A ministra da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos, Esther Dweck (de costas), durante anúncio do edital do 1° Concurso Público Nacional Unificado - Foto: Wilson Dias / Agência Brasil

A prova do chamado “Enem dos concursos” vai exigir que seus candidatos comprovem engajamento com o serviço público, “espírito republicano” e a compreensão do que é o Estado democrático de Direito. Tudo isso, segundo o MGI (Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos), sem questões de “lacração” e sem partidarismo.

De acordo com o ministério, os candidatos do Concurso Público Nacional Unificado deverão mostrar flexibilidade para atuar em diferentes frentes do setor público e ter um amplo entendimento sobre o papel do Estado. As inscrições para a seleção começam na sexta-feira (19)

Especialistas ouvidos pela Folha e que se debruçaram sobre o edital do concurso explicam que o exame, com potencial para identificar vocação pública, deve ser elaborado de modo a extrair respostas analíticas dos candidatos, e não a opinião política.

“A gente não quer fazer uma prova de ‘lacração’, pretendemos selecionar as melhores pessoas possíveis, as mais qualificadas e com espírito público”, afirma Pedro Assumpção Alves, assessor do gabinete da Secretaria de Gestão de Pessoas do MGI e membro do grupo técnico operacional do exame.

O objetivo do concurso é, ainda segundo o MGI, atrair candidatos que compreendam a importância do Estado democrático de Direito, além de saber enfrentar as desigualdades regionais, mudanças climáticas e a revolução tecnológica.

“Fugimos dos temas muito tradicionais para tentar buscar conteúdos que dialogassem efetivamente com o tipo de problema que precisamos solucionar no serviço público”, afirma Alves.

As mudanças no concurso incluem também a distribuição de vagas em diferentes blocos, para tornar as carreiras mais transversais e formar equipes multidisciplinares, e a divisão das questões de conhecimento específico em eixos temáticos com pesos variados.

De acordo com estudiosos do setor público, o certame será inovador por ampliar a abordagem a valores humanos.

A prova de conhecimentos gerais não será dividida em disciplinas, mas deverá tratar de temas interdisciplinares relevantes para servidores públicos, como democracia, ética e diversidade, de acordo com Fernando de Souza Coelho, professor de administração pública da USP (Universidade de São Paulo) e integrante do Movimento Pessoas à Frente.

De acordo com ele, editais de provas passadas cobravam, por exemplo, noções de direito público e administrativo, além de disciplinas como português e inglês instrumental. Poucos traziam questões associadas ao espírito público.

Para Vera Monteiro, professora de direito administrativo FGV (Fundação Getulio Vargas) e vice-presidente do conselho do Instituto República.org, dedicado à gestão de pessoas no serviço público, o “Enem dos Concursos” uniformiza a etapa de conhecimentos gerais a partir de um conteúdo atualizado, que reflete a importância de identificar nos candidatos a vocação para atuar no setor.

De acordo com Humberto Martins, professor de gestão pública da FDC (Fundação Dom Cabral), é possível que a prova aborde episódios como o 8 de janeiro, quando Brasília foi invadida e vandalizada por apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Se for o caso, as questões devem ser elaboradas de modo a extrair uma resposta analítica do candidato, e não a opinião política.

Isso vale em todas as etapas, mas sobretudo na prova discursiva, que tem o maior potencial de avaliar o conhecimento do candidato sobre o Estado para além da memorização de conteúdo. Para Martins, a Cesgranrio, responsável pelo concurso, tem capacidade e experiência para desenvolver uma prova que possa captar esse espírito público.

Não ao canibalismo

Segundo Pedro Assumpção Alves, que é especialista em políticas públicas, a divisão em blocos tem como intenção provocar o candidato a refletir sobre sua própria trajetória profissional e formação acadêmica para, assim, avaliar em que área do serviço público poderia contribuir melhor.

Ele diz ainda que esse novo modelo também busca combater o “canibalismo” entre concursos, um dos problemas identificados pelo MGI, quando candidatos eram aprovados para vários órgãos e escolhiam a vaga que mais lhe interessava, deixando outras instituições sem a força de trabalho.

De acordo com Alves, a prática gerava lacunas em diferentes processos seletivos. “Se, por um lado, abrimos a oportunidade de concorrer a mais de um cargo, induzimos que ele escolha uma das oito áreas e faça uma reflexão de onde ele se enquadra”, afirmou.

Prova a cada dois anos

Após o anúncio do edital, a ministra Esther Dweck falou sobre a intenção de tornar o concurso bianual. Se for para frente, Pedro Assumpção Alves, do MGI, diz que a pasta vai avaliar os resultados obtidos nesta primeira edição para implementar a periodicidade.

“Essa não é a versão final do processo seletivo. Estamos dando os primeiros passos em direção a uma forma mais racional e efetiva de seleção, que responda àquilo que entendemos como desafio a partir da experiência de estar no governo federal.”

O tradicional enfoque da mídia dos concursos públicos voltado para o concurseiro é outro ponto destacado pelo professor professor da USP Fernando de Souza Coelho, e que precisa ser redirecionado para a gestão e o interesse públicos.

“O objetivo principal de um concurso público é selecionar as pessoas mais aptas e vocacionadas, buscando uma burocracia representativa e vocacionada, que vá além da busca por estabilidade e altos salários.”

As inscrições para o concurso abrem na sexta-feira (19) e seguem até 9 de fevereiro, com valores que vão de R$ 60 (nível médio, bloco 8) a R$ 90 (nível superior, blocos 1 a 7). O candidato pode escolher apenas um entre os oito blocos. Para se inscrever, acesse o portal Gov.br

*Com informações de Folha de São Paulo