A Alitalia encerra 74 anos de história para dar passagem a uma jovem startup, a ITA, nascida de suas cinzas, em um mercado aéreo que luta pela recuperação após as turbulências da pandemia de Covid-19.
O primeiro voo da Italia Trasporto Aereo (ITA) decolou nesta sexta-feira (15) às 6h20 locais (1h20 de Brasília) de Milão com destino a Bari, no sul do país, sete horas após o último pouso da Alitalia, na quinta-feira (14) à noite, em Roma, procedente de Cagliari.
Fundada em 5 de maio de 1947, a Alitalia foi o símbolo do milagre econômico da Itália após a Segunda Guerra Mundial e se tornou a sétima companhia aérea do mundo nos anos 1970, antes de entrar em um longo declínio, que se agravou nos últimos anos.
A história da empresa está entrelaçada com a do país: as primeiras comissárias de bordo vieram em 1950, a Alitalia foi a empresa de transporte oficial dos Jogos Olímpicos de Roma em 1960, superou a marca de 1 milhão de passageiros e Antonella Celletti foi a primeira mulher que pilotou um de seus aviões, em 1989.
“Assistimos com profunda tristeza ao fim da Alitalia, que era nossa marca nacional, símbolo da história do país”, declarou, emocionada, Laura Facchini, de 47 anos, auxiliar de voo da Alitalia durante duas décadas.
Como tantos outros, ela solicitou, em vão, sua integração ao quadro de funcionários da ITA, como parte da primeira série de 2.800 pessoas contratadas neste ano.
Até 2022 devem ser contratados 5.750 funcionários, de um total de 10.500 da Alitalia.
“Muitos de nós estamos desesperados porque não temos mais emprego. Estávamos muito ligados à empresa, muito motivados, sempre tivemos um sorriso no rosto”, disse a delegada nacional do sindicato UGL Transporte Aéreo.
Os sindicatos da Alitalia organizaram uma série de manifestações contra os “contratos com desconto” oferecidos pela ITA, com cortes de salário de até 20% e de até 40% para os pilotos, e a “venda por partes” da empresa.
O setor de aviação passou para a ITA, uma empresa totalmente estatal, mas os serviços de terra e de manutenção serão vendidos de maneira separada, por meio de licitações, como exigiu a União Europeia nas duras negociações com Roma.
A Comissão Europeia aprovou em setembro uma injeção de 1,35 bilhão de euros (1,566 bilhão de dólares) de fundos públicos. Mas exigiu a “descontinuidade econômica” entre Alitalia e ITA, isentando a última da devolução dos “auxílios estatais ilegais” recebidos por sua antecessora.
Ao longo dos anos, o Estado italiano desembolsou mais de 13 bilhões de euros (quase 15 bilhões de dólares) para tentar salvar a empresa, entre recapitalizações e créditos.
Mesmo assim, a Alitalia acumulou perdas de 11,4 bilhões de euros (13,2 bilhões de dólares) entre 2000 e 2020.
“O grande erro foi não investir no lucrativo mercado de longa distância”, declarou Andrea Giuricin, economista especializado em transporte da Universidade Bicocca, de Milão. Especialmente porque as companhias de baixo custo, como Ryanair e Easyjet, quebraram o mercado com a redução de preços dos voos de curta distância e o trem de alta velocidade reduziu o tempo de viagem entre Roma e Milão de seis para três horas.
À beira da falência, a Alitalia ficou sob a supervisão da administração pública em 2017, mas a situação se agravou ainda mais com o impacto da pandemia de Covid-19, que paralisou diversas companhias aéreas.
Em 2020, a Alitalia registrou perdas de 2 milhões de euros (2,32 milhões de dólares) por dia, transportando apenas 6,3 milhões de passageiros no ano, em comparação com os 52,1 milhões da Ryanair e os 34 milhões da Air France-KLM.
Com uma frota reduzida à metade, de 52 aviões, incluindo sete grandes, a ITA enfrentará dificuldades.
“Resistir à concorrência dos gigantes Air France-KLM e Lufthansa nas viagens internacionais e das companhias de baixo custo no mercado nacional é impossível”, disse Giuricin.
Desde que a Alitalia ficou sob supervisão pública, há quatro anos, o governo procurou, em vão, compradores. No passado, porém, a Alitalia atraiu grandes pretendentes, como a Air France-KLM, que apresentou uma oferta em março de 2008, rejeitada por Silvio Berlusconi, que assumiu o poder logo depois com base em uma campanha sobre a defesa da “italianidade”.
Resgatada por um grupo de empresários italianos, a Alitalia precisou de um novo resgate em 2014 por parte da empresa Etihad (Emirados Árabes), que adquiriu 49% de seu capital, o que não freou a trajetória rumo ao colapso.
O famoso logo verde sobre fundo branco da Alitalia não vai desaparecer, pois a ITA venceu na quinta-feira a licitação para sua compra ao pagar 90 milhões de euros (104 milhões de dólares). (AFP)