Ex-pastores acusam Igreja Universal de obrigá-los a passar por vasectomia — Foto: Reprodução / Universal

Recentemente, a Igreja Universal do Reino de Deus (Iurd), liderada por Edir Macedo, foi condenada a pagar uma indenização de R$ 100 mil para um pastor que disse ter sido obrigado a se esterilizar. O colunista do UOL Rogério Gentile afirmou que a juíza Franciane Aparecida Rosa rejeitou os argumentos apresentados pela defesa da Iurd e atestou que existia uma imposição para a realização do procedimento de vasectomia para pastores que desejavam se casar.

A reportagem conversou com exclusividade com dois ex-pastores da Universal que confirmaram a história que chegou à Justiça.

O que diz a Universal

Em nota, a Universal classificou como mentirosa e criminosa a acusação de transferir pastores para o Nordeste como punição por eventuais insubmissões de seus pastores e bispos.

Sobre a obrigatoriedade do procedimento de esterilização, a Iurd afirma que “a acusação de imposição de vasectomia é facilmente desmentida.”

“Muitos bispos e pastores da Universal, em todos os níveis de hierarquia da Igreja, têm filhos. São mais de 3.000 filhos naturais de membros do corpo eclesiástico da Igreja.” disse a Universal em nota

A igreja afirma, no entanto, estimular o planejamento familiar, que deve ser “debatido de forma responsável por cada casal”.

Ainda no comunicado, a Iurd diz recorrer da decisão impetrada pela juíza Franciane Aparecida Rosa e afirma que “96% das sentenças em varas e tribunais são sempre favoráveis à Universal. Apenas a título de exemplo, entre 2019 a 2023 —relativos à vasectomia—, são mais de 65 decisões favoráveis à Igreja.”

Por fim, a assessoria da Igreja Universal afirma que o ministério em suas igrejas não é destinado a quem deseja ganhar dinheiro, pois, conforme diz a nota, “quem vem com a intenção de enriquecimento, ao perceber que aqui não terá êxito, cria uma desculpa para sair, e, se aventura em ações judiciais que não param de pé.”

‘Obrigado a fazer a cirurgia’

Pastores são orientados a focar na “obra de Deus”. Marcelo Roque, 41, participou por mais de 20 anos da instituição religiosa, sendo cinco destes como pastor. Ele deixou a Iurd no ano de 2001. Segundo o ex-pastor, “a obrigação em fazer a vasectomia se dá pelo fato de o pastor ter compromisso apenas com a dita obra de Deus” e “por isso, todo pastor, antes de casar, é obrigado a fazer a cirurgia”.

Solteiros também seriam orientados a fazer cirurgia. Roque tem um canal no YouTube onde divulga denúncias dos bastidores da Universal. Ele conta que escuta com frequência histórias de que, agora, os pastores solteiros também são obrigados a realizar o procedimento —o que não acontecia em sua época. “Não [fiz a cirurgia], porque na época eu era solteiro e, até então, só casado fazia”, explicou.

Denúncias e ameaças são divulgadas no YouTube. Sávio*, 41, foi pastor na Iurd por 16 anos e deixou a igreja em 2019. “Saí porque comecei a questionar as doutrinas da instituição e a manipulação financeira e política que acontece lá”, relatou. Assim como Roque, ele também tem um canal no YouTube em que faz denúncias sobre a Iurd. Ambos relatam terem sofrido ameaças devido ao conteúdo que publicam.

“Eles se colocam como a voz de Deus. Quem questionar está contra Deus. Então, você vai se anulando, porque não quer desagradar a Deus.” afirmou Sávio

Ex-pastores da Universal relatam ter sofrido ameaças — Foto: Arquivo pessoal

Ex-membros relatam segregação e dependência. O ex-pastor ainda diz que, somado à dependência financeira e emocional da igreja, quem deixa a instituição é chamado de “caído” e “endemoniado”. “Se você tem um comércio, os membros da igreja até param de comprar com você”, conta.

Se Roque não realizou o procedimento, Sávio, por sua vez, diz ter cedido à pressão e feito a cirurgia quando tinha 33 anos. Ele atuou como pastor em 17 cidades e trabalhou nos programas de televisão da Universal e agora também processa a igreja.

“Alguém pode afirmar: ‘Mas eles não colocam uma arma na sua cabeça’. E eu digo que colocam, sim, a palavra [Bíblia] é uma arma poderosa. A trama de argumentos e as ameaças são feitas o tempo todo. Quem não fizer a vasectomia vai ser punido. Perder o salário, ser transferido para o Nordeste. Vai perder o carro, vai ser rebaixado de cargo, vai ficar de castigo na administração.” disse Sávio

Sávio explica que enviar um pastor para a região Nordeste é uma espécie de castigo dentro da instituição. Isso porque, segundo eles, as igrejas da região seriam as de menor arrecadação.

Roque complementa dizendo que um bispo pede para que todos assinem “um documento como se estivessem fazendo [a cirurgia] de livre e espontânea vontade, mas, na verdade, estão sendo coagidos.”

Os ex-pastores dizem que a razão principal para essa exigência da denominação se dá pelo fato de que “o filho tira o foco do pastor e da mulher, sem falar que o pastor não fica em um lugar por muito tempo, e com filho acaba limitando um pouco o trabalho e ele se torna até menos agressivo na arrecadação financeira”. Ambos dizem que “as recomendações sempre saem do [Edir] Macedo. Ele é quem dita as regras da instituição.”

Ex-bispo nega ter sido obrigado a fazer vasectomia. Márcio*, ex-bispo da Universal, contou ao UOL que fez o procedimento aos 22 anos. Contrariando a versão de Roque e Sávio, ele nega ter sido forçado a fazer a cirurgia e afirma não ter se arrependido. “Sou casado há 26 anos e nunca tive essa sensação de frustração, e muito menos que fui obrigado a fazer vasectomia”, disse.

*Sávio e Márcio são nomes fictícios, usados para preservar a identidade das fontes que não quiseram ser reveladas

*Com informações de Uol