No supermercado: alimentos puxaram a fila dos itens que mais subiram de preço em 2024 (Foto: Agência Brasil)

O recém-empossado presidente do Banco Central, Gabriel Galípolo terá como uma de suas primeiras tarefas à frente da instituição o envio de uma carta nada agradável a Fernando Haddad, seu ex-chefe no Ministério da Fazenda. Do alto de uma taxa básica de juros de 12,25% ao ano, uma das mais altas do mundo, o economista terá de explicar os motivos que levaram a inflação a ter estourado o teto da meta estabelecida para 2024. Galípolo prestará os esclarecimentos porque é o novo comandante da política monetária, o braço que cuida oficialmente do índice de preços e dos juros do país. Entre especialistas e investidores, contudo, os dedos estão apontados para o outro lado, o da política fiscal capitaneada por Haddad e submetida aos desejos do presidente Lula, e que vem sendo marcada por um contínuo aumento dos gastos e da dívida pública.

O resultado de 2024 do Índice de Preços ao Consumidor Amplo, o indicador oficial de inflação do país, seria divulgado na sexta-feira (10), depois do fechamento desta reportagem. Independentemente do número exato, o IPCA extrapolou o limite anual determinado pelo Comitê Monetário Nacional.

A inflação veio mais alta do que se esperava no início do ano, está bem longe da meta atual de 3% e acima, ressalve-se, do teto de 4,5% da banda de tolerância na qual deveria oscilar. Essa espécie de margem de erro existe para comportar choques eventuais, e a carta aberta a ser escrita pelo presidente do Banco Central ao ministro da Fazenda é uma formalidade prevista apenas para as vezes em que a inflação termina o ano descumprindo a banda de tolerância. A ideia original é que esses eventos sejam exceção — mas, no Brasil, são incomodamente presentes. “Temos um Estado que gasta muito e governos que querem fazer a economia crescer a qualquer custo, uma das principais razões para passarmos tanto tempo sem a inflação estabilizada”, diz Heron do Carmo, professor de economia da Universidade de São Paulo e que coordenou os índices de preços da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas por mais de duas décadas. “Se tivéssemos uma situação fiscal mais organizada e visando o longo prazo, seria mais fácil termos inflação e juros mais baixos, com investimentos e crescimento maiores”.

Com o estouro do teto em 2024 completa-se o oitavo ano em que a inflação desrespeita os limites desde que o regime de metas foi implementado no Brasil, em 1999, quando Arminio Fraga assumiu o BC, durante a Presidência de Fernando Henrique Cardoso, com a missão de substituir o falido sistema de câmbio fixo. Desses oito anos, em sete o erro foi para cima — 2001, 2002, 2003, 2015, 2021 e 2022, além de 2024. E 2025 já começa candidato a se juntar à lista, pois as expectativas preliminares dos economistas são de que o IPCA suba ainda mais e passe dos 5% até o fim do ano, pressionado por uma demanda persistentemente aquecida e pela disparada recente do dólar para a faixa dos 6 reais. A única vez em que o furo da inflação brasileira foi no piso e não no teto ocorreu em 2017, mesmo ano em que entrou em funcionamento o falecido teto de gastos, congelando o crescimento das despesas públicas em termos reais.

A partir de 2025, passará a valer a chamada “meta contínua”, a primeira grande mudança no regime de alvos para a inflação em seus 26 anos de existência. Com a nova metodologia, a meta passa a ser considerada descumprida sempre que o índice de preços ficar fora das margens de tolerância por mais de seis meses seguidos, similar ao que ocorre em vários países. Até então, no Brasil só se cobrava a inflação dentro dos limites do alvo ao fim de cada ano, em dezembro.

Ser um país com dificuldades crônicas no campo da inflação traz graves consequências. Elas afetam não só a economia, que se torna refém de juros altos e de ciclos de crescimento de fôlego curto, mas também as empresas e os cidadãos, sempre as vítimas mais imediatas dos incômodos causados por preços altos demais.

Não à toa, em todas as vezes em que os períodos de inflação fora do teto se prolongaram, o Brasil teve troca de poder na Presidência. Lula foi eleito para substituir FHC em outubro de 2002, quando a alta de preços já estava há dezesseis meses rodando entre 6% e 7%, e Dilma Rousseff foi defenestrada, em agosto de 2016, após uma impressionante sucessão de quase 25 meses de inflação estourando o limite da banda. Jair Bolsonaro, presidente durante a pandemia e o choque global de preços que ela causou, perdeu a reeleição para Lula em 2022 quando o IPCA completava, em outubro, o vigésimo mês consecutivo acima da meta“.

O núcleo do problema, e, portanto, a chave para a solução, passa, de acordo com os especialistas, por redimensionar o tamanho dos gastos públicos, que por natureza já são um gerador de estímulos ao consumo e à inflação. Como, por aqui, tanto os gastos quanto a dívida pública são historicamente elevados na comparação com os demais emergentes, e estão crescendo rapidamente, esse fardo fiscal tem servido, também, para aumentar a desconfiança dos investidores. Isso se materializa em saída de capitais, dólar subindo e, de novo, inflação ficando mais alta. “A história mostra que o Brasil não precisa conviver com inflação elevada”, afirma Henrique Meirelles.

Quando esteve no BC com Lula, houve um esforço do governo para manter as contas no azul por todo o período, o oposto do que se dá hoje. Na segunda passagem, com Temer, foram feitas as primeiras grandes reformas, como o teto de gastos e a trabalhista. Em ambas, Meirelles saiu com inflação e juros menores do que quando entrou. “Fizemos um rígido controle de gastos, e a política fiscal andava na mesma direção que a monetária”, diz ele.

Com informações da Veja