Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva e Presidente da França, Emmanuel Macron, durante declaração conjunta à imprensa no Palácio do Eliseu, em Paris - Foto: Ricardo Stuckert / PR

No primeiro dia da visita de Estado que realiza à França, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi recebido pelo homólogo francês, Emmanuel Macron, em Paris, nesta quinta-feira (5). Apesar do clima de cumplicidade entre os dois, as divergências sobre a guerra na Ucrânia e o acordo comercial negociado entre o Mercosul e a União Europeia foram evidenciadas durante uma coletiva de imprensa conjunta.

Recebido no Palácio do Eliseu, Lula indicou que assumirá nesta sexta (6) a presidência rotativa do bloco sul-americano, até dezembro, e prometeu não deixar o posto sem que o acordo seja ratificado. “Portanto, meu caro, abra o seu coração para a possibilidade de fazer esse acordo com o nosso querido Mercosul”, disse o presidente, arrancando risos de Macron e da plateia de autoridades e jornalistas.

A França lidera um grupo de países contrários à ratificação do tratado, por temerem os impactos da concorrência dos produtos agrícolas do Mercosul no mercado europeu.

“É importante que os agricultores franceses saibam que, possivelmente, a nossa agricultura seja complementar. O que não pode é um bloqueio. Vamos colocá-los para conversar com os nossos agricultores. (…) E se precisar, eu venho conversar com eles, para mostrar que vão ganhar”, sugeriu Lula, ao mencionar a cifra de US$ 22 trilhões que seriam movimentados com a entrada em vigor do texto.

“Não é pouca coisa esse acordo. E é uma resposta àqueles que não querem mais o multilateralismo. Nós não queremos voltar ao protecionismo”, frisou. “Como eu sou muito otimista, vou regressar ao Brasil certo de que nós vamos fechar o acordo, com esse sorriso do Macron”, brincou.

O presidente francês, entretanto, voltou a afirmar que Paris deseja “melhorar” o texto – assinado em dezembro de 2024 entre o Mercosul e a Comissão Europeia, mas que ainda precisa ser aprovado internamente pelos países que compõem os dois blocos. Macron defendeu o livre comércio “de maneira justa”, e mencionou alternativas como cláusulas de salvaguarda para proteger os produtores de “desestabilização dos mercados”.

“Este acordo, no momento estratégico que nós vivemos, é bom para muitos setores. Mas ele gera um risco para a agricultura dos países europeus”, destacou. “Nós proibimos que os nossos agricultores usem alguns componentes [químicos], pedimos para que mudassem as suas práticas, mas os países do Mercosul estão longe de estarem no mesmo nível de regulamentação. Não é uma diferença de competitividade, mas de normas: as obrigações não são as mesmas”, declarou.

Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva e Presidente da França, Emmanuel Macron, durante declaração conjunta à imprensa no Palácio do Eliseu, em Paris – Foto: Ricardo Stuckert / PR

“Sim, nós queremos abrir. Sim, nós queremos mais comércio, mas devemos respeitar os nossos agricultores e respeitar a coerência das nossas ambições [climáticas]”, insistiu.

Ucrânia

Os dois líderes também abordaram os conflitos internacionais. Sobre a guerra na Ucrânia, Lula reiterou a proposta elaborada com a China e 13 países emergentes para negociar uma solução para o conflito.

“As pessoas precisam se dar conta – e eu disse isso pessoalmente ao presidente Putin: chegou um momento em que as pessoas já sabem onde isso vai dar. Já está mais do que provada a insanidade da guerra”, afirmou.

“Discuti muito com o Xi Jinping [presidente chinês] e nos colocamos à disposição: quando os dois quiserem negociar a paz, nós estaremos dispostos a dar a nossa contribuição”, salientou, em referência aos presidentes da Rússia, Vladimir Putin, e da Ucrânia, Volodymyr Zelensky.

Ao seu lado, Macron foi enfático sobre o papel de “agressor” da Rússia no conflito. “Queremos todos a paz, mas não podemos tratar os dois beligerantes de maneira equidistante”, frisou o líder francês.

Macron observou que a proposta de cessar-fogo apresentada em março pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, foi aceita pelo presidente Zelensky, mas é “constantemente recusada pelo presidente Putin”. “Ele iniciou a guerra e ele não quer um cessar-fogo”, argumentou.

O líder francês saudou a iniciativa sino-brasileira de tentar mediar um diálogo entre Moscou e Kiev e a defesa do multilateralismo por Lula, porém indicou que “defender o multilateralismo é defender a Carta das Nações Unidas”.

“O papel do Brasil e da China é de defender a resolução deste conflito e da paz em pleno respeito à Carta das Nações Unidas, que prevê o respeito à integridade territorial dos Estados, que foi violada por um único país, a Rússia, e não pela Ucrânia”, insistiu.

‘Genocídio’ em Gaza

Em relação ao conflito em Gaza, Lula lembrou que, como o Brasil, a França também defende a formalização do Estado palestino, e voltou a afirmar que as operações de Israel na Faixa de Gaza são um “genocídio”.

“Estamos vendo um genocídio na nossa cara, todo o santo dia. Ainda ontem, acho que morreram 95 pessoas. Todos inocentes e todos civis, não tem nenhum chefe do Hamas”, afirmou. Lula alegou que as operações militares israelenses são comandadas por “um governante de extrema direita que está fazendo uma guerra contra os interesses do seu próprio povo”.

Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva e Presidente da França, Emmanuel Macron, durante declaração conjunta à imprensa no Palácio do Eliseu, em Paris – Foto: Ricardo Stuckert / PR

“Desculpem a emoção, mas é triste. É triste saber que o mundo se cala diante de um genocídio, em que a grande vítima não é soldado que está em guerra, mas mulheres e crianças. O dia que eu perder a capacidade de me indignar, eu não mereço ser dirigente do meu país”, comentou Lula.

O presidente brasileiro e os oito ministros que participam da comitiva que viaja a Paris foram recebidos para um almoço no palácio do Eliseu. Ainda nesta tarde, Lula é homenageado pela Academia Francesa e se reúne com a prefeita de Paris, Anne Hidalgo. Na prefeitura, encontrará integrantes da comunidade brasileira residente na França. À noite, Lula retorna ao palácio do Eliseu, para um jantar com o presidente francês.

*Com informações de Terra