiro de 2023 no local para as gravações da trama. O problema é que a propriedade está envolvida em diversos escândalos, que incluem a prática de crimes ambientais.

A Fazenda Annalu faz parte dos mais de 50 mil hectares, mais da metade da área total de Deodápolis, controlados pela empresa Valor Commodities, um dos maiores grupos de plantio e comercialização de soja e milho do Mato Grosso do Sul.

Na primeira reportagem da série De Olho nos Ruralistas, a Globo Rural mostrou o histórico de desmatamento em Reserva Legal e degradação de Área de Preservação Permanente (APP), constatado em 2019 durante uma vistoria do Ministério Público do Mato Grosso do Sul (MPMS). Em 2022, o departamento abriu um inquérito civil para investir os problemas na região, encontradas também em outras propriedades do grupo.

Com o cruzamento de dados dos sistemas de monitoramento por satélite, o núcleo de pesquisas do observatório identificou pelo menos 3.808,69 hectares de desmatamento em 24 de 45 fazendas identificadas. Isso equivale a nove vezes o tamanho do Parque da Cidade, em Brasília, no Distrito Federal, o maior parque urbano do mundo.

Em 2000, a violação mais antiga aponta que Nilton Rocha Filho, avô de Lelinho, atual proprietário da Fazenda Annalu, recebeu três autuações do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) por desmatar 194 hectares de uma reserva florestal no município de Dourados. Entre os R$ 364 mil em multas aplicados pelo órgão, o fazendeiro quitou R$ 160 mil. Já a principal autuação, de R$ 200 mil, foi baixada após deferimento da defesa, e a infração menor, de R$ 4 mil, foi cancelada após análise jurídica.

Já falecido, Nilton foi proprietário do local entre 2003 e 2005, quando vendeu o imóvel para a distribuidora de grãos Granol. Em 2016, Lelinho recomprou junto ao primo Nilton Fernando Rocha Filho. Dois anos depois, assinaram o Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) pelo MPMS para recuperação dos passivos ambientais da Fazenda Annalu.

Além disso, adquiriram a Fazenda Prateada, de 633 hectares, localizada ao sul da Annalu e a anexaram ao complexo. A mesma também foi alvo de uma Ação Civil Pública movida pelo MPMS, por conta dos danos ambientais gerados pela instalação de drenos irregulares. A Agropecuária Riber, sua antiga proprietária, firmou um TAC se comprometendo com a recuperação ambiental das Áreas de Preservação Permanentes (APP) dos córregos Mutuca e Iretã, o que foi cumprido por Lelinho ainda em 2022.

Na Fazenda Annalu, foram instalados 54 drenos para o abastecimento do megaprojeto de piscicultura do grupo Valor Commodities. Ainda que a obra tenha sido realizada sem licenciamento, a criação de peixes prosseguiu durante três anos, até a emissão de uma licença de operação pelo Instituto do Meio Ambiente do Mato Grosso do Sul (Imasul), em 2021.

A novela das nove da emissora foi gravada na Fazenda Annalu – Foto: Reprodução

Em 2015, Nilton Rocha Filho recebeu nova autuação do Ibama por deixar de cumprir determinação do órgão ambiental que exigia medidas de controle para cessar a degradação ambiental na Fazenda Vaca Mocha, localizada no município de Caracol, a 360 quilômetros de distância de Deodápolis. O mesmo encontra-se na região da Bodoquena, uma importante zona de transição ecológica entre o Cerrado e a Mata Atlântica.

Conforme imagens de satélite do Inpe, consultadas pelo De Olho nos Ruralistas, a área degradada dentro do imóvel soma 1.862,74 hectare e corresponde a 48,9% das manchas de desmatamento analisadas em imóveis da família Rocha, que realizou o pagamento de uma multa de R$ 10 mil.

Dois anos depois, um novo inquérito apurava o dano ambiental causado às margens do Rio Apa, por não respeitar as APPs dos córregos intermitentes na Fazenda Vaca Mocha. Essa é a sede da 3R Agropecuária, empresa registrada em nome de três Rocha, netos do patriarca: Anna Flávia Rocha, Felipe Guilherme Rocha e Nilton Fernando Rocha Filho. A empresa faz parte do grupo Valor Commodities, que comercializa a produção das fazendas da família.

Entretanto, a situação complicou ainda mais e as irregularidades ambientais se multiplicam. Em Dourados, um inquérito civil foi instaurado pelo MPMS para apurar o desmatamento de todas as áreas de preservação permanente e de Reserva Legal da Fazenda Miya, em que o proprietário seria Nilton Rocha Filho. Além dele, foram citados como possíveis beneficiários do desmate o ex-governador Zeca do PT e o deputado estadual Zé Teixeira (PSDB). Durante a gestão de Zeca, foi deflagada a investigação do caso Campina Verde, envolvendo o grupo empresarial da família Rocha.

Po outro lado, Zé Teixeira é um dos 42 políticos identificados como proprietário de terras incidentes em áreas indígenas no relatório Os Invasores: parlamentares e seus financiadores possuem fazendas sobrepostas a terras indígenas. Apesar disso, nenhum documento comprovou a ligação dos políticos com o dano ambiental ou com o imóvel.

A empresa SS Agronegócio, de um primo dos Rocha, Cássio Basalia Dias, é quem responde pela Fazenda Miya, renomeada como Pau D’Alho, investigada pelo desmatamento de 29,58 hectares de vegetação em áreas de regeneração e de vegetação nativa primária de Mata Atlântica.

Mais uma vez, Nilton Fernando Rocha Filho, um dos donos da Fazenda Annalu, foi envolvido ao assinar como fiador e permutante o contrato de compra da fazenda em 2019. Em 2020, a propriedade foi alvo de infração e teve área embargada pelo Ibama, por destruir 9,20 hectares de fragmentos de vegetação secundária em estágio inicial de regeneração.

Além das infrações, o nome da esposa de Cássio, Alessandra Motta dos Santos Basalia Dias, sócia na SS Agronegócio, constam junto ao Ibama infrações pelo desmatamento de 76 hectares no Sítio Novo Oeste, em Caarapó, município vizinho de Dourados. Além disso, é responsável pelo desmatamento de 41,5 hectares da Fazenda Retiro da Conceição em Porto Murtinho, na fronteira com o Paraguai, Alessandra.

Na Fazenda Baía das Conchas, Lelinho Rocha é alvo de uma investigação do MPMS, que apura o desmatamento de 256,62 hectares em área de Mata Atlântica. A propriedade recebeu a Autorização Ambiental nº 1893/2021, referente a corte de árvores nativas isoladas, mas em outra época o desmante ocorreu fora das áreas licenciadas.

Anteriormente, o grupo familiar se chamava Campina Verde e, em fevereiro de 2020, no início da pandemia, a empresa passou a se chamar Valor Commodities. Os acusados pelas fraudes deixaram de ser sócios para possibilitar a entrada de Lelinho e de seu primo, Nilton Fernando Rocha Filho, mas o comando continuou nas mãos de Aurélio e Nilton Fernando.

Cássio Basalia Dias, dono da SS Agronegócio e primo dos Rocha, foi investigado durante o processo da Campina Verde, mas teve a punibilidade extinta por decisão da 3ª Vara Federal de Campo Grande.

*Com informações de IG