Ao longo da costa rochosa e livre de gelo da Antártida, milhões de pinguins-de-barbicha (Pygoscelis antarcticus) formam todo ano colônias de reprodução —caóticas, barulhentas e, sim, fedorentas—, botando em novembro ovos que eclodem no fim de dezembro e em janeiro.
Nesses meses, proteger o ninho é um assunto sério para esses pinguins, uma vez que gaivotas-pardas ficam à espreita. Por isso, adormecer durante o trabalho pode significar a ruína dos ovos e, é claro, dos filhotes. Mas essa espécie, anunciaram cientistas nesta quinta-feira (30), desenvolveu uma maneira engenhosa de dormir o suficiente sem comprometer a vigilância.
Pesquisadores documentaram um comportamento de sono bem peculiar. Em vez de dormirem por períodos prolongados, os pinguins-de-barbicha cochilam milhares de vezes por dia —por apenas cerca de quatro segundos de cada vez— e atendem suas necessidades de sono cumulativamente, somando em torno de 11 horas por dia.
“Eles mostram uma inesperada adaptação do sono, um compromisso entre a necessidade de dormir e a necessidade de estar acordado”, afirmou Paul-Antoine Libourel, do Centro de Pesquisa em Neurociência de Lyon, na França, autor principal da pesquisa publicada na revista Science.
“Isso não havia sido documentado antes”, disse o ecologista comportamental e coautor do estudo Won Young Lee, do Instituto de Pesquisa Polar da Coreia do Sul na cidade de Incheon.
Foram coletados dados de 14 pinguins incubando ovos em uma colônia com aproximadamente 3.000 casais reprodutores na Ilha King George, na Antártida, em dezembro de 2019. Os pesquisadores mediram a atividade elétrica no cérebro —evidência de atividade do sono— por meio de eletroencefalografias.
Além disso, filmaram as aves e usaram outros dispositivos de biorregistro, como monitores GPS e acelerômetros, para rastrear a localização e movimentos corporais.
Enquanto guardam seus ninhos, os pinguins-de-barbicha têm diariamente, em média, de 10 mil a 15 mil microdormidas —interrupções da vigília por alguns segundos, com fechamento dos olhos e atividade cerebral relacionada ao sono. O sono ocorre enquanto estão em pé ou deitados.
O sono é um bem precioso devido ao seu valor restaurador. Nas pessoas, as microdormidas podem ser perigosas —por exemplo, ao dirigir. Mas não para os pinguins-de-barbicha.
“Os pinguins não apresentam nenhuma consequência negativa óbvia da fragmentação do sono”, disse Libourel. “Como as aves podem se reproduzir e forragear eficientemente, acreditamos que a função do sono pode ser cumprida mesmo quando o sono é perturbado dessa maneira.”
Lee disse que outros animais podem usar estratégias de sono semelhantes, embora ainda não tenha sido documentado.
Os pinguins-de-barbicha, um dos pinguins mais abundantes na região antártica, são chamados assim por causa da faixa de penas pretas sob o queixo. Os adultos têm entre 70 e 80 cm de altura e pesam de 3 a 6 kg.
Eles geralmente permanecem com o mesmo parceiro de reprodução ano após ano, em uma espécie de casamento. As fêmeas botam dois ovos em um ninho circular feito de pedras, e os filhotes nascem cerca de 37 dias depois. Nesse período, os machos e as fêmeas compartilham as responsabilidades parentais, com um guardando os ovos ou filhotes continuamente enquanto o outro busca alimento no oceano por vários dias.
Também nesse período, as gaivotas predam os ovos de pinguim, especialmente na periferia de uma colônia. Os pinguins-de-barbicha também precisam defender seus ninhos de intrusões de outros pinguins na colônia lotada e barulhenta.
“É uma paisagem incrível, em constante mudança, não tão fria, com uma temperatura média de cerca de 1ºC. Mas às vezes muito ventosa, com queda de neve”, disse Libourel.
“Como biólogo de campo, tenho observado pinguins desde 2014. A colônia de pinguins está localizada perto da costa. É bastante fedorenta devido às fezes dos pinguins. Além disso, é muito barulhenta com os chamados dos pinguins”, acrescentou Lee.
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