Excesso de trabalho, falta de estrutura e salários baixam estão entre as principais reclamações dos professores - Foto: GettyImages

Ana (nome fictício), de 33 anos, é professora de língua portuguesa do ensino fundamental 2 (6º ao 9º anos). Já são, ao todo, 12 anos trabalhando em sala de aula, sempre em escola pública. Ela gosta do que faz. Está sempre “tentando fazer o melhor”. Mas, de um ano e meio pra cá, isso se tornou uma tarefa difícil e que tem custado a sua saúde mental.

Ela conta que, desde que começou a ensinar na rede pública de Salvador, se sente “extremamente ansiosa”, a ponto de precisar de ajuda psicológica. Antes disso, ela ensinava em uma escola em uma cidade da região metropolitana.

“A partir do momento que eu comecei a trabalhar aqui em Salvador, foi quando eu passei no concurso e tudo mais, coincidentemente, meses depois, eu comecei a fazer terapia. E essa terapia eu atribuo 100% ao meu trabalho na minha escola atual. O que me fez procurar essa terapia foi esse movimento de ansiedade mesmo”, relata.

Ter que ensinar em uma sala calorenta e abafada, porque os ventiladores estão quebrados, deixa Ana ansiosa. Não ter papel para fazer cópias de atividades para os alunos a deixa ansiosa. Tentar ensinar alunos que não perguntam, que não interagem, que parecem desinteressados é outra fonte de ansiedade. E receber todo mês um salário abaixo do piso também impacta Ana.

“Você sente que você não tem o mínimo pra trabalhar, e isso gera uma frustração, gera uma impotência. E se você é um professor minimamente comprometido, isso te machuca porque você percebe que você não está conseguindo fazer o seu melhor […] Você se sente fracassado mesmo.”

Professores adoecidos

Ana preferiu não se identificar, para não se expor, nem expor a escola onde ensina. Mas ela diz que as queixas não são só dela. “Eu acho difícil você conversar com qualquer colega meu e ouvir coisas diferentes do que você está ouvindo de mim, porque é uma coisa muito unânime mesmo, não é algo pontual. Os professores estão adoecidos. Eles chegam na escola querendo ir embora, pedindo pra chegar a hora de ir embora, entende?”, desabafa.

E, de fato, pesquisas revelam que a realidade da professora Ana é parecida com a de outros docentes da rede pública de ensino em todo o País.

Uma pesquisa feita com 6,8 mil professores de escolas públicas de todo o Brasil, divulgada em abril deste ano, revelou que 71% disseram que se sentiam, em alguma medida, estressados no trabalho.

Levantamento foi feito pelo instituto de pesquisa Inteligência em Pesquisa e Consultoria Estratégica (Ipec) e encomendado por entidades como Todos Pela Educação, Itaú Social, Instituto Península e Profissão Docente.

Um dado que chamou atenção nessa pesquisa foi que 18% dos professores ouvidos disseram que a principal medida que a secretaria de Educação deveria priorizar nos próximos anos é oferecer apoio psicológico aos professores e estudantes.

O aumento de salário foi citado por 17% dos profissionais, seguido da promoção de programas de reforço e recuperação para os estudantes (16%).

Outra pesquisa, divulgada em 2022, mostrou que o percentual de profissionais de educação que consideram sua saúde mental “ruim” ou “muito ruim” aumentou de 13,7%, em 2021, para 21,5%, em 2022. Em 2020, esse percentual foi de 30,1%.

A pesquisa ouviu mais de 5 mil profissionais da educação, entre professores e gestores, a maioria de escolas públicas, de todos os Estados do País e do Distrito Federal, e foi realizada pela Nova Escola, plataforma de conteúdos e serviços para professores, em parceria com o Instituto Ame Sua Mente.

Cuidado com a saúde mental

“A minha saúde física e mental anda bem difícil”. Foi assim que Maria (nome fictício), de 40 anos, começou a responder quando perguntada sobre como andava a sua saúde mental.

Ela é professora há 24 anos. Atualmente, trabalha em uma escola pública em um bairro nobre de São Paulo. Ela cuida de duas turmas, com 28 crianças cada, com idades entre 3 e 6 anos, algumas com deficiência física ou mental. Ela fala que até conta com algum apoio fora de sala de aula, por conta dos alunos com deficiência, quando eles precisam comer ou se locomover, mas “dentro da sala de aula, só sou eu mesma, com 28 crianças”.

“A minha saúde física e mental anda bem difícil porque não é só a demanda da escola, né? A gente que é mãe tem dupla jornada. Então eu fico esgotada fisicamente e mentalmente. São duas turmas, são 56 crianças, são 56 famílias e 56 demandas.”

“A gente tem crianças que necessitavam de apoios de psicólogos, apoios multidisciplinares que são prometidos para a escola, mas eles não chegam. Então esses apoios fazem muita falta no dia a dia da escola e comprometem a nossa saúde física e mental para lidar com essa demanda todinha”, complementa.

Para conseguir lidar com essas dificuldades, ela faz terapia com psicólogo e paga as sessões do próprio bolso. Ela conta que, por ser funcionária pública, poderia contar com o atendimento que é oferecido gratuitamente no Hospital do Servidor Público Municipal, mas ela diz que a quantidade de vagas oferecidas é limitada e não consegue atender todos os professores do município.

“A gente tem que bancar a nossa saúde mental particular. Porque eles têm até alguns projetos dentro do [Hospital do] Servidor Público, mas não atende toda a demanda”, diz.

E, além de terapia, Maria busca outras formas de se manter saudável mentalmente. “São momentos que a gente consegue, que são raros, para o lazer, leitura e estudar, que, para mim, sempre foi algo que faz parte da manutenção da minha saúde mental”, detalha.

A professora Ana, lá de Salvador, também paga pelas consultas com psicólogo, mas desembolsa um valor menor, “como se fosse uma tarifa pela metade”. E isso é possível porque, no caso da rede pública de ensino da capital baiana, existe, segundo ela, uma parceria entre a prefeitura e clínicas particulares, que oferecem descontos.

Cuidar de si para cuidar melhor do outro

É cuidando da saúde da sua mente que o professor José Benetti, de 41 anos, tem conseguido se sentir melhor e também cuidar um pouco melhor dos seus alunos. Ele é professor de artes em uma escola pública em Porto Alegre. Ele trabalha na área da educação há cerca de dez anos.

“Eu percebo que, no dia a dia, várias vezes eu me desestabilizo, me desequilibro, eu grito com os alunos. Quando isso acontece, eu paro e penso: ‘O que que tá acontecendo?’ Tá faltando eu olhar com mais amorosidade naquele momento. Não que o grito em si seja um problema, porque às vezes ele precisa pra poder conter alguma situação, mas se ele vem com raiva e não vem com amor, ele bloqueia a conexão, ele bloqueia o vínculo. E esse vínculo de afeto precisa acontecer, senão não tem aprendizagem”, relata.

O professor conta que faz terapia com psicóloga, frequenta um centro budista e, este ano, participou de uma série de cursos que forneceram ferramentas para que ele pudesse cuidar melhor de si e dos alunos em sala de aula.

Os cursos fazem parte do programa SEE Learning (Social, Emotional and Ethical Learning, traduzido para o português como Aprendizagem para Corações e Mentes), que é oferecido gratuitamente pela ONG Gaia+, fundada em 2014 e que tem como foco a educação com compaixão.

O projeto surgiu em 2021. Segundo Eduardo Pacífico, um dos fundadores e diretores da ONG, em pouco mais de dois anos, foram formados quase 2 mil professores de 445 municípios de todas as regiões do País.

“A gente tem uma série de dados mostrando que o quanto participar das aulas do curso reduz estresse, reduz ansiedade, reduz frustração, aumenta bem-estar, atenção, motivação e o quanto isso é importante para os professores e o quanto isso reflete na sala de aula, reflete nos alunos, reflete em todo o clima escolar”, comemora.

Eduardo Pacífico explica que o programa, criado pelo Centro para Ciência Contemplativa e Ética Baseada na Compaixão, da Universidade Emory, dos Estados Unidos, foi adaptado para o contexto brasileiro pela Gaia+ e é alinhado às diretrizes propostas pela Base Nacional Comum Curricular (BNCC).

“Eu me sentia inspirado quando encontrava o grupo, nas partilhas, quando as pessoas falavam das suas realidades da sala de aula”, lembra José Benetti. O professor fala que, durante os cursos, aprendeu formas mais lúdicas de praticar a meditação com os alunos em sala de aula, além da importância de estimular os estudantes a observarem como estão se sentindo em cada momento.

“[Aprendi também] a dar voz para eles, sentar em roda, e cada um se escuta. Dar esses passos pra eles se escutarem porque essa educação, que só o professor fala, os alunos escutam, têm que ficar em silêncio e não podem conversar, é muito ultrapassada”, diz.

O professor só lamenta que ainda não tenha conseguido implementar em sala de aula tudo que aprendeu durante os cursos. “Esse treinamento oferece ferramentas, mas nem sempre dá pra aplicar no dia a dia por conta da correria, por conta do sistema mesmo, né, que às vezes, em geral, é engessado”, fala.

*Com informações de Terra